António Júlio Rosa, ex- Alferes Mil.º
Atirador, serviu Portugal na Província Ultramarina da
Guiné, integrado na
Companhia de Artilharia 1743.
Esteve prisoneiro do PAIGC, no período de
2 de Fevereiro de 1968 a 22 de Novembro de 1970
O livro:
"Memórias
de um Prisioneiro de Guerra"

título: "Memórias de um Prisioneiro de
Guerra"
auto: António Júlio Rosa
editor:
Campo das Letras
1ªed. Porto, Nov2003
174 págs
preço: 13,23€
ISBN: 972-610-716-4
Extracto: (pp.82/3)
– «Os guardas daquele estabelecimento prisional [Kindia],
na Guiné Conacry, levaram-nos para o interior e
fecharam-nos em celas individuais. Estas eram de tamanho
muito reduzido e só deixavam ver um pátio central,
através das grades, colocadas na parte superior da porta
de ferro. Fiquei muito confuso e levantaram-se-me muitas
dúvidas: Que mal teria eu feito àquele país, para me
terem prisioneiro?!... Seria que nos iriam sujeitar a
trabalhos forçados, como sugeria o nome da prisão?!...
Estava deveras muito apreensivo quando, inesperadamente,
alguém abriu a porta da cela!...
Com espanto, vi um guarda acompanhado por um homem, de
raça branca, com uma barba loira enorme. Pensei
imediatamente: Só me faltava haver aqui cubanos!...
Afinal estava enganado!... Estendeu-me a mão para me
cumprimentar e perguntou-me se estava bom. A minha
expectativa manteve-se!... Quem seria aquela
personagem?... Ao apresentar-se-me dissiparam-se as
dúvidas:
- "Sou o Lobato!...Sou piloto da Força Aérea e estou
aqui, como prisioneiro, há mais de quatro anos!..."».
Recensões:
1. "Memórias da guerra"
– «A Associação dos Ex-Combatentes da Ilha do Faial
realizou no passado dia 20 de Abril [de 2007] no
Polivalente dos Flamengos, com a presença do Presidente
da Assembleia Regional dos Açores e da Junta de
Freguesia, um debate sobre a Guerra Colonial. Entre os
oradores convidados contava-se António Júlio Rosa, que
fez a apresentação do seu livro "Memórias de um
Prisioneiro de Guerra", testemunho vivo da saga de um
dos muitos jovens que foi trazido para um duríssimo
conflito e que com ele teve de conviver em
circunstâncias extremamente difíceis.
É um livro que não resisti a ler de fio a pavio, e que
recomendo sem restrições a todos os que – e foram
imensos – aqueles que viveram directa ou indirectamente
as circunstâncias da guerra, muito em especial na
Guiné-Bissau.
Com o livro de António Rosa, reconstruí um pouco do
cenário guineense em que o meu pai viveu alguns anos e
de que nunca falou à família, a começar exactamente por
essa recusa em recordar o que então se viveu e que
parece tão espalhada entre os ex-combatentes, e revi
também o cenário da guerra tal como o acompanhei à
distância.
No livro de António Rosa vê-se uma Guiné que, já nos
anos sessenta, escapa largamente ao domínio militar
português, incluindo zonas confinantes a Bissau,
confirma-se uma liderança nacionalista com princípios e
valores, o jogar com os prisioneiros mais como trunfo
político ou mediático do que numa lógica de vingança,
que os líderes nacionalistas proscrevem.
Vêem-se também terríveis condições, não porque os
carcereiros dos portugueses sejam especialmente
perversos – com as inevitáveis excepções – mas porque
são péssimas as condições gerais.
Pense-se o que se pensar politicamente dos protagonistas
civis ou militares da guerra, reconheço hoje que a
operação Conakri teve todo o sentido, e confirma-se que
dela poderia ser extraído um filme com mais base
concreta que alguns dos que foram feitos sobre o
Vietname.
Percebe-se também porque razão aquela Guiné era o
cadinho em que se preparava a inevitabilidade do fim do
regime, que a realidade mostrava impossível de sustentar
mesmo pelos mais dedicados e convictos defensores da
ideia que então se fazia da pátria.
O drama das tribos ou das aldeias que apostam no cavalo
que provará não ser o mais indicado é também claramente
antevisto, embora o autor – que faz questão em manter a
sua escrita no plano dos factos – não se dedique à
análise desses dramas.
António Rosa encarna a figura do herói português, do
interior do país, enxuto de palavras, humanamente aberto
mas muito sólido nos princípios de honra e camaradagem.
O seu livro é empolgante, e recorda-nos o dever de
prestar a mais sentida homenagem a todos os que
cumpriram um dever, mesmo quando esse dever lhes era
estranho e amargo.»
(Paulo Casaca, eurodeputado socialista; Estrasburgo,
24Abr2007)
2. "O Refeitório de Tite"
– «A CCS/Batalhão Artilharia 1914 ficou aquartelada nas
bolanhas do sul, de Abril/1967 a Março/1969. Estiveram
também em Tite durante esse tempo a Comp. de Artilharia
1743, o Pelotão de Morteiros 1208, o Pelotão Daimler
1131 e uma Secção de Obuses. Faziam parte da área
geográfica desta Unidade os destacamentos do Enxudé,
S.João, Nova Sintra e Jabadá. [...] Parafraseando o
Alferes Rosa (a quem eu rendo o maior respeito e
admiração), numa das passagens do seu livro “Memórias de
um Prisioneiro de Guerra”, quando faz referência às
refeições que eram servidas na messe dos oficiais [do
BArt1914] em Tite, mais concretamente na página 38,
escreve:
– «Comia-se muito bem naquela “pousada”. Havia sempre
sopa, um prato (normalmente carne), sobremesa e sumo de
laranja [...] vinho acompanhava às refeições.»
Pois; mas para os restantes militares não oficiais,
menos os sargentos, as coisas não se passaram da mesma
forma. A escassez a qualidade dos alimentos e a fome era
uma realidade na maior parte dos dias, apesar de
estarmos a 30/40 quilómetros, linha recta, de Bissau.»
(Raul Pica Sinos, em 02Jun2008)
3. "Não consigo imaginar o que significa estar preso".
– «Já visitei várias cadeias e, obviamente, conversei
com muitos presos.
No entanto, é-me impossível calcular os sentimentos de
quem se encontra privado da liberdade.
Ainda assim, estimo que alguns reclusos tenham uma
postura de responsabilidade e assumam que o facto de
cumprirem uma pena de prisão resulta do comportamento
que adoptaram.
Esta será uma reacção possível de quem está atrás das
grades, por ter cometido um crime.
Completamente diversa é a situação dos prisioneiros de
guerra. Encontram-se num cenário consideravelmente mais
adverso e, ainda por cima, apenas foram detidos por
pertencerem ao exército oposto.
Alguns princípios regem a conduta destes prisioneiros.
No interrogatório, apenas são obrigados a indicar o
nome, o posto, o seu número e a data de nascimento.
Em contrapartida, é desaconselhável que faltem à
verdade, pois facilmente a mentira é detectada. É
preferível remeterem-se ao silêncio, quanto a outras
questões que lhes sejam colocadas.
Também não se preconiza que os prisioneiros de guerra
adoptem uma postura hostil em relação aos captores.
Depois, é recomendado que tentem a fuga.
Naturalmente, estas regras são aplicáveis no pressuposto
de que há respeito pela Convenção de Genebra, que impede
maus-tratos.
Precisamente no dia em que meu irmão completava três
anos de idade – tendo eu já feito quatro -, em 21 de
Novembro de 1970, foi levada a cabo uma operação que
visava libertar militares presos na Guiné, pelo
P.A.I.G.C.
Tratou-se da Operação Mar Verde, que foi conduzida pelo
Comandante Alpoim Calvão, à revelia do poder político. A
manobra nunca chegou a ser reconhecida oficialmente pelo
Estado Português.
Dez dias antes, António de Spínola escreveu ao
Presidente do Conselho, dizendo que iria ocorrer um
golpe de Estado e que os militares portugueses
apoiá-lo-iam.
Na realidade, consistia numa operação exclusivamente
organizada por portugueses.
Foi bem sucedida no que muito justamente era devido: o
resgate de 16 jovens prisioneiros, que se encontravam há
anos nas mãos do movimento independentista da
Guiné-Bissau.
Falhou naquilo que seria uma tragédia, caso tivesse
havido êxito. A operação tinha também como objectivo
matar Sékou Touré, Presidente da República da
Guiné-Conacri. Pretender-se-ia, posteriormente, entregar
o poder desse país a homens que não apoiassem o PAIGC.
Se tal fosse alcançado, Spínola perderia toda a
credibilidade. A ONU e a maior parte dos Estados não
reconheceriam certamente o novo Governo de Guiné-Conacri.
Esgotar-se-ia qualquer possibilidade de solução
negocial, sendo militarmente impossível vencer os
independentistas da Guiné-Bissau.
Durante anos, pouco se falou da Operação Mar Verde.
Em 1997, o jornal “Expresso” reuniu os antigos
prisioneiros de guerra. Seis anos mais tarde, um deles –
António Júlio Rosa – publicou as “Memórias de Um
Prisioneiro de Guerra”. Há dois anos atrás, foi lançada
a obra “Operação Mar Verde”, de António Luís Marinho.
Actualmente, sabe-se, com rigor, o que sucedeu.
Tudo começou com declarações prestadas pelo fuzileiro
Alfaiate. No dia 18 de Fevereiro de 1968, em conjunto
com outros dois camaradas, este militar deixou a tropa e
uniu-se ao Partido Africano para a Independência da
Guiné e Cabo Verde. Mas, algum tempo depois, entregou-se
ao exército português. Passou a ser conhecido como
ex-desertor Alfaiate.
Explicou que os portugueses capturados encontravam-se em
território da Guiné-Conacri. Numa folha de papel,
desenhou um esboço da pequena cadeia, detalhando as
quatro celas, as instalações dos guardas e o refeitório.
Assim, foi preparada a invasão, que permitiu a dezena e
meia de jovens regressarem a Portugal. Não para se
juntarem, de imediato, à família. Foram conduzidos para
Oeiras e permaneceram em instalações controladas pela
PIDE - a polícia política -, onde foram submetidos a
constantes interrogatórios.
Actualmente, todos reconhecem que, apesar da dureza
imposta pela privação da liberdade, nunca foram
maltratados, tendo o PAIGC observado rigorosamente as
disposições da Convenção de Genebra.
Aliás, três destes prisioneiros haviam-se evadido em
Março de 1969, sendo recapturados poucos dias depois,
sem que sofressem represálias.»
(Hélder Fráguas, em 19Jan2009,
in
http://sol.sapo.pt/blogs/helderfraguas/archive/2009/01/19/O-ALFAIATE-VIRA_2D00_CASACAS.aspx
)
4. "Tivemos poucos prisioneiros de guerra e as suas
histórias devem ser conhecidas".
– «António Júlio Rosa, nascido [em 1946] em
Abrunhosa-a-Velha, povoação do concelho de Mangualde,
parte com 20 anos para Mafra, tem o 7º ano de liceu, vai
frequentar o COM. [...] Sentiu gosto na preparação
física, no fim da recruta foi para EPA em Vendas Novas,
tirar a especialidade. [...] Em Vendas Novas fez 21
anos. Depois é colocado em Leiria no RAL4. Em Outubro
está mobilizado para servir na Guiné, embarcará no dia
10Dez67 no "Alfredo da Silva". [...] Em rendição
individual, foi bem acolhido pelo Batalhão de Tite,
gostou do seu comandante de companhia [CArt1743/RAL5], o
capitão miliciano [de infantaria José de Jesus] Costa.
[...] Recebeu como missão ir com o seu pelotão e mais
dois de milícias (um de Tite e outro de Empada)
conquistar e ocupar Bissássema. [...] Uma tabanca de
onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar
rasto, os 70 homens entraram sem problemas e logo
começaram a construir abrigos e planear um sistema
defensivo, durante dias foi um enorme movimento de
enxadas, pás e motosserras, já que era bastante grande a
área para defender. Pela meia-noite [de 02-03Fev68]
começou um ataque do PAIGC, meia hora depois o tiroteio
parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois
logo a seguir começou um novo ataque, a força do PAIGC
entrou dentro do quartel lançando granadas e semeando o
pânico. Abalado com a explosão de uma granada, António
Rosa e 2 soldados¹
foram apanhados à mão. Na madrugada do dia 3 de Janeiro
de 1968 ele passou a prisioneiro-de-guerra e levado para
a Guiné-Conackry.
Primeiro, o estupor da captura, a confusão de partir
dentro do mato denso, o chegar a uma base inimiga e ser
fechado numa pequena casa de mato. Depois, os primeiros
interrogatórios, António Rosa ainda tenta ocultar o
posto, será depois denunciado pela carteira com o
bilhete de identidade militar que levava no seu saco de
campanha. Em seguida, uma nova marcha passando por
diferentes acampamentos, novos interrogatórios, em que o
prisioneiro vai descobrindo que os guerrilheiros
recebiam apoios dentro das povoações onde operavam as
tropas portuguesas. Ele escreve: "O Vicente, um dos
chefes da base, mostrou-nos, como muito orgulho, tabaco
Marlboro e sabonetes Lux que a irmã lhe tinha enviado
nos últimos dias da povoação de Tite. Aquela sua irmã
era esposa do Jamilo, o proprietário do único café
existente na povoação da sede do meu batalhão. Se
enviavam encomendas, também era certo, mas não sabido,
que forneciam todo o tipo de informações acerca da nossa
tropa. Naquele teatro-de-guerra, como é que poderíamos
saber quem nos apoiava verdadeiramente?". Novas marchas
forçadas, os prisioneiros vêem à noite a iluminação de
quartéis portugueses nesta região sul, atravessam o
corredor de Guileje, terão percorrido cerca de 200km a
pé em 6 dias, atravessaram a fronteira, subiram para uma
camioneta e chegaram a Boké. É aqui que conversam com
Nino, então comandante da zona sul, e daqui partiram
para Conackry onde foram recebidos por Amílcar Cabral.
Mais tarde, partiram daqui para a prisão de Kindia onde
o alferes Rosa vai encontrar Lobato, um piloto da Força
Aérea que ali estava há 4 anos como prisioneiro.
Foi assim que começou a vida de cativeiro, com tempos
mortos, algum ódio e muita hostilidade dos guardas. O
alferes Rosa conhece o furriel Vaz. Será com Vaz e
Lobato que Rosa vai começar a gizar um plano de evasão.
Kindia era uma prisão para gente considerada perigosa.
Os três começam a estudar as possibilidades de se
evadirem, pensaram em fugir de avião, furtarem uma
viatura, fugir a pé. Os dias passavam lentamente, havia
tempo para ponderar todos os pormenores para ter sucesso
em alcançar de novo a Guiné. E em 3 de Março de 1969 o
plano de fuga é posto em prática. Inicialmente, tudo
correu muito bem, internaram-se na floresta, passaram
perto de aldeias, comeram fruta, viveram todas as
privações possíveis. Ao fim de 6 dias, foram capturados.
Desta vez não foram para Kindia mas para Conacri.
Inicia-se agora um novo período (de vinte meses) de
cativeiro.
Novos ódios, novos interrogatórios, chegam notícias da
família, António Rosa vem a saber que já não é filho
único, acabara de nascer um irmão. António Rosa regista
no meio deste tratamento duríssimo a boa educação de
Vasco Cabral que sempre os tratará com cortesia, em
todas as circunstâncias. Na noite de 21 de Novembro de
1970, no decurso da operação "Mar Verde", os
prisioneiros portugueses na Guiné-Conacri irão ser
libertados e transportados em navios de guerra até aos
Bijagós e daqui para Bissau. Farão a viagem num avião
militar DC6 até Lisboa.
Segue-se o regresso a Abrunhosa-a-Velha, mais tarde em
Mangualde António Rosa irá leccionar Educação Física e
depois tirará o curso de professor no Instituto Superior
de Educação Física. Irá efectivar-se na Escola
Secundária D. Dinis.
António Rosa exerceu o dever de memória. Ele e todos os
outros prisioneiros que participaram em experiências de
amargura e elevado conflito, merecem-nos esta narrativa
de um sofrimento que não pode ser iludido ou ignorado.»
(Beja Santos, em 27Abr2009;
in
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/05/guine-6374-p4330-bibliografia-de-uma.html)
¹ (o 1Cb OpCrpt
09352666 Geraldino Marques Contino, nascido em 1945 em
Envendos, Mação; e o Sld CAR/TmsInf 03468066 Victor
Manuel de Jesus Capítulo, nascido em 1945 em Santana,
Sesimbra; todos levados durante a madrugada para um
acampamento do PAIGC na área de São João)