
TRABALHOS, TEXTOS
SOBRE OPERAÇÕES MILITARES ou LIVROS
Informação e Imagem cedidas por
LC123278
Ascêncio de Freitas
"Na outra margem da guerra"
"Na
outra margem da guerra"
autor: Ascêncio de Freitas
editor: Ulmeiro
1ªed. Lisboa, 1999
195 págs
preço: 13,09€
ISBN: 972-706-300-4
Sinopse:
Apresentado em 25Mar2000 na Livraria Culsete em Setúbal,
com intervenções do autor, do editor e da drª Fátima
Medeiros, o tema «é a Guerra Colonial em Moçambique, com
relatos verídicos impressionantes de alguns prisioneiros
moçambicanos libertados das cadeias coloniais após o 25
de Abril de 1974».
Recensão (1):
– «Para um africano chegado a Portugal é com algum
espanto e malícia que descobre na ex-Metrópole uma boa
mão-cheia de tribos. Eles são os alentejanos, os de
Lisboa, os do Porto, até há fronteiras pouco claras a
desunir/unir minhotos e galegos… E tudo isto eivado dos
vícios tribalistas de sempre: complexos de superioridade
e de inferioridade, anedotas, rivalidades, tradições
venenosas, tudo elementos de
discriminação/identificação. Tribalismo "civilizado"
este, que remete cautelosamente a questão para a noção "soft"
de regionalismo, no entanto mais complexo e violento
logo que se passa ao vizinho país de castelhanos, bascos
e outros.
Ora bem, o fim do Império português trouxe para o meio
dos lusitanos mais algumas tribos, "sui generis", mas
tribos. Por comodidade, indiferença e ignorância (são
também um espanto para os africanos que aqui desembarcam
os disparates que ouvem sobre o tal Império),
chamaram-lhes a todos, indiscriminadamente,
"retornados".
É neste amálgama que quase desaparece a tribo "mulata"
moçambicana. Tribo "mulata" porque feita de todas as
cores, mas não só por isso. É que, brancos, pretos,
mestiços, indianos ou chineses, todos eles são…
"assimilados". Assimilados por culturas várias, do
Oriente ao Ocidente, assimilados pelo espaço africano,
pelos espaços urbanos e suburbanos de apenas dois
séculos, "mistos" de regiões animistas, cristãs e
muçulmanas, mestiços disto e daquilo, mulatos todos,
ponto final.
Dispersos por Portugal, Brasil, África do Sul e
Moçambique (para onde vão hoje, "retornando" de facto,
alguns poucos), falta porém à tribo uma consciência
clara da sua identidade. Tragicamente, esta só se
manifesta regularmente quando os elementos da tribo vão
desaparecendo. Basta ler a Necrologia dos diários
lisboetas e constatar como os "mulatos" moçambicanos
exilados sentem a necessidade de se re-identificarem
como tais na hora da morte. Para que a restante tribo
saiba que ficou mais reduzida.
Todas as tribos têm os seus escritores. A tribo mulata
moçambicana também. Ainda recentemente, um poeta
moribundo (Rui Knopfli) cantou os monhés das cobras da
sua adolescência, muitos anos atrás um historiador
(Alexandre Lobato) recriou soberbamente a Xilunguine (a
cidade) dos seus antepassados. No estrangeiro morreram
Fonseca Amaral e Rui Nogar, no exterior convivem Noémia
de Sousa, José Viegas e Luís Carlos Patraquim. Todos
indissociavelmente ligados aos seus compatriotas da
tribo, os que se mantêm no território pátrio,
Craveirinha, Marcelino dos Santos, Luís Bernardo Honwana,
Heliodoro Baptista, Mia Couto, Ungulani, Nelson Saúte e
muitos outros mais jovens. Quase todos, embora de épocas
e carizes diferentes, recusam o tribalismo, recusam
mesmo, e como tal, a sua própria tribo. Generosamente,
optam pela solidariedade nacional. Ascêncio de Freitas,
entre os mais velhos exilados, parece ser um dos que
procuram a tribo por dentro, embora nem por sombras use
tal terminologia (um tabu até hoje).
Trinta anos de Moçambique, um percurso de compromissos,
da revolta anticolonial que o confrontou com a PIDE até
ao engajamento frelimista que desaguou numa reviravolta
que o fez passar-se para as hostes da Renamo, acaba por
ser uma personagem exemplar do afastamento impossível,
por mais quilómetros que o separem de Moçambique. E o
narrador/protagonista de" Na Outra Margem da Guerra" (a
margem em que se manteve quase até ao fim a tribo
mulata) identifica-se com o autor de modo ficcional mas
inequívoco. O que neste longo monólogo é aspecto menor.
A estória é simples: Glória denuncia o marido à PIDE,
não por este ter ideias políticas anticoloniais - que
tem - mas porque receia perdê-lo a favor de Erika, uma
estrangeira; para ele vem a experiência da prisão e a
aproximação a Xicuate, preso político; para ela, a
confusão e talvez o remorso. O resto do livro é "apenas"
História. A História da tribo mulata, das suas
contradições, dos seus fantasmas, como em toda a tribo
que se preza.
Porque Glória não é só Glória. Ela é "os colonos", "os
brancos". Ou seja, a inconsciência, o orgulho, a
arrogância racista, a incapacidade de perceber o rumo da
História. Ela é a face "má" da tribo, ela é o tribalismo
branco/mulato. O marido, esse, é o lado lúcido, mas
marginal, dessa tribo, procurando já a Nação quando se
solidariza com o martirizado Xicuate, o irmão negro, ele
também mais do que um simples Xicuate, ele é o povo
moçambicano, esse ser tão real quanto mítico, sofredor
mas capaz de perdoar e de perceber que o futuro
independente não será necessariamente radioso. O
narrador, idealista, rejeita a sua própria tribo,
pensando talvez que essa catarse é necessária, mas fá-lo
dum modo fatalmente ambíguo, porque, na verdade, o
fascínio por Glória subsiste até ao fim. Glória/tribo
que tenta o suicídio, mas que acaba por ficar na terra
que é a sua e se conformar talvez com ter "esses pretos"
como governantes. Ao passo que ao idealista
branco/mulato, expulso, restam as memórias, os medos, os
rancores, sempre os rancores. Enfim, a solidão. Para
ele, Portugal não é afinal terra de retorno, é só terra
de exílio. Falta-lhe a tribo, enfim.
Um livro amargo, como não podia deixar de ser. Um livro
útil para a História da tribo, como devia ser.»
(José da Silva Moreira, 11Mar2000, in "Expresso")
Recensão (2):
– «Aos 73 anos, o escritor setubalense Ascêncio de
Freitas volta a ver reconhecida a sua contribuição para
a qualidade literária nacional. [...] Actualmente
bolseiro do instituto Português do Livro e das
Bibliotecas através do qual irá escrever um livro sobre
Moçambique, onde viveu durante décadas, o autor sadino
conta lançar no dia 25 de Março, em Setúbal, a sua mais
recente obra sobre aquele país. Trata-se do livro "Na
Outra Margem da Guerra", que se baseia em casos reais
para retratar "os crimes cometidos sob a capa da
guerra". Um trabalho que Ascêncio de Freitas recomenda
"a todos os que não se contentam com a versão oficial,
remoída e mastigada da História".»
(Setúbal na Rede, 13Mar2000,
in
http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=5353)
|