título: "Serviço Postal Militar - Na
Guerra do Ultramar (1961-1974)"
autor: J. Aparício (TCor Inf ref)
editor: Jornal do Exército (nº 663)
1ªed. Lisboa, Dez2016
págs 38-41 (ilustrado)

Historicamente, foi durante a I
Grande Guerra, que há notícia da
primeira experiência postal militar
organizada para apoio aos militares
portugueses então deslocados para a
Flandres. É conhecido o regulamento
"Instruções para o Serviço
Postal-CEP" então elaborado, bem
como a organização do Serviço e as
regras e os procedimentos postais
específicos.
Mas foi a experiência vivida no
Exército Português no final da
década de 50, que, por várias
razões, teve uma influência
importante na posterior
implementação e desenvolvimento do
Serviço Postal Militar moderno.
Depois da criação da 3a Divisão
(divisão Nun'Álvares), a realização
das grandes manobras anuais em Sta
Margarida envolvia cerca de 15.000
militares durante várias semanas. O
correio endereçado para os militares
em exercícios era então encaminhado
para a pequena estação dos Correios,
Telégrafos e Telefones (CTT) de Sta
Margarida, que tinha as maiores
dificuldades em fazê-lo chegar aos
seus destinatários.
No Quadro Orgânico deste tipo de
divisão americana, de que a divisão
portuguesa era inspirada, constava
uma secção postal, que na divisão
Nun' Álvares só foi tornada
operacional nas manobras realizadas
em 1960. Para a sua organização e
entrada em funções o, então CEME,
General Câmara Pina, solicitou aos
CTT a nomeação de um seu elemento
qualificado. A Administração dos CTT
designou o então Chefe dos Serviços
de Exploração dos CTT de Elvas,
Ernesto Lourenço Dias Tapadas, que
uma vez apresentado no Exército foi
graduado em capitão, assumindo de
imediato a organização e
funcionamento da Secção. A atuação
da nova secção postal da divisão nas
manobras de 1960 foi um êxito, ao
tempo reconhecido por todos os que
nelas participaram. Terminadas as
manobras, Ernesto Tapadas regressou
à sua anterior situação nos CTT.
No início de 1961 ocorreram os
graves incidentes no norte de
Angola; nos meses de abril e maio
seguintes, chegaram a Luanda várias
unidades militares, de nível
batalhão e companhias, a maior parte
logo encaminhada para o norte e
empenhada na reocupação das áreas
afetadas. Nessa altura em Angola, os
CTT ultramarinos tinham estações de
correios apenas nas grandes cidades
ou em povoações importantes. Dada a
dificuldade em enviar o correio para
as tropas já em operações no norte,
começaram a acumular-se em Luanda
grandes quantidades de correio.
Em 23 de junho de 1961, o CEME,
ainda o General Câmara Pina, desta
vez requisitou nominalmente aos CTT
o Chefe de Serviços Ernesto Tapadas,
que de novo graduou em capitão e
encarregou de organizar e pôr em
funcionamento um Serviço Postal
Militar nacional. Nasceu assim o SPM,
que durante todo o longo período que
existiu, desenvolveu um trabalho
notabilíssimo.
Como acontecera em 1917 em França
com a organização do Serviço Postal
do CEP, o recrutamento para o SPM
baseou-se, principalmente, em
elementos dos CTT e CTT ultramarinos
que foram sendo requisitados à
medida das necessidades que foram
surgindo. Eram graduados em Oficiais
e Sargentos conforme a posição de
cada um na hierarquia dos CTT
metropolitano e ultramarinos.
A primeira situação crítica a
resolver foi separar e distribuir o
enorme volume de correio acumulado
em Luanda durante os primeiros três
meses da guerra em Angola.
Inicialmente, foi necessário
estabelecer os códigos de endereços
das várias unidades dos três ramos
das Forças Armadas Portuguesas, os
IP (Indicativos Postais) como eram
designados. A seguir ao indicativo
do serviço, SPM, figuravam quatro
dígitos, dos quais o último indicava
a PU do destino, correspondendo o
"i" ao então Estado da Índia, o "2"
a São Tomé, o "3" a Macau, o "4" a
Moçambique, o "5" a Timor, o "6" a
Angola, o "7" a Cabo Verde, o "8" à
Guiné, e o "9" à Metrópole.
Os três dígitos iniciais do IP
indicavam o número da unidade ou
subunidade militar do destino; cedo,
porém, o número indicativo de cada
unidade passou a ser da ordem do
milhar, pelo que os três dígitos
iniciais de cada código passaram
então a ser determinados, pelo EME
para as unidades mobilizadas no
continente e pelos diversos Comandos
Militares Ultramarinos para as
unidades constituídas nos
territórios à sua responsabilidade.

Os navios da Armada tinham como
último dígito do seu IP o
correspondente à PU onde se
encontravam atribuídos. Mas dada a
mobilidade a que alguns desses
navios eram obrigados, entre PU por
razões operacionais ou para
"fabricos" em doca, em Hong-Kong ou
na Austrália para o NRP estacionado
em Macau e Timor, ou na África do
Sul para os navios estacionados em
Angola e Moçambique, algumas
dificuldades surgiram com o correio
enviado para esses navios em
deslocação. Esta situação só foi
ultrapassada após a queda do Estado
da India, quando então o último
dígito "1", seu indicativo inicial,
passou a indicar o IP de navio da
Armada.
Entretanto, depois de muitas e
complicadas reuniões, tuteladas pelo
então Secretariado Geral da Defesa
Nacional, com a Administração dos
CTT e com cada uma das diferentes
Administrações dos CTTU, em agosto
de 1961 foi finalmente aprovado o
"aerograma". Este deveria ter o peso
máximo de 3 gramas, dobrável em 2 ou
4 partes, mas de forma que as suas
dimensões não podiam exceder os
limites máximos de 15=05 mm, e
mínimos de 100x70 mm. O "aerograma"
estava isento de qualquer despesa de
porte e de sobretaxa aérea. O
endereço militar do destinatário
deveria conter, apenas, o nome e a
graduação do militar e o SPM da sua
unidade.
Nesses tempos, as autoridades
alfandegárias metropolitanas e
ultramarinas e as autoridades de
segurança (PIDE/DGS), na metrópole e
nas diferentes PU, tinham autoridade
e competências exclusivas. As
primeiras, para verificar e cobrar
direitos alfandegários sobre o
contido nas encomendas em movimento
de um lado para o outro. As
segundas, em estações dos CTT, em
Lisboa e nas PU, arbitrariamente
"bisbilhotavam", ou retinham,
correspondência. Submeter o correio
militar a estes procedimentos teria
trazido com certeza grandes atrasos
na chegada do correio ao seu
destinatário.
Na Metrópole e nas PU, todas essas
autoridades eram muito ciosas dessas
suas prerrogativas. Daí, a grande
resistência encontrada para libertar
de todos esses controlos a
correspondência para os militares, o
que no final foi plenamente
conseguido. Numa perspetiva pessoal,
tal só foi possível por as decisões
terem sido obtidas logo no início da
Guerra do Ultramar, quando ainda
havia o sentimento e a preocupação
de assegurar todo o apoio aos
militares expedicionários. Ernesto
Tapada conhecia em pormenor a
mecânica interna dos CTT, e também
os controlos que entidades
exteriores exerciam sobre o correio.
Daí a importância da sua ação e a
preocupação permanente para que todo
o correio chegasse aos seus
destinatários no mais curto espaço
de tempo. O que conseguiu
brilhantemente, sem que houvesse
qualquer intervenção de terceiros no
processo postal do correio para os
militares. Ao contrário do que antes
ocorrera com o CEP na Flandres, onde
houve "Censura Militar", na Guerra
do Ultramar o correio militar não
esteve sujeito a qualquer tipo de
controlo por terceiros. Nos quartéis
em África lia-se tudo e estava-se a
par do que se ia passando pelo
mundo, o que não acontecia em
qualquer outro local da Metrópole ou
das PU.

Em 21 de julho de 1961, menos de um
mês depois da criação do Serviço,
entrou em funcionamento a Estação
Postal Militar de Luanda (EPM6),
guarnecida principalmente por
elementos dos CTT de Angola. A
enorme acumulação de correio para
militares, que se encontrava no
Quartel General da Região Militar de
Angola, muito rapidamente chegou aos
seus destinos.
O SPM foi-se, entretanto,
organizando à medida das
necessidades operacionais crescentes
e também pela previsão da evolução
da situação nas outras PU. Assim,
quando se iniciaram as hostilidades
na Guiné e em Moçambique, o SPM já
ali se encontrava devidamente
organizado e operacional.
A organização geral do SPM
baseava-se numa Chefia em Lisboa
(inicialmente instalada na Graça,
depois, até ao fim, no Forte Bom
Sucesso), em várias Estações Postais
Militares (EPM) nas cidades mais
importantes da Metrópole e do
Ultramar e em Postos Militares de
Correio (PMC) nos locais onde, na
proximidade, se encontrasse um
elevado número de militares. No fim
da linha organizacional,
encontravam-se os Encarregados da
Delegação Postal Militar da Unidade
(EDPU), normalmente os primeiros
cabos escriturários das diferentes
subunidades que para o efeito
recebiam a formação adequada.
Globalmente, existiam na Metrópole e
Ilhas Adjacentes nove EPM, em Angola
seis EPM e treze PMC, na Guiné uma
EPM e três PMC, em Moçambique sete
EPM e sete PMC. Em cada PU havia uma
EPM principal identificada pelo
último dígito referente ao
território onde se encontrava e as
EPM secundárias que fossem
consideradas necessárias; neste
caso, a sua identificação consistia
em dois dígitos, sendo o primeiro o
identificador da estação e o segundo
o da EPM principal de quem dependia.
Nos aeroportos prin-cipais de cada
território existiam EPM secundárias
(em Lisboa no Aeroporto do Figo
Maduro funcionava uma das mais
importantes do sistema, a EPM 19).
Todas foram naturalmente muito
relevantes em todo o sistema
instalado, já que, por isso, todo o
correio aéreo para militares não
entrava no circuito normal dos CTT.
O transporte do correio de e para as
PU, foi de início assegurado
principalmente pela TAP e depois
pelos Transportes Aéreos Militares
da FAP quando foram adquiridos meios
de transporte pesados, os DC6 e
depois os Boeings 707. Das EPM de
cada PU, o correio era distribuído
por todos os meios disponíveis,
aviões da FAP, táxi-aéreos, aviões
de aeroclubes e de organizações de
voluntários, navios e lanchas da
Marinha, via ferroviária, e
naturalmente rodoviária. Os prazos
entre a expedição e a receção foram
mínimos, não excedendo em média uma
semana.
Todas as EPM e PMC tratavam e
desembaraçavam todo o tipo de
correio, oficial e normal, registos,
encomendas e até valores declarados
para o envio de dinheiro. Quando da
permanência dos maiores efetivos em
África, a média diária transportada
era de cerca dez toneladas de
correio e encomendas. O volume total
de correio transportado foi de cerca
de 21 mil toneladas. Além dos
milhões de aerogramas e de cartas,
transitaram pelo SPM ainda 2.500.000
de contos em valores declarados e
cerca de 70 mil contos em vales do
correio. Foram realmente notáveis o
trabalho desenvolvido e a segurança
garantida.
O SPM foi um serviço totalmente
constituído por milicianos,
graduados em oficiais (cerca de 200)
e sargentos (cerca de 500). Face a
dificuldades crescentes no
recrutamento nos CTT, a partir de
1966 o recrutamento passou a
fazer-se entre os oficiais e
sargentos milicianos do recrutamento
geral, a quem era dado um curso
específico no Centro de Instrução do
SPM no Forte do Bom Sucesso, em
Lisboa.
O SPM foi extinto em 10 de julho de
1981, cessando toda a atividade em
31 de dezembro desse ano. Com a
discrição e simplicidade com que
iniciaram a sua Missão, assim a
terminaram, sem o reconhecimento
nacional que tanto mereceram. Mas
todos, os milhares de militares
portugueses que de 1961 a 1975
serviram no Império, bem como os
seus familiares onde quer que se
encontrassem, não esquecem, e sentem
uma enorme gratidão pelo imenso
trabalho desenvolvido por Ernesto
Tapadas e por todos os que
integraram o SPM durante toda a sua
existência.