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Elementos cedidos por Abreu dos Santos

 

António Pires Nunes

 

António Lopes Pires Nunes, tenente-coronel de artilharia, na situação de reforma, nasceu em Castelo Branco em 1939.

 

Cumpriu quatro comissões militares em África, três das quais em Angola.

 

Licenciado em História com pré-especialização em Arqueologia Clássica, pela Universidade de Coimbra, colaborou com a Universidade Técnica de Lisboa e a Universidade Lusíada em cursos de pós-graduação e mestrados.

 

Foi professor do Instituto de Altos Estudos Militares e da Universidade Lusófona. Sócio Fundador da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, Sócio Efectivo da Revista Militar, Membro do Plenário e da Comissão Científica da Comissão Portuguesa de História Militar e Membro da Associação dos Arqueólogos Portugueses nas Secções de História e Pré-História.

 

Autor de várias obras com destaque para:

 

«O Castelo Estratégico Português e a Estratégia do Castelo em Portugal» (Medalha de Prata da Associação Espanhola dos Amigos dos Castelos), «Dicionário de Termos de Arquitectura Militar» (Prémio “Ministro da Defesa” – 1990), «D. João e D. Nuno, Chefes Militares em Fernão Lopes» (Prémio VI Centenário da Batalha de Aljubarrota), «A Guerra em Angola – 1.ª Parte, 1961-64» (Prémio “Ministro da Defesa” – 1999), «Angola, 1966-74, Uma Vitória no Leste», uma biografia de Mouzinho de Albuquerque, publicada pela editora Prefácio e «A Guerra em Angola – 2.ª Parte (1964-74)»

Colaborador da Nova História Militar, ed. Do Círculo de Leitores.

É coordenador científico de «Cadernos de Património Cultural da Beira-Baixa», onde tem vários trabalhos publicados, o último dos quais «Os Castelos Templários da Beira-Baixa».

 

O livro:

 

«Angola - Vitória Militar no Leste»

 

 

título: «Angola - Vitória Militar no Leste»

autor: António Pires Nunes

 

editor:Prefácio
Detalhes físicos: 104 p. ; 30 cm

preço: 25 €

ISBN: 9728563787

 

«O livro tem 103 páginas formato 20x27cm. Limitámo-nos a transcrever alguns extractos das partes mas significativas ao objectivo deste site sobre a descolonização de Angola. Este livro foi a única fonte completa sobre a Vitória Militar do Leste de Angola que encontrámos e que nos permitia conseguir o nosso objectivo. Como o livro tem direitos de autor (copyrigth) e não se tratando de fins comerciais, com os nossos veementes agradecimentos apelamos para a complacência da editora e do autor em nosso nome e das gentes de Angola que não poderão ter acesso ao referido livro».

 

Fonte: http://petrinus.com.sapo.pt/leste.htm

 

Contexto Estratégico

 

O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA

 

No dia 15 de Março de 1961, Angola acordou sobressaltada com notícias preocupantes sobre algo de muito grave que ocorria nos distritos de Uíge, Zaire e Cuanza Norte. Os portugueses tomaram, então, conhecimento da existência da UPA (União dos Povos de Angola), movimento independentista que, acoitado no Congo ex-belga e com o apoio de algumas organizações internacionais, cometia naquela região um generalizado massacre. Hordas enlouquecidas, armadas com catanas, assassinavam selvaticamente pessoas de todas as raças, credos e idades, destruíam as estruturas económicas e viárias e incendiavam as fazendas e as povoações daquela tão vasta e rica região, fazendo do Norte de Angola um verdadeiro inferno. Desolação, casas fumegantes, estradas cortadas e cadáveres por todo o lado, era só o que a observação aérea podia detectar. As populações aterrorizadas refugiaram-se nas matas, fugiram para os países vizinhos ou acolheram-se a alguns núcleos de resistência, como Carmona, Negage, Mucaba ou Quimbele, aguardando a chegada de socorros. Por seu lado, as autoridades militares reagiram às atrocidades com as poucas forças armadas disponíveis, que unidades metropolitanas reforçaram, e sustiveram o ímpeto da UPA.

 

 

Cabeças de bailundos decepadas pela UPA (Foto Horácio Caio)

 

A data iria marcar o início de uma longa guerra subversiva que Portugal viveu em Angola, entre 1961 e 1974, que se foi agudizando com a transformação da UPA em FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o aparecimento, do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e, mais tarde, da UNITA (União Nacional Para a Independência Total de Angola). As catanas, que eram instrumentos de trabalho, foram substituídas por armas automáticas, minas e morteiros e as hordas deram lugar a grupos de guerrilha instruídos que enfrentavam, agora, não populações indefesas mas as FAP (Forças Armadas Portuguesas).

 

As ideias independentistas que norteavam estes movimentos colhiam crescente apoio internacional e Portugal, como não aceitou discutir a independência deste seu território de Além-Mar, que considerava ser uma sua província ultramarina, foi ficando isolado, nomeadamente em relação a países que tradicionalmente eram seus amigos e aliados. O conflito armado assumiu características peculiares por serem três os movimentos em luta e, sobretudo, por nunca se terem aliado. Por este facto, as forças portuguesas combateram em Angola sempre contra três inimigos diferentes, que aliás se guerreavam entre si, e que tinham interesses e estratégias diferentes. Sucedeu mesmo que, no Leste, a partir de 1966, defrontaram simultaneamente os três, colocando-os em dificuldades, e nem mesmo este facto alterou as relações entre eles. Esta falta de unidade explica-se, em grande parte, pela circunstância de se viver, então, a chamada Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois grandes blocos ideológicos, liderados pela URSS e os EUA, que se afrontavam e disputavam a primazia em África. As organizações e os seus dirigentes participavam indirectamente neste afrontamento ao qual não podiam furtar-se sem colocarem em causa os apoios que obtinham de um ou do outro lado. Também os países vizinhos estavam alinhados e só concediam apoios aos movimentos com quem tinham afinidades ideológicas.

 

A UPA iniciara a guerrilha no Norte, mas fê-lo precipitadamente e sem reunir as condições ideais. Devido à crise que então se vivia na República Democrática do Congo (RDC), depois República do Zaire, que obtivera a independência havia pouco tempo, esta precipitação foi um risco que poderia ter sido pago caro. Mas ganhou a corrida ao MPLA e, sendo-lhe favorável a evolução política congolesa, foi-se organizando neste país e aí se manteve até 1974, sempre com o apoio do governo pró-ocidental do general Mobutu.

 

Holden Roberto

 

Por sua vez, o MPLA, professando uma ideologia comunista, só pôde instalar-se na República Popular de Congo (RPC) de onde apenas podia levar a guerrilha a Cabinda. Confrontado com a falta de adesão dos povos cabindas, transferiu-se, em 1966, para a Zâmbia e fixou-se na fronteira do Moxico para entrar em Angola, pelo Leste. No Moxico, o MPLA encontrou a UNITA que se adiantara e desenvolvia ali um profundo trabalho de subversão das populações e actuava já com grupos de guerrilha. Ao contrário do que sucedia no Norte, o MPLA movimentava-se, agora, à vontade e reforçava as suas estruturas, enquanto a FNLA, nesta área, como tinha os seus apoios no Zaire, ficou muito limitada. Parecia claro que, sem se unirem, propósito que o MPLA tentou e a FNLA sempre recusou, se tornava difícil a qualquer dos movimentos, por si só, executar uma estratégia global.

 

Em 1966, os movimentos haviam já consolidado as duas áreas de guerrilha, que denominavam de "frentes", às quais as forças militares opunham Zonas de Intervenção. Logo em 1961, havia sido criada a Zona de Intervenção Norte (ZIN), nos distritos de Cabinda, Zaire, Uige, Luanda, Cuanza Norte e Malange e, prevendo-se o que veio a suceder, a Zona de Intervenção Leste (ZIL), abrangendo os da Lunda e do Moxico.

 

Apesar das forças portuguesas terem que se repartir, foi-Ihes possível concentrar no Leste meios importantes que, todavia, não foram suficientes para evitar a expansão da subversão.

 

A opinião pública portuguesa, na segunda metade da década de 60, foi-se mentalizando para as dificuldades crescentes na Guiné e até para um eventual desaire militar neste território mas, em relação a Angola, enraizou a ideia de que a situação militar era muito favorável - e era-o, de facto, até 1966. A generalidade dos portugueses e mesmo uma grande maioria dos militares só tarde se foi apercebendo do perigo que representava o MPLA instalado na Zâmbia com a exclusividade das ajudas deste país. E apenas despertou para a realidade quando começaram a chegar notícias, cada vez mais preocupantes, das baixas em combate no Leste e do aparecimento dos grupos guerrilheiros, cada vez mais no interior de Angola.

 

 

Agostinho Neto

 

Fortemente instalada na Zâmbia, tendo o apoio directo de uma população que transferiu, com o apoio da OUA, da região de Brazzaville (Cf. Iko Carreira, em "O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto") e com bases perto da fronteira, onde o armamento chegava em grande quantidade, a ameaça era real. Se o MPLA continuasse no mesmo ritmo, a situação militar em Angola tornar-se-ia muito problemática com enorme impacto em Portugal Continental e com reflexos incalculáveis nas lutas que as FAP travavam na Guiné e em Moçambique.

 

Em 1970, os comandos militares responderam ao MPLA com igual conversão estratégica e, nos primeiros anos da década de 70, acrescentaram uma nova fase à luta que se travava no Leste, que ficou assim definida:

 

Jonas Savimbi

 

- De 1966 a 1970, o MPLA expandiu-se profundamente no território do Leste e a UNITA afirmou-se como um movimento muito aguerrido com capacidade para o acompanhar, em profundidade, ainda que limitadamente. Criou-se, então, uma situação militar muito difícil porquanto o MPLA chegou a atravessar o rio Cuanza para oeste, ameaçando o distrito do Bié. No entanto, as FAP, sem grandes alterações estratégicas e apenas com o balanceamento de meios conseguiram suster o avanço da guerrilha.

 

- Em 1970, o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola tomou grandes decisões estratégicas e transferiu o esforço principal do Norte para o Leste.

 

- De 1971 a 1974, as FAP iniciaram uma verdadeira contra-ofensiva, em termos de guerra subversiva, e foram capazes, numa posição claramente vencedora, de remeter os três movimentos para além fronteiras, completamente desorganizados, obrigando-os a ter que reformular a sua estratégia. (...)

 

A MANOBRA DE CONTRA-SUBVERSÃO

 

O comandante da ZML presidia ainda e orientava um CECS (Conselho Especial de Contra Subversão), na directa dependência do Conselho Provincial de Contra-Subversão. Nele se apreciava e deliberava sobre os procedimentos gerais e prioridades a adoptar no conjunto dos quatro distritos e em cada um deles, por forma a assegurar-se a indispensável coordenação no âmbito da Informação, Contra-Subversão e Segurança.

 

De harmonia com a doutrina, o general decidiu que a manobra de contra-subversão implicaria uma sistematização e um esforço muito grande e simultâneo nas acções de obtenção de informações e de contra-informação, nas manobras de acção psicológica, sobre a população, sobre o terreno e, obviamente, na manobra militar. Cada uma destas actividades e manobras-chave foram objecto de uma atenção especial com programas de acção bem definidos, faseados e controlados o que tornou sustentada e integrada cada uma dessas manobras tomadas isoladamente. (...)

 

A CONQUISTA DA ADESÃO DAS POPULAÇÕES

 

Na directiva de Contra-subversão do comandante da ZML referia-se que a manobra sobre a população, incluída nas suas competências, assentaria em dois pontos: o seu ajustamento à manobra militar e a satisfação das necessidades primárias da população, recorrendo a processos elementares que tivessem impacto directo e imediato. Definiram-se prioridades do ponto de vista geográfico, para cumprimento do primeiro ponto e, para as necessidades, o critério recaiu nas várias áreas:

 

alimentação, abastecimento de água, saúde, educação (45% da população da ZML tinha menos de 15 anos e o número de crianças escolarizadas não chegava a 10% das crianças em idade escolar), segurança e ocupação administrativa.

 

 

Assistência médica às populações (foto livro)

 

Estas últimas prioridades tinham em vista: numa primeira fase, a resolução dos problemas primários e imediatos das populações; numa segunda fase, provocar um desenvolvimento sócio-económico que permitisse às populações obterem bens para comercializar, participando progressivamente numa economia de mercado e, numa terceira fase, a integração das áreas seleccionadas em planos de desenvolvimento. Para cada um dos sectores indicados fixaram-se metas a atingir na primeira fase. A manobra sobre a população foi integrada no Plano de Desenvolvimento do Leste, elaborado com os Serviços do Governo Geral e os Governos dos Distritos e nascido numa reunião efectuada em Luanda, em 11 de Julho de 1971, sob a presidência do Ministro do Ultramar, na qual se fixou a orientação do esforço da Administração no Leste.

 

Convivência (foto livro)

 

Em 31 de Dezembro de 1972, era já possível fazer uma avaliação da obra realizada nalguns sectores. O Plano de Desenvolvimento do Leste incluía, na fase inicial, 466 empreendimentos, dos quais 150 estavam completados e 316 em curso.

 

 

Ensino escolar (foto livro)

 

No sector da saúde tinham-se concluído 19 Dispensários de Assistência Rural, faltando terminar 26; na educação, haviam-se concluído 51 postos escolares e 82 aguardavam finalização e, no sector do abastecimento de água estavam prontos 52 postos e 79 em curso.

 

OS ALDEAMENTOS

 

A manobra sobre a população incluiu ainda o seu agrupamento em aldeamentos como forma de melhor concretizar dois dos imperativos da missão atribuída: contribuir para o desenvolvimento social das populações e dissociar a população da guerrilha e da sua influência, evitando que os povos dispersos fossem fonte de recrutamento fácil e coercivo de combatentes.

 

O reordenamento das populações em Angola assumiu diversas formas que mereceram a atenção de jornalistas e escritores militares nacionais e estrangeiros que comparavam o que as autoridades portuguesas faziam com aquilo que conheciam das guerras da Argélia e do Vietnam. E ficavam admirados como, sem grandes recursos, se conseguiu juntar em Angola o conceito de aldeamento estratégico ao de aldeamento sócio-económico para construir o que poderemos denominar de aldeamento misto. Este era o aldeamento característico do Leste, na Zona de Grau 1 construído de raiz por motivos militares mas onde se exercia uma acção de promoção social intensa.

 

Novos aldeamentos construídos (foto livro)

 

Numa área tão extensa era inevitável que se cometessem alguns erros, nomeadamente de carácter cultural. Nalguns casos, juntaram-se populações com hábitos completamente diferentes em aldeamentos de dimensões exageradas, construídas em linhas ou locais estratégicos ou junto a povoações onde a defesa era fácil. Se houve algumas queixas das populações a verdade é que muitos povos, sentindo os benefícios que usufruíam nestes aldeamentos, já não queriam voltar a viver no regime de dispersão antigo. Nas Zonas de Grau 3 e 4 (Bié e Huambo), o aldeamento teve características diferentes: foi concebido exclusivamente com a finalidade de promoção social e, sobretudo, sócio-económica, das populações aldeadas. Eram aldeamentos muito acompanhados pelos serviços civis de reordenamento rural, que os apoiavam dentro da política geral definida para o apoio às populações.

 

Para regular esta actividade foram aprovadas no Conselho Provincial de Contra-Subversão as Normas de Reordenamento Rural das Populações e, para regulamentar a sua auto-defesa, as Normas sobre Milícias e Regedorias a Auto-Defesa das Populações, ambos os documentos de 1972. A extensão dos aldeamentos em áreas pobres e a grande concentração de populações à volta de centros urbanos, nomeadamente do Luso, eram questões pertinentes que foram várias vezes levantadas pelos governadores de distrito nas sessões do Conselho Especial de Contra-Subversão. A desactivação de alguns aldeamentos foi mesmo a grande preocupação do Comando da ZML, quando as ameaças desapareceram. (...)

 

DESENVOLVIMENTO DA REDE VIÁRIA E DE PISTAS DE AVIAÇÃO

 

A acção sobre o terreno incidiu em especial sobre as vias de comunicação e sobre as pistas de aviação. Foi elaborado um documento sobre esta matéria, que exigia a colaboração entre a JAEA, os Governos de Distrito e a Engenharia Militar, que foi apresentado e aprovado no Conselho Provincial de Contra Subversão, para vinculação dos Serviços do Estado. Dele constava a construção da Grande Via do Leste envolvente da ZML, ligando Malange, Andulo, Silva Porto, Chitembo, Serpa Pinto, Cuito Canavale, Mavinga, Neriquinha, Gago Coutinho, Luso, Dala, Henrique Carvalho, Veríssimo Sarmento, e Portugália, numa extensão total de mais de 1.800 km. A par deste itinerário, delinearam-se algumas penetrantes:

 

- A penetrante da Lunda, por Henrique de Carvalho, Muriege, Nova Chaves, Cassai, Teixeira de Sousa, com cerca de 300 km. Esta penetrante juntava-se em Teixeira de Sousa a outras duas grandes vias - o CFB e o rio Cassai; A penetrante do Moxico, por Silva Porto, Cangamba, Gago Coutinho, com cerca de 700 km, que seria completada por dois itinerários que entravam no Saliente do Cazombo; As penetrantes do Cuando-Cubango; A via do Cubango, por Serpa Pinto, Baiundo, Cuangar, Dirico, Mucusso, com cerca de 700 km; A via do Cuito, por Longa, Baixo Longa, e Dirico, com cerca de 420 km;

 

- A via do Guando, por Gago Coutinho, Neriquinha, Rivungo, Luiana, com 260 km.

 

Além destas vias principais que rasgariam toda a ZML com estradas alcatroadas, o Comando da ZML propôs a construção de mais duas estradas com interesse táctico:

 

- Alto Chicaga-Cangumbe, com 120 km;

 

- Umpulo-Mumbué, 140 km.

 

Com esta rede de estradas alcatroadas, num total de cerca de 4.000 km, diminuiria radicalmente o perigo das minas, o desenvolvimento seria muito facilitado e toda a orla anterior da zona de guerrilha seria acompanhada por estradas, com vantagens óbvias para a manobra militar.

 

Poderá avaliar-se melhor o gigantismo desta obra rodoviária se dissermos que os trabalhos iriam ser realizados no canto SW de Angola, no caso de Luiana a l.200 km da costa e l .500 km de Luanda, em áreas de pobres recursos materiais e de fraca ocupação humana.

 

Em 1973, estavam a trabalhar no Leste cinco firmas empreiteiras com a capacidade de construção anual de 700 km de estrada asfaltada e, ao mesmo tempo, a companhia de engenharia militar procedia à abertura e reparação de picadas tácticas com interesse operacional.

 

Abertura de novas estradas militares e civis (foto livro)

 

Esta rede de itinerários, de grande interesse militar e económico, que se previa ser alargada, começou a ser construída mal foram removidos os problemas burocráticos. Nos anos de 1972 e 1973 comentava-se já por toda a Angola a grande transformação por que estava a passar o Leste.

 

Em 19 de Julho de 1972, escrevia-se no diário "Província de Angola": ...Uma pormenorizada visita ao Leste, deu-me a noção do esforço realizado nos últimos tempos (estivera lá há cerca de dois anos) das profundas e bem construídas preocupações das Forças Armadas na grande batalha do desenvolvimento que estão travando (...) Perdoe-se-me esta divagação rodoviária mas, quando se pensa que se despendem cerda de 40 contos por cada 10 toneladas de carga transportada de Serpa Pinto para Rivungo passando por Neriquinha (600 km), exigindo um tempo de percurso de ida e volta de 25 a 45 dias, não se pode deixar de ser sensível à oportunidade da construção de estradas..." O emprego das companhias militares de engenharia era objecto de um plano anual e o mesmo sucedia com as obras de melhoramento e de construção de pistas novas para aviação, ira ainda intenção do Comando da Zona Militar Leste dispor de uma rede de pistas para todo o tipo de aviões usualmente utilizados em Angola, desde o DO 27, de observação ao Boeing 707 de grande capacidade de carga. Entendia que todas as sedes de batalhão deveriam poder ser servidas por aviões Nord-Atlas e PV 2 e todas as localidades que fossem sede de unidades militares dispor de uma pista para iões tipo DO 27 ou bimotor ligeiro. (...)

 

OS FIEIS E OS LEAIS

 

Os fiéis eram os antigos GENDARMES do Zaire oriundos da província do Catanga que se haviam revoltado e conduzido uma guerra civil, pouco tempo depois da independência da antiga colónia belga. Tendo sido derrotados acolheram-se a Angola com as suas famílias entrando por Teixeira de Sousa. O seu órgão político-militar, com alguns combatentes e famílias, estava instalado na Chimbila, na Lunda, junto à estrada de Buçaco a Dala e as restantes forças e famílias dividiam-se por outros dois campos: o de Camissombo, junto a Veríssimo Sarmento e o da Gafaria, no Cazombo. Estavam armados com espingardas automáticas e morteiros ligeiros e faziam algumas operações independentes para manter pressão sobre a guerrilha mas actuavam, sobretudo, em escoltas e trabalhos em itinerários. Foram organizados em companhias e pelotões e tinham um regulamento de disciplina próprio. Viviam com as suas famílias de forma quase primária, recusando a integração, sempre na esperança de um regresso às suas terras de origem.

 

Comando do exército português (foto livro)

Os Leais, com o efectivo aproximado de uma companhia, eram refugiados da Zâmbia em conflito com as autoridades do seu país. Estavam estacionados em Calunda onde oficialmente constituíam o Grupo Especial 600, actuando em reforço de batalhão estacionado no Ca2ombo e na zona de acção deste. (...)

 

OS FLECHAS

 

Os flechas constituíam um corpo de tropas auxiliares, fundado pela PIDE, composto por bosquimanes, destinado a actuar no Cuando-Cubango no âmbito da informação e como pisteiros mas depressa as suas características fizeram deles temíveis combatentes. Mais tarde, integraram elementos de outras etnias e espalharam-se um pouco por todo o Leste e mesmo pelo Norte, actuando sempre com grande eficiência. Começaram a ser treinados num campo de trabalhos em Missombo, no Guando Cubango, e, posteriormente, na região de Gago Coutinho. Eram tropas de intervenção temíveis, muito conhecedores do terreno e óptimos pisteiros.

 

Um Flexa no Leste (foto livro)

 

Combateram em pequenos grupos ao lado dos comandos que tinham por eles um grande apreço e que, com frequência, os solicitavam. Comandados operacionalmente com arrojo e sentido do dever pelo inspector da DGS, Oscar Cardoso, figura impressiva da luta no Leste, fizeram grandes capturas de material. (...)

 

OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS EM 1972 - 1973

 

O ano de 1972 foi devastador para a FNLA e o MPLA. Além das derrotas militares, ambos os movimentos viveram gravíssimas dissensões internas. A FNLA viu-se a braços com uma grave amotinação dos elementos do ELNA na base de Kinkuso, que obrigou as tropas do Zaire a intervir, e o MPLA foi confrontado com a Revolta do Leste encabeçada por Daniel Chipenda, em oposição a Agostinho Neto. Estes factos, que tiveram grande ressonância regional e um forte impacto na OUA, traziam em si o gérmen da dissolução e da derrota dos dois movimentos e foram em grande parte uma consequência da poderosa ofensiva portuguesa.

 

Perante a desorganização geral dos dois movimentos, a OUA, com a interferência de Mobutu, ainda os juntou e fez assinar a Acordo de Kinshasa de 13 de Dezembro de 1972. Mas como coligar dois movimentos que não o quiseram fazer durante onze anos, numa altura em que os dois partidos, derrotados no terreno, se desfaziam?

 

Contudo, a coligação preocupava os comandos militares portugueses uma vez que os dois partidos, com as forças remanescentes, seriam capazes de eleger um objectivo comum e investir nele com uma força poderosa. O acordo, porém, não teve consequências práticas, devido às fortes contradições. Criara-se o CSLA (Conselho Superior de Libertação de Angola) com o CMU (Comando Militar Unificado) e o CPA (Conselho Político Angolano), o que parecia uma solução acertada. Mas, quando se atribuiu o órgão militar ao MPLA, e o órgão político à FNLA sabendo-se que o MPLA tinha maior projecção internacional e a OUA tinha retirado o apoio ao GRAE e o concedera ao MPLA, toda a estrutura ficava sob a hegemonia deste movimento. Mobutu ainda tentou compensar esta discrepância não permitindo ao MPLA circular no território do Zaire mas o acordo nunca teve qualquer consequência militar em Angola.

 

A fraqueza dos movimentos independentistas no Leste está patente no cada vez mais reduzido número de acções que efectuaram no decorrer do ano de 1972 sobre as tropas portuguesas e as populações. O número de baixas que provocavam foi-se também reduzindo, tornando-se insignificante a partir do mês de Setembro.

 

A FNLA entrou em crise total e retirou o seu batalhão infiltrado, enquanto o MPLA, após o colapso dos seus esquadrões, ia recolhendo às suas bases na Zâmbia.

 

A situação para os movimentos não melhorou no ano de 1973. As notícias referiam que o MPLA se encontrava em fase de reestruturação. Politicamente tinha criado o CNMR (Conselho Nacional do Movimento de Reajustamento) e a CPMR (Comissão Provisória do Movimento de Reajustamento), órgãos destinados à Frente Leste, por motivo da dissidência atribuída a Chipenda. No campo militar, pensava reorganizar os efectivos dos seus esquadrões desbaratados em cinco colunas, cada uma delas constituída por um comando e 5 esquadrões, apoiadas em CO (Centros Operacionais) com sede nas bases principais da Zâmbia.

 

De acordo com este conceito de manobra, completamente desarticulada do falido Acordo de Kinshasa, estas colunas teriam por missão atacar e destruir objectivos na faixa fronteiriça e criar condições para a progressão para o interior. Enviados a Angola alguns responsáveis dessas colunas para reuniram os efectivos e dar as directivas necessárias, acabaram por voltar à Zâmbia para locais inacessíveis ou passaram a viver em regime de nomadização.

 

Com a mudança do Comando da ZML, em meados de 1973, a actividade operacional não abrandou e continuou a dificultar a vida aos grupos que, por vezes, penetravam em Angola para acções curtas e muito violentas próximo da fronteira. Em Novembro de 1973 ainda montaram uma emboscada no itinerário Luvuei-Lutembo, causando 5 mortos e 32 feridos militares, dos quais 15 graves, mas eram já, não obstante o seu elevado potencial de fogo, acções ocasionais de fronteira, mas muito traiçoeiras, porque surpreendiam as tropas portuguesas confiantes e descontraídas. A UNITA, procurando tirar partido da quase ausência do MPLA e da.FNLA e prevendo que a sua situação teria de ser esclarecida, tentou sem êxito, em Outubro de 1973, ser reconhecida oficialmente pela ONU, no decurso da 22a sessão do Comité de Libertação, em Mogadíscio.

 

DEPOIMENTOS

 

Várias personalidades conhecedoras da situação militar na Zona Leste, nos anos 1973 e 1974 pronunciaram-se de uma forma bem elucidativa sobre a vitória militar.

 

"...Quando em princípio de 1971 chegámos ao Luso, o MPLA teve o desplante de fazer passar um grupo guerrilheiro pelos arredores da cidade, como que a avisar que, a partir das últimas casas, só nos podíamos mover com forte escolta. Por seu lado, na mesma altura a UNITA executava uma sabotagem sobre o CFB, também marcando território. Menos de dois anos depois, em Outubro de 1972, até os civis iam do Luso a Gago Coutinho (mais de 300 km) sem recorrer às escoltas militares, faziam-se "piqueniques" nas margens do Luena e o caminho de ferro funcionava regularmente e com segurança. Elementos da própria administração de CFB vieram de comboio ao Luso e regressaram nele quando da inauguração da nova estação..."Nuno Ramires de Oliveira, general; Notas Sobre a Zona Militar Leste).

 

"...A norte, após a acção do Siroco-1972, apenas ficaram dois guerrilheiros, na área do rio Luena. Chamávamos-lhes "os japoneses" por analogia com os combatentes que ficaram nas ilhas do Pacífico depois do fim da guerra" (Marques, Oliveira, coronel comando; Destroçar o MPLA, A Guerra de África (1961-74), Coord José Freire Antunes).

 

"...No 1° semestre de 1973 e na ZML, não parecia de prever que o In (FNLA e MPLA) estivesse em condições de fazer mais do que: reforçar e reocupar rotas e áreas necessárias para voltar a montar um dispositivo que lhe criasse condições para expansão e implantar engenhos explosivos e atacar aquartelamentos nas proximidades da fronteira" (Rodrigues, José Manuel Bettencourt, general; conferência no IAEM, em Julho de 1973).

 

"...Quando chegámos ao ano de 1973, princípio de 1974, a UNITA estava absolutamente sozinha no terreno face ao exército Português. Não havia quase ninguém do MPLA no interior..." (Savimbi, Jonas Malheiro, depoimento em "Guerra de África (1961-74) José Freire Antunes).

 

"...Agora que a FNLA e o MPLA estão repelidos desde a região do Luso e Cuvelai até à fronteira, em especial nas regiões fronteiriças a Teixeira de Sousa e Mussuma, ficaram como problemas maiores de toda a ZML o problema da UNITA e o da concentração da população na região do Luso." (Hipólito, Abel Barroso, general; Actas da Sessão de 30 de Abril de 1974, do Conselho CECS).

 

"...No princípio de 1974, uma boa parte da nossa actividade militar era constituída por nomadizações pois as acções da iniciativa da guerrilha tinham praticamente sido suspensas. (...) No mês de Abril de 1974, em todo o Sector Sudeste (Cuando-Cubango) não houve qualquer contacto entre as nossas forças e os grupos de guerrilheiros quer da UNITA quer do MPLA, isto apesar da manutenção do nosso esforço operacional em elevado ritmo" (Felgas, Hélio, brigadeiro, Jornal do Exército, N°406, Out. 1993).

 

Temos reflectido sobre a razão de uma vitória militar tão contundente e auscultado a opinião de militares conhecedores do trabalho militar desenvolvido na ZML. Para uns foi a valia do chefe e da equipa de Estado Maior de que se soube rodear; para outros, foram os meios atribuídos e há ainda quem afirme que o terreno era propício a uma vitória a prazo. Mas ao longo de 13 anos de guerra houve generais com equipas brilhantes que dispuseram de meios poderosos por tempo prolongado e não alcançaram vitórias tão claras e definitivas.

 

Um Heli português largando combatentes (foto livro)

 

Todos os factores que apontámos como sendo os alicerces da vitória e a actividade operacional contribuíram para o desfecho final mas julgamos que a verdadeira causa assentará na visão perfeita que o general-comandante tinha da natureza da guerra subversiva na sua ZML. E na forma sistemática e integrada como aplicou a doutrina da contra-subversão, em ordem a potenciar todos os meios que lhe foram atribuídos sobre o inimigo concreto que se lhe opunha. Curiosamente, foi um chefe inimigo que teve a percepção mais exacta da forma como o MPLA foi posto em dificuldades (Ver Epílogo com excerto do discurso de Daniel Chipenda). Quanto a nós, a causa última da vitória reside na simples expressão "unidade de comando", tão enaltecida como princípio da guerra mas raramente aplicada da forma profunda como a fizeram o general Costa Gomes e, sobretudo, o general Bettencourt Rodrigues, no Leste.

 

RESULTADOS

 

Os números referentes às armas apreendidas no Leste e no Norte permitem fazer uma análise comparativa, sendo elucidativos do esforço operacional e do êxito conseguido no Leste.

 

De 1968 a 1973, as tropas portuguesas capturaram no Leste, respectivamente 101, 176, 417, 520, 1031 e 769 armas de todos os tipos, enquanto no Norte os valores correspondentes foram 49, 87, 113, 153, 219 e 280. O armamento capturado foi dos seguintes tipos: pistolas Tokarev, Ceska e Walter; carabinas e espingardas de repetição Mosin Nagant, pistolas metralhadoras M-25, M-23 e PPSH, de 9mm; espingardas semi-automáticas Simonov e M-52; espingarda automática Kalashnikov (AK) 7,62; metralhadoras ligeiras 7,62, M52 e M52/57, Deghtyarev e ZB 37; metralhadoras pesadas 12,7 Deghtyarev e 7,92, ZB-37 e Guryanov (SG), 7,62; morteiro 82; lança granadas foguete P27 (Pancerova); minas anti-carro TM/46; granadas de mão R6-42, tipo F-l e granadas de mão ofensivas RG4.

 

O esforço operacional português conduziu os movimentos independentistas a uma fraqueza total bem patente no escassíssimo número de acções com expressão militar que levaram a efeito em Angola em Fevereiro de 1974: Se considerarmos estes valores constatamos que, em Angola, numa área total de 1.246.700 Km2 e uma população de cerca de 5.600.000 combatendo três movimentos armados que chegaram a dispor de vários milhares de armas, no interior, com uma fronteira terrestre com países apoiantes da guerrilha de 3.500 Km, uma fronteira marítima de l.706 Km, actuando em duas frentes distintas, em Fevereiro de 1974, eles não atingiam sequer a média de uma acção por dia. E, quanto ao Leste, os números são mais reveladores porquanto para uma área de 700.000 Km2 a média é ainda inferior. O número de baixas, no Leste, foi diminuindo de 1970 a 1973 não se dispondo de números credíveis para 1974, ano em que as condições da guerra se alteraram em virtude da Revolução de 25 Abril.

 

A CARTA DA CONTAMINAÇÃO PSICOLÓGICA DAS POPULAÇÕES

 

A carta da contaminação psicológica, referente ao ano de 1973, dá conta que as populações do Leste, de algum modo influenciadas pelos movimentos independentistas, eram já em número muito reduzido. Mostra ainda, com grande evidência, a rarefacção populacional do Leste, fruto da fraca densidade demográfica já referida, da política dos aldeamentos e, ainda, da fuga de muitas pessoas para a Zâmbia e para o Zaire para se furtarem aos imprevistos da guerra. As manchas populacionais com apreciáveis indícios de contaminação colectiva ou fortemente contaminadas situavam-se na área de influência da UNITA, em pequenos núcleos dispersos na imensidão da região e ainda nos eixos em que a presença ou a passagem dos grupos do MPLA ou da FNLA durante vários anos as influenciara fortemente. Tendo em atenção a expulsão dos grupos de guerrilha dos dois movimentos para o exterior e a forte aceitação da política social que estava em curso no Leste, as autoridades estavam a anular rápida e facilmente essa influência. A Carta é ainda testemunho de que também as autoridades portuguesas estavam a ganhar a adesão das populações, condição para tornar estável a situação militar vitoriosa alcançada pelas armas.

 

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