António Comando
Uma História das ex-colónias
poucas vezes contada
7 Julho, 2018 - Nelson Oliveira
“É esquisito gostar das pessoas que
mataram a minha mãe…”
António Comando
Morreu António José Comando. Aos 53 anos faleceu no passado dia 18 de
junho no Porto, vítima de paragem cardiorrespiratória uma pessoa que
toda ela é uma história que poucas vezes foi contada.
Para grande parte dos Portugueses o nome desta pessoa é totalmente
desconhecido, mas não para os militares do “Ultramar”, particularmente a
9ª Companhia de Comandos que serviu em Moçambique na Guerra Colonial,
onde também se encontrava Salgueiro Maia a estagiar.
Em plena Guerra, Portugal enviou uma companhia de Comandos para combater
a FRELIMO num difícil território Moçambicano, conhecido pela bravura dos
seus soldados. Nas emboscadas que as tropas Moçambicanas faziam, era
normal enviarem na frente de combate mulheres e crianças para servirem
de escudos humanos. É numa destas emboscadas que começa a história de
António.
Com 3 anos ia às costas da mãe quando os Comandos Portugueses são
apanhados na emboscada. No meio do tiroteio, grande parte da população
local morre, incluindo a mãe de António. A criança com 3 anos sofreu
ferimentos irreversíveis numa mão, precisamente devido à bala que
atravessou o corpo da mãe e a matou.
No meio deste cenário bélico, os Comandos Portugueses tiveram um ato de
pleno Humanismo e não abandonaram a criança de 3 anos no meio do mato e
visivelmente ferida. Perante uma criança sozinha, paralisada, magoada,
indefesa e com a mãe morta ao lado, os militares Portugueses
trouxeram-na de helicóptero para o quartel de modo a ser-lhe prestado
cuidados médicos e aí permaneceu junto dos Comandos até ao fim da
guerra.
Numa reportagem feita pela SIC nos anos 90, António José Comando – nome
que foi oficialmente registado pelos militares Portugueses, dizia em tom
de brincadeira que foi para a “tropa aos 3 anos e tornaram-no furriel
rapidamente para se sentar na mesa dos oficiais”. Lembra-se apenas que
chorou compulsivamente quando lhe calçaram as primeiras botas porque
sempre viveu descalço e não gostava de usar sapatos.
Aquando o fim da Guerra foi trazido para Portugal e viveu 11 anos num
orfanato em Braga. Tinha visitas semanais dos militares da 9ª Companhia
e passava os fins-de-semana em casa de cada um deles até que um dia a
situação resolveu-se definitivamente com a adoção formal por parte de
Luís Gonzaga Martins, ex-Comando e residente no Porto. António tornou-se
o filho mais velho de uma família que já contava com 4 crianças, entre
eles, Luís Pedro Martins, atual responsável de marketing da Irmandade
dos Clérigos.
Comando sempre frequentou os encontros da 9ª Companhia ao mesmo tempo
que fazia o curso de Direito e vivia no Porto junto da família adotiva.
Passados 30 anos, por intermédio da SIC, foi a Moçambique e encontrou o
pai, irmãos e sobrinhos, mas a vida dele era em Portugal onde casou,
teve dois filhos e aqui permaneceu até à trágica morte de alguém cuja
história de vida tinha tudo para acabar aos 3 anos de idade, ferido e
abandonado no meio de uma emboscada em plena Guerra Colonial.
No meio do caos bélico, ainda há histórias que merecem reconhecimento
dado o Humanismo demonstrado por aqueles que poderiam ser os seus
carrascos.
«O Sobrevivente» conta a
história de António Comando e passa hoje no «Esta Semana»
M.J.C.
A história de António
Comando já é conhecida. O menino moçambicano viu a mãe
morrer à sua frente com um tiro disparado de espingarda
portuguesa e ficou a olhar para os 20 homens armados à sua
frente, sem chorar. Os comandos tiveram pena do pequeno
órfão, levaram-no para o quartel e perguntaram-lhe o nome.
António, agora António José Comando, tinha três anos e fez a
tropa como um homem crescido, com direito a farda e rancho à
mesa com os furriéis. E, quando a companhia regressou a
Portugal, fez a viagem com eles.
O jornalista Daniel
Cruzeiro quis contar a história deste homem, que, como ele
próprio diz, gosta dos homens que lhe mataram a mãe, mesmo
sabendo que é um paradoxo. A reportagem sobre "O Sobreviente",
com imagem de Carlos Santos e montagem de José Ribeiro da
Silva, é exibida hoje no programa «Esta Semana», no qual
Margarida Marante entrevista também Jardim Gonçalves.
A reportagem recupera
imagens de combate cedidas pelo Exército Português e recolhe
depoimentos dos elementos da Nona Companhia de Comandos,
João Vacas de Carvalho, Júlio
Ribeiro Oliveira, Luís Gonzaga, Nuno Silva, Pinheiro Feio, José Barreto,
Manuel Vieira Gomes e Mário Pimentel
recordam os meses que passaram com o menino, os seus
primeiros sapatos, a cantilena que ele entoava de cor sem
saber o que dizia. Em Portugal, António viveu num orfanato e
juntou-se depois à família de Luís
Gonzaga, o seu «segundo»
pai.
E é com a câmara da SIC
que António Comando regressa, 30 anos depois, a Moçambique e
reencontra o seu verdadeiro pai.
A reportagem
transforma-se então em «Ponto de Encontro», com lágrimas e
abraços em exclusivo para a SIC, entidade promotora da
viagem e da união da família. E as memórias da guerra
apagam-se, quando António, o seu pai e o ex- comando Luís
Gonzaga se abraçam e ajoelham perante a campa da mãe de
António. Faz-se a paz mediática, 30 anos depois da guerra.