José Maria de Braula
Reis, Tenente-Coronel Graduado,
nasceu no dia 19 de Novembro de 1922
em Leiria.

Em 1 de Novembro de 1945 ordenado
sacerdote em Lisboa, pelo cardeal
patriarca Dom Manuel Gonçalves
Cerejeira.

Após 1950 desempenhou funções junto
da Capelania Militar, tendo sido
capelão e professor de moral e
religião no Colégio Militar;
Em 13 de Maio de 1961, padre capelão
graduado em
capitão,
licenciado, do Distrito de
Recrutamento e Mobilização 11
(DRM11-Setúbal), tendo sido nomeado
para servir Portugal na Província
Ultramarina de Angola, embarca em
Lisboa rumo a Luanda e destinado ao
Comando de Agrupamento 1 (CmdAgr1),
mobilizado pelo Regimento de
Infantaria 6 (RI6
–
Porto), a fim de prestar serviço de
assistência religiosa às forças
militares do 'Agrupamento Alfa'
(Comando Territorial do Norte de
Angola);

Em 26 de Maio de 1963 regressa à
Metrópole e ao Distrito de
Recrutamento e Mobilização 11
(DRM11-Setúbal);
Em 25 de Maio de 1969, major
capelão, graduado, titular do
Serviço
de Assistência Religiosa do
Exército, do Quartel-General do
Governo Militar de Lisboa, nomeado
para servir Portugal na Província
Ultramarina de Moçambique;
Antes
de 1974 regressa definitivamente à
Metrópole, tenente-coronel graduado,
nomeado chefe do Serviço de
Assistência Religiosa do Estado
Maior do Exército;
Em 31 de Janeiro de 1975, nomeado
pelo Chefe do Estado-Maior General
das Forças Armadas (CEMGFA) para o
cargo de adjunto do capelão-mor;
Em 1976 nomeado pelo Patriarcado
como adjunto da administração-geral
da Diocese de Lisboa;
Desde 1987 até 2011, pároco da
Igreja de São Domingos em Lisboa.
Faleceu no dia 24 de Março de 2021
em Ançã (Coimbra).
A sua Alma
repousa em Paz.
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«Um dia com Padre
Capelão Jose Maria Braula Reis»
in
Revista
Zacatraz,
ed. 209, de 25Mar2018
Excertos:
- «Quando chegou a
Angola, em 1961, o Padre José Maria
ia cheio de ideais e resolveu fazer
uma fundação, a que pôs o nome de um
Antigo Aluno do Colégio [Militar]
que faleceu nessa altura em Angola,
no posto de Tenente de Cavalaria,
Jorge Manuel Cabeleira Filipe
(98/1945).
Gastou as suas
economias tentando fundar uma obra
útil. Quisera valorizar as gentes,
facultando a aprendizagem de ofícios
e de letras. Montou um sistema para
ensinar pretinhos a coser à máquina.
A dada altura, um deles
dirigiu-se-lhe exibindo uns calções
na mão:
- Sr. capelão! Olha
os calções que eu fiz.
- Estão muito
bonitos, parabéns. O que é que
queres mais?
- Patrão! Vê bem os
calções.
- Já vi e já te
felicitei.
E virou-lhe as
costas, continuando a conversa com
outro militar.
- Sr. capelão, olha
os calções.
- Já vi, já vi! –
Disse o Padre José Maria, um pouco
impaciente com a insistência do
garoto.
- Patrão, agora tem
de pagar os calções.
- Pagar os calções,
eu? De quem é a máquina onde fizeste
os calções?
- É a máquina do
patrão.
- E de quem era o
pano?
- Era do Sr. Capelão.
- E as agulhas e as
linhas?
- Do patrão.
- E quem te ensinou a
fazer os calções?
- Foi um empregado do
patrão.
- E para quem são os
calções?
- Para mim –
arreganhava a beiçola, descobrindo
duas fileiras de dentes muito
brancos.
- Então se os calções
são para ti e tu os fizeste na minha
máquina, com o material que eu
paguei e ensinado por quem eu
paguei, porque é que eu tenho de te
pagar os calções? Ora vai mas é
lamber sabão!
E, dito isto, o
capelão, meio indignado, meio
desiludido, tornou a virar-lhe as
costas já um pouco incomodado. Mas o
pretito insistiu, baixinho:
- Patrão…
- O que é, desta vez?
O pretinho, com os
calções contra o peito, o branco do
olho a contrastar com a escuridão da
íris e da face, remata baixinho, de
mão estendida:
- Patrão, dinheiro
para o sabão…
[...]
Nesse ano de 1961, em Angola, o
Padre José Maria, quase acabado de
chegar, apanhou rapidamente a
situação que sintetizou de uma forma
ainda hoje recordada por quem o
ouviu contar há mais de meio século.
Dizia ele, então, que
Angola era uma moça preta bonita,
mas ninguém reparava nela. Apareceu
um branco, um português, e gostou
dela, enfeitou-a com prendas. A
preta trabalhava para ele, via-se
que era bonita e que tinha préstimo.
Começou a dar nas vistas, a ser
cobiçada por outros, principalmente
quando se enfeitava com um colar de
diamantes. E um americano e um russo
diziam ao português para lhe dar
liberdade. "Larga a preta,
deixa-a em paz."
O português achava
que sim que ela merecia ser livre,
mas…
- O que eles querem
é: "tira-te tu de cima da preta
para eu me pôr nela…".
[...]
- Agora deixem-me, também, contar
uma história do Padre José Maria.
- Conta lá, Pedro
Lagido.
- Uma vez, em Angola…
- Mas tu não
estiveste na guerra, pois não?
- Não, mas ouvi-a do
próprio Padre José Maria. Ele,
também, comungou com os soldados o
pó das picadas, o medo do
desconhecido, a ração enlatada de
uma "geração entalada". Certa noite,
integrado numa coluna de viaturas de
reabastecimento, enterra ali, atasca
acolá, um dos camiões resvalou. O
barranco era alto, só na manhã
seguinte se avaliou quanto. A
viatura permanecia em desequilíbrio
arrimada a uma árvore. A carga
heterogénea, incluindo trotil,
oscilou, oscilou, mas nada de grave
aconteceu. Apenas umas grades de
cervejas se espalharam em torno da
viatura. O Padre José Maria deu o
exemplo, ajudando a apanhar objectos
da carga, de cócoras, de gatas,
apalpando o terreno, tacteando as
garrafas, não fosse granada ou
explosivo. Ele e mais uns quantos
soldados, enquanto um grupinho,
integrando um sargento, estava a
observar e a fumar, gozando o
espectáculo ou, talvez, só o tabaco.
Depois de achar que já fizera a sua
parte, o Padre dirigiu-se,
calmamente, aos "pirilampos":
- Agora, se não se
importam, vão apanhar o resto da
carga e eu venho para aqui observar.
[...]
- Também teve o seu "baptismo de
fogo". Nessas ocasiões, difíceis
de imaginar a quem não as viveu,
interessa dizer ou fazer alguma
coisa. Algo que ajude o homem a
vencer-se, a combater o instinto de
sobrevivência que o pode incitar a
fugir ou a enterrar a cabeça no
chão. Normalmente, o soldado tem um
escape que o pode ajudar, mas estava
ali o Senhor Prior, ainda se
conseguiram lembrar alguns. O Padre
José Maria apercebeu-se rapidamente
da situação e confidenciou ao
soldado mais próximo: "Sabes que
o Papa disse que não era pecado
dizer asneiras em combate?".»¹
¹
Manuel Júlio Matias Barão da Cunha
