Eis o meu espanto
quando, ao embarcar no ‘Niassa', estava lá a minha mulher, pronta para
ir comigo para a guerra de Angola.
Por: João Francisco Paiva (depoimento
recolhido por José Carlos Marques)
Já a guerra em Angola tinha começado
quando fui mobilizado para uma companhia açoriana. Corria o ano de 1961,
o primeiro da guerra, quando completei a instrução nos Açores. Tinha 21
anos e, não sei explicar porquê, convenci-me de que não ia ser
mobilizado. Tanto que me casei por procuração com a minha namorada, de
19 anos, com quem planeava montar casa no Montijo, de onde ambos somos
naturais.

Mas a mobilização acabou mesmo por
chegar. Em novembro de 1962, recebemos ordens de embarque para África.
Só tive tempo de enviar um telegrama à família, antes de nos metermos no
barco que nos traria para o continente.
SURPRESA NO 'NIASSA'

Chegámos a Lisboa sete dias depois. Pensava que não teria tempo de ver a
minha mulher, nem a família, mas eis a minha surpresa quando soube que a
minha mulher estava no ‘Niassa', o navio que nos ia levar para Angola. A
Jacinta foi ao Ministério da Guerra, bateu a todas as portas e - ainda
hoje estou para saber como - conseguiu reservar um camarote para ir
comigo. Foi uma surpresa vê-la ali, ainda tentei convencê-la a ficar,
mas foi impossível. Na verdade, a viagem no ‘Niassa' acabou por ser a
nossa lua de mel. Ficámos juntos no camarote e chegámos felizes a
Angola. Estava muito preocupado com o destino da Jacinta em Angola, mas
um colega sossegou-me: tinha família em Luanda e ficou combinado que ela
ficaria com os pais dele.

A nossa companhia partiu para o
norte, na zona do Negage, onde os combates eram duros. Certo dia, estava
acampado durante uma missão na Serra do Canzundo quando chegaram
militares a dizer que tinha aparecido no quartel uma senhora a perguntar
pelo marido, que ninguém sabia onde estava. Suspeitei de quem seria a
senhora, e convenci o meu comandante de que era necessário ir a Negage,
pedir informações sobre um avião desconhecido que nos tinha sobrevoado.
Ele achou boa ideia e lá fui eu ao quartel, com a certeza de que era a
Jacinta quem ali estava a perguntar por mim. E de facto assim foi, ela
entrou no quartel e não descansou enquanto não me viu. Deram-lhe um
quarto e foi ali que passei boa parte da comissão. Sentia-me um
privilegiado, só uns poucos oficiais tinham lá as esposas, e eu, um mero
furriel miliciano, tinha a minha mulher. Pouco depois, a Jacinta
descobriu que estava grávida, mas só aceitou ir para Luanda ao oitavo
mês de gravidez. O João Paulo nasceu em Angola e esteve connosco na
maior parte da comissão.
HEROÍNA DE GUERRA
Ter comigo a minha mulher e o meu
filho durante a guerra foi uma grande força. Mas fiz sempre questão de
nunca recusar uma missão. Era atirador de infantaria e passei por muitos
combates, mas voltei sempre ileso para a Jacinta e o João. Ela era uma
‘mãe' para toda a companhia. Tinha sempre uma palavra de conforto.
Tínhamos um amigo da Força Aérea, que tantas vezes a levou na sua
avioneta a visitar-me nos locais mais remotos. Numa dessas aventuras, o
avião foi atingido por tiros. A Jacinta foi a minha heroína na guerra e
tenho a sorte de ainda partilhar os dias com ela.
A nossa missão acabou em 1964. Os
últimos meses foram no sul de Angola, em
Santo António do Zaire, onde ainda não havia tiros.
Voltámos os três a Lisboa no final de 1964.
Comissão:
Angola, 1962-1964
Força:
Companhia de Caçadores 382
Atualidade:
João, de 72 anos, e Jacinta, de 69, vivem em Azeitão. Têm dois filhos,
cinco netos e três bisnetos