ANGOLA
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sites próprios


Eduardo José dos Reis Lopes
ex- Alferes Mil.º de Infantaria de Operações Especiais
'Ranger'
Cruz de Guerra de 4.ª classe
Companhia de
Caçadores 2600
Batalhão de Caçadores 2887
Angola - 1969 / 1971


Memórias de guerra
I –
Tropa na Metrópole, Viagem e Chegada a Angola
Há datas que nos
marcam para toda a vida. O dia 8 de Outubro de 1968, foi
uma das que marcaram a minha. Nesse dia iniciei a minha
vida militar, ao entrar na Escola Prática de Infantaria,
quartel que ocupava quase toda a ala direita e traseira
do Convento de Mafra.
Depois de apresentação e da distribuição do fardamento
atribuído a "olhómetro", tomei conhecimento da caserna
onde ia pernoitar durante 3 meses, bem como do
refeitório e dos intermináveis corredores. Todos estes
espaços eram sóbrios, frios, de tectos altos: qualquer
espécie de conforto estava completamente ausente.
Foi-me atribuído o 4º Pelotão da 1ª Companhia de
Instrução, composto pelos cadetes mais jovens; o 1º
Pelotão era formado por trintões, todos licenciados
principalmente em Medicina, que sempre que possível se
baldavam à instrução perante a complacência dos
instrutores.
Como bom desportista, não senti grandes dificuldades em
acompanhar as provas mais duras da recruta. Esta era
muito variada: ordem unida, preparação física,
obstáculos, estudo de armamento, etc. Assim, sem
qualquer surpresa foi-me atribuída a instrução da
especialidade de Operações Especiais (Ranger's).
Após umas breves férias, que abrangeram o período do
Natal e Ano Novo, em 8 de Janeiro apresentei-me em
Lamego no CIOE: só para comparar com a actualidade, saí
de Santa Apolónia às 23 horas e cheguei a Lamego às 12
horas do dia seguinte.
O 1º Turno de 1969 foi terrível no que respeita ao
tempo, pois o Inverno desse ano foi particularmente
rigoroso, tendo nevado várias vezes em Lamego e até ter
tido lugar um terramoto em Fevereiro, o que dificultou
ainda mais o que já era muito difícil. No entanto, os
instrutores gritavam-nos que tínhamos muita sorte, pois
no Verão ainda era pior pois apenas havia um cantil de
água por dia: bem; e eu pensava, venha o diabo e
escolha.
Não vale a pena descrever a especialidade de OEsp.
Quem não se lembra, de não dormir uma noite sem ser
interrompido: para uma formatura; para ser distribuído o
correio; ou ser lida uma NEP [Norma de Execução
Permanente], ou um discurso de Marcelo Caetano.
De se levantar às 6 da manhã, passar pela cozinha para
apanhar um cubo de marmelada ou uma tablete de chocolate
e depois fazer 1 hora de GAM [Ginástica de Aplicação
Militar], à chuva ou à neve.
Lembro-me bem de, em tronco nu e com luvas calçadas,
ouvir as palavras reprovatórias de velhas senhoras bem
agasalhadas embrulhadas em xailes, nas paragens das
camionetas – "ai meus ricos filhos que vos matam de
frio" –, e os instrutores de ouvidos moucos ainda faziam
pior, metiam-nos nos lagos gelados da avenida Nossa
Senhora dos Remédios. Quem não se lembra das "24 horas
de Lamego", ou da travessia dos esgotos de Lamego à
noite, sem qualquer luz.
Ou dos três dias de campo, sem ração de combate: foi-nos
distribuída uma galinha viva, por equipa, que tínhamos
de matar com a faca-de-mato e cozinhar à fogueira; no
meu caso, recordo a galinha a correr sem pescoço e a
equipa a correr atrás do jantar...
Ou das patrulhas na Serra das Meadas, em que éramos
metidos em camionetas fechadas, de olhos vedados e mãos
atadas atrás das costas e largados sozinhos à noite, no
meio da serra, tendo de voltar ao quartel a corta-mato:
quem fosse apanhado em estradas – patrulhadas por
instrutores –, ficava sem botas e meias e assim tinha de
voltar para o quartel. Ou do 'slide' feito a medo – na
primeira vez mas depois pedido para repetir vezes sem
conta –, da Torre da Igreja e atravessando o rio
Balsemão; e do 'rapel' nas Terras do Douro.
A meio da especialidade apareceu o (então) capitão
'comando' Jaime Neves, acompanhado por dois tenentes
'comando' que mandaram formar a Companhia de Instrução,
ordenando sentido à Companhia e de imediato arremessaram
duas granadas ofensivas para o espaço entre eles e a
formatura.
Perante o movimento de alguns instruendos de se mandar
para o chão, gritaram "está em sentido não mexe!". As
granadas explodiram e 3 ou 4 instruendos pediram para
sair da formatura para ir à enfermaria, pois tinham
pequenos estilhaços de plástico nas pernas, coisa sem
gravidade: Jaime Neves mandou um tenente 'comando' vêr o
que se passava e depois autorizou a saída dos
instruendos para a enfermaria. Tudo isto se passou na
maior das calmas e descontracção. Por fim, o capitão
'comando' Jaime Neves perguntou quem se oferecia para os
"Comandos", tendo uma dezena de instruendos dado um
passo em frente.
Passados 3 meses, recebemos com orgulho a placa de
"Operações Especiais".
Passadas mais umas breves férias, recebi guia-de-marcha
para me apresentar no RI2 em Abrantes. O Quartel de
Abrantes, à data era um quartel novo com óptimas
condições, a messe de oficiais até tinha piscina e era
comandado pelo coronel de infantaria Ernesto António
Luís Ferreira de Macedo (que em 1970 seguiu para o leste
de Angola e passou a comandar o sector militar do
Moxico)
Durante os 6 meses que permaneci em Abrantes, ministrei
a especialidade de atirador, à CCac2549 (comandada pelo
capitão Vasco Lourenço e mobilizada para a Guiné), e à
minha companhia (CCac2600).
Em 18Out69 no Cais de Alcântara, os BCac2887 e BCac2888
e a CCav2638 embarcaram no NTT "Império", que já não era
um navio novo, pelo que as condições de alojamento não
eram as melhores, principalmente para os soldados que
viajavam nos porões, alguns abaixo do nível do mar, em
péssimas condições: durante os 10 dias que durou a
viagem, visitei algumas vezes o meu pelotão e deparei-me
com a sujidade e o ar pestilento, como sardinhas-em-lata
em beliches de três andares; sugeri-lhes que pegassem no
cobertor e na almofada e fossem dormir para o convés,
pois como navegávamos ao longo da costa ocidental da
África, as condições meteorológicas assim o permitiam.
A 28 de Outubro desembarcámos no porto de Luanda,
seguindo de imediato por ferrovia e em vagões-de-carga,
para o Campo Militar do Grafanil: durante esta pequena
viagem atravessámos vários muceques, os miúdos nativos
corriam ao lado e os soldados mandavam moedas.
O quartel do Grafanil situava-se na Estrada de Catete,
antes da povoação de Viana, e servia para agrupamento
das tropas recém-chegadas da Metrópole e antes da marcha
rumo aos sectores operacionais.
Dez dias, foi o tempo necessário para o meu BCac2887
cumprir todas as formalidades, receber o restante
equipamento e as G3 (novas), com as quais fizémos
tiro-ao-alvo na carreira-de-tiro. Mas também ficámos a
conhecer a capital de Angola, que logo nos pareceu uma
cidade bem Portuguesa, com restaurantes de boa e
tradicional comida da Metrópole e onde não faltava o
bacalhau; tinha boas praias (nas ilhas do Mussulo e de
Luanda) e uma intensa actividade nocturna, com cinemas
ao ar livre (Miramar), boîtes, cabarés, casas de fado,
etc.; também visitámos as fábricas de cerveja Cuca e
Nocal; e também sentimos que a população civil nos
aceitava bem e via "os tropas" com bons olhos.





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