ANGOLA
- IMAGENS - Cedidas por ex-Combatentes ou em
sites próprios


Eduardo José dos Reis Lopes
ex- Alferes Mil.º de Infantaria de Operações Especiais
'Ranger'
Cruz de Guerra de 4.ª classe
Companhia de
Caçadores 2600
Batalhão de Caçadores 2887
Angola - 1969 / 1971


Memórias de guerra
IV - As emboscadas
Das várias emboscadas
e flagelações a colunas-auto da minha CCac2600, duas há
que, na minha memória, perduram como se fosse hoje.
Talvez pela intensidade de fogo IN, ou pela sua duração,
ou pela hora a que foram efectuadas, ou pelas baixas que
nos causaram, certo é que até hoje me marcaram.
Na 1ª, ocorrida por meados de Jan70 – éramos ainda uns
"maçaricos" com três meses de mato –, a FNLA veio
"apalpar-nos" para ver como reagíamos e montou a
emboscada, no sector do itinerário Quicabo-Balacende
muito conhecido por sucessivas "7 Curvas", pelas quais o
troço daquela picada descia por um morro delimitado à
direita por um talude de 3mts e à esquerda por uma
ravina.
Seriam 15:00 de uma tarde muito quente, acima dos 40º,
talvez a mais quente desde que estávamos em Angola.
Aquela nossa coluna-auto, guarnecida por dois GC (3º que
era o meu e 4º o do Alferes milº Alves), após ter
escoltado um MVL da Fazenda Beira Baixa (CCac2459) até
ao Caxito, regressava ao nosso aquartelamento em
Balacende com 4 Unimog e 2 Berliet (seguindo eu na
última), quando à nossa frente e a meio da descida das
"7 Curvas", irrompe intenso fogachal IN que,
aproveitando aquela sinuosidade, havia montado uma
clássica emboscada em "L" (estando o lado maior do "L"
no talude à nossa direita e o menor de frente para nós).
Com projécteis IN levantando pequenas nuvens de poeira
na picada e pelo lado direito passando balas acima das
nossas cabeças, iam as viaturas em movimento quando
instintivamente saltámos para a valeta e onde,
colando-nos ao talude, ficámos totalmente protegidos do
fogachal superior e parcialmente abrigados do tiroteio
frontal, ao qual de imediato ripostámos com rajadas de
G3.
Ao ver que o soldado apontador, da MG-42 montada na
minha Berliet, havia também saltado devido ao intenso
fogo IN, berrei-lhe para regressar ao seu posto e fazer
rajadas sobre os atacantes, ao mesmo tempo que, cobrindo
aquele retorno ao estrado da viatura, saltei à picada
fazendo fogo sobre aquela posição dos emboscados. O
Soldado Arlindo Rodrigues das Neves foi cumprir a sua
missão e, durante cerca de 15 minutos, o fogachal
prosseguiu de parte-a-parte, entrecortado. Rapidamente
avaliada a situação – o impasse perdurava, as primeiras
viaturas estavam próximas do talude de onde o IN fazia
fogo de frente e uma nossa morteirada que saísse curta
podia atingir as NT –, depois de conferenciar com o
apontador do morteiro 60, decidi iniciar barragem de
morteiro relativamente longa e sucessivamente mais
curta, mas bastaram quatro disparos para fazer cessar o
ataque e causar o desaparecimento do inimigo.
Depois de uns minutos de espera, reiniciámos o movimento
das viaturas e prosseguimos apeados até final da
descida, onde verificámos que nada havíamos sofrido
quanto a ferimentos ou danos materiais; à excepção de
uns ovos partidos, comprados no Caxito pelo furriel
vaguemestre que cuidadosamente os transportava numa
caixa de papelão.
Chegados ao aquartelamento, após relatar a ocorrência ao
comandante da companhia e de este comunicar via-rádio ao
comando do batalhão, antes do jantar chamei o soldado
apontador da MG-42: o qual, ao longo de toda a comissão,
se revelou um óptimo apontador de metralhadora-ligeira,
quer em colunas-auto quer em acções apeadas, com um
comportamento exemplar.
Ao amanhecer, regressámos em missão de reconhecimento ao
local da emboscada, onde o IN deixara pequenas "covas"
com parapeitos (para fazer tiro deitado) e nas quais,
pela quantidade, teriam estado dez atiradores na posição
frontal e outros catorze na lateral; quanto ao armamento
utilizado contra nós, face à cadência e intensidade do
fogachal IN, bem como ao tipo e quantidade de invólucros
ali encontrados, concluímos que o armamento utilizado
teria sido Mauser, PPSH e Kalashnikov, sem que houvessem
poupado munições.
A 2ª emboscada, ocorreu ao entardecer de 4ªfeira
18Fev70, no troço da picada entre a Fazenda Beira Baixa
e o nosso aquartelamento em Balacende: itinerário
sinuoso cavado em morros e com alto capim nas laterais,
talvez por isso um dos preferidos pela FNLA para montar
emboscadas.
Uma equipa de topógrafos da JAEA (Junta Autónoma das
Estradas de Angola) – que trabalhava no itinerário
principal entre a Fazenda Beira Baixa e Nambuangongo –,
tinha sido por nós escoltada desde Balacende até à
Fazenda Onzo, onde a CCac2505 estava transitoriamente
aquartelada. Entregue a equipa da JAEA e bebido um
whisky, após dois dedos de conversa com os camaradas ali
estacionados, fizemo-nos ao regresso a Balacende:
contrariamente a outras subunidades, não tínhamos
reservas em transitar de noite pelas picadas, pois
preferíamos ir dormir "em casa" a ficar noutros
aquartelamentos (apesar de sermos sempre bem recebidos);
por outro lado, se não demorássemos a regressar, seria
pouco provável que o IN tivesse tempo para montar
emboscadas; (mas dessa vez não foi isso que aconteceu,
pois o IN – que até nos tinha visto passar para cima –
depois recordei-me ter visto várias pegadas na picada –,
já lá estava à nossa espera... ).
Quando estávamos a cerca de 12km antes das "portas da
guerra"
(¹), num local
sinuoso e de muitas curvas, com um talude à esquerda e
uma ravina de alto capim e mata pela direita, seguia eu
no banco de cabine da 1ª viatura e, como o capim me
batia no corpo, cheguei-me para junto do condutor da
Berliet.
Entre duas curvas, o IN desencadeou forte tiroteio e
isolou a 4ª viatura, Unimog onde seguia o Alferes milº
Diogo comandante do 2º pelotão. Ao ouvir o primeiro
tiro, saltei da Berliet secundado por todo o pessoal.
Porque não tinha sido a frente da coluna o alvo do
ataque, chamei o 1ºCabo Coutinho e com a sua secção
corremos em direcção à retaguarda onde, ultrapassadas a
3ª viatura e a curva que se lhe seguia, deparámos a
10-15 metros com o Unimog do Alf. Diogo e corpos no chão
de ambos os lados.
Ao lusco-fusco incidindo sobre a terra amarelada, mal
vislumbrámos vultos agachados na valeta – do lado da
ravina e que estavam a ser alvo de disparos por parte do
Alf. Diogo –, também abrimos fogo obrigando os atacantes
a desaparecer pelo capim, após o que nos aproximámos da
viatura e onde o Alf. Diogo me disse: que havia sido
atingido num pé; e que, entre os oito militares que
seguiam naquele Unimog, dois estavam mortos, dois
gravemente feridos e três outros ligeiramente feridos,
tendo saído ileso apenas o condutor.
A emboscada foi iniciada no talude por um tiro, que
atingiu mortalmente o 1ºCabo Adelino Figueiredo dos
Santos, ao qual se seguiram várias rajadas que atingiram
mortalmente o Soldado Luís António Gonçalves Fernandes
e, à queima-roupa com gravidade, dois Soldados no banco
do lado direito. No entanto, face à pronta reacção dos
feridos Alferes Diogo e 1ºCabo Manuel Armando Sendas – e
a minha posterior intervenção com a secção do 1ºCabo
Coutinho –, aos "turras" ficou interdita a aproximação
aos corpos dos nossos mortos e feridos, e que se
apropriassem de armas e equipamentos.
Entretanto, ouvindo restolhar o capim, arremessei duas
granadas ofensivas e organizei o dispositivo de
segurança. Ao mesmo tempo atribuí aos Furriéis milº
Louro e Paixão, do 2º pelotão, as missões de: colocar
rapidamente os feridos na 1ª Berliet e os mortos no
Unimog atingido; e recolher todo o nosso material ali
espalhado pela picada (armas, carregadores,
facas-de-mato, cantis, etc). Concluídas aquelas tarefas,
ordenei à coluna "arrancar devagar" com viaturas
próximas umas das outras e de faróis apagados,
prosseguindo o pessoal apeado ao longo de cerca de
300mts, após o que mandei "montar" e arrancar em
velocidade.
Chegados a Balacende, feridos para a enfermaria, mortos
para a pequena capela e todo o aquartelamento em
alvoroço. Nas imediações da enfermaria, pequenos grupos
de soldados pretendiam saber se os seus camaradas, que
gritavam de dor, se "safavam".
Posteriormente, através da DGS do Caxito soubémos que o
"comandante de zona" da FNLA fôra avisado, do dia e hora
em que iríamos escoltar aquela equipa da JAEA até ao
Onzo: durante os trabalhos na picada, um dos seis
nativos contratados pela equipa de topógrafos, quando
capinava junto à orla de uma mata, encontrou um papel a
perguntar quando deixavam Balacende e para onde iam;
dias antes da nossa escolta ao Onzo, e através de outro
papel, a pergunta obteve resposta.
_____________________
(¹) No itinerário
entre a Fazenda Beira Baixa e Balacende, aproximadamente
5km norte de Balacende, assinaladas por dois enormes
embondeiros de cada lado da picada.
|