ANGOLA
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sites próprios
Eduardo José dos Reis Lopes
ex- Alferes Mil.º de Infantaria de Operações Especiais
'Ranger'
Cruz de Guerra de 4.ª classe
Companhia de
Caçadores 2600
Batalhão de Caçadores 2887
Angola - 1969 / 1971
Memórias de guerra
V - A
minha homenagem ao Furriel
Patuleia (¹)
De entre outras missões que, no
decurso do nosso estacionamento em Balacende (Nov69-Mai71), nos foram
atribuídas, destacam-se escoltas e protecção aos trabalhos que uma
equipa da JAEA desenvolvia no itinerário principal Caxito-Nambuangongo,
designadamente o levantamento topográfico destinado à construção de uma
estrada asfaltada.
Os pontos mais determinantes daquele trabalho eram assinalados com telas
(de 5mts de comprido por 1 de largo), dispostas em
cruz e posteriormente sobrevoadas. Tendo a frente daqueles trabalhos
alcançado as nossas "portas da guerra", tal como do antecedente e sempre
que os trabalhos eram diariamente interrompidos, as telas foram
rotineiramente colocadas; mas por sucessivas noites, as telas começaram
naquela área a ser roubadas por bandos armados da FNLA.
Perante esta situação, sugeri ao comandante da companhia que montássemos
emboscadas; ou, em alternativa, que nos seus limites as telas fossem
armadilhadas.
Enquanto isso, ao nosso batalhão em Quicabo tinha chegado como guia para
as NT, um negro foragido da base IN "Checoslováquia", tida como «sede
inexpugnável da Zona B da 1ªRPM-MPLA» (pretensa "Região
Político-Militar" do MPLA no Quijoão), cujo comandante era Nito Alves e
a citada zona B comandada por Jacob João Caetano. O guia Eduardo, que em
tempo se havia entregue às NT no sector do Caxito, posteriormente
permanecera no posto local da DGS para "reeducação e
reabilitação",
após o que ficaram reunidas as condições para o planeamento de uma
operação, a nível de batalhão, tendo como principais propósitos:
capturar o comandante Jacob Caetano, vivo ou morto; e destruir aquela
base IN. As forças executantes escolhidas para o golpe-de-mão, foram o
meu 3º Pelotão da CCac2600 e o PelRec/CCS comandado pelo Alf. milº
Martins, consideradas pelo comando do batalhão como as mais aguerridas e
experientes: íamos defrontar o IN, fortemente armado e no seu próprio
"santuário" considerado "inexpugnável", não havendo lugar a quaisquer
tácticas defensivas ou hesitações. E a saída de Balacende, estava
prevista para as 12:00 de 23Mai70.
Aproximando-se aquele momento, o Capitão Hermínio Batista comandante da
CCac2600 decidiu-se pela alternativa de armadilhar as citadas telas da
JAEA, tendo para tal missão encarregue o Furriel milº 'ranger' Cláudio
Manuel Libânio Duarte: acompanhado por uma secção do meu pelotão,
comandada pelo Furriel Patuleia que para tal efeito se voluntariou;
contudo, em se tratando de uma secção do meu 3º pelotão a fazer a
segurança, também por solidariedade com o Patuleia, igualmente me
voluntariei.
Estando previsto que a equipa da JAEA saísse para a frente de trabalhos
pelas 06:00, cerca de meia-hora antes o Fur. Patuleia acordou-me e eu –
ainda ensonado e porque às 12:00 iríamos largar para a "Operação
Checoslováquia" –, acabei por lhe dizer que não ia ao armadilhamento das
telas; e aconselhei-o a que também não fosse, mas aquele Furriel não
seguiu o meu conselho.
Por volta das 09:00 de 23Mai70, ouviu-se em Balacende uma enorme
explosão: na frente de trabalhos da JAEA, encontrando-se os militares ao
lado uns dos outros, o Furriel 'ranger' Duarte, enquanto procedia ao
planeado armadilhamento das telas, descavilhou uma granada ofensiva e,
inopinadamente, afrouxou a alavanca: o Fur. Patuleia ainda lhe gritou
que arremessasse a granada mas o Fur. Duarte instintivamente tentou
apertar a alavanca e, encostando as mãos ao peito, ali encontrou a morte
imediata; quanto ao Fur. Patuleia, ficou com a cara e o corpo cheios de
estilhaços da granada, tal como o soldado Arlindo.
Quando os quatro feridos – dois deles de forma menos grave –,
transportados nos Land-Rover da JAEA, começaram a chegar ao nosso
aquartelamento, foi um pandemónio.
Fiquei na enfermaria por alguns momentos junto do Fur. Patuleia, mas não
suportei mais ouvi-lo pedir ao Furriel enfº Fernandes que o matasse.
Dali fui para a messe, onde continuei a ouvir os seus gritos de dor, até
que por volta do meio-dia chegou um AL-III, tendo sido heli-evacuados
para o hospital militar de Luanda o Soldado Arlindo e o Furriel
Patuleia.
Quando vim de férias à Metrópole, visitei no HMP-Estrela o Fur.
Patuleia: estava cego; e tinha (como ainda hoje), a cara cravejada de
estilhaços.
Após dezenas de operações – algumas realizadas em Barcelona –, recuperou
parcialmente alguma visão mas apenas por breves períodos; e da última
vez que o vi, estava de novo e totalmente cego.
Uma das minhas recorrentes memórias sobre a guerra no Ultramar, está
relacionada com o sucedido ao Furriel milº Patuleia.
___
(¹) Cândido Manuel
Patuleia Mendes: nascido em 1947 no Bombarral; veio a ser no ano 2000,
presidente da direcção nacional da ADFA.