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Adelino Esteves Leitão

 

Batalhão de Cavalaria 627, Região Militar de Angola, de 1964 a 1966

 

 

"Nambuangongo, como te recordo!"

 

 

 

Transcrição do Capítulo III, páginas 45, 46, 47, 48 e 49:

 

Capítulo III

Dia 22 de Junho de 1964. Depois de termos sido rendidos por outros militares que vieram de uma zona de guerra, pelas 15 h., rumaram à sede da Companhia no Cacuso, onde chegaram por volta das 18 h. Seguiu-se a deslocação da Companhia para a estação e de seguida o embarque no comboio especial com destino a Luanda, Grafanil, onde chegámos no dia 23, pelas 7 h., sendo concedida dispensa para os que não estavam de serviço, a fim de visitarem alguém de família ou irem até à cidade, fazendo tempo para que fosse organizada a coluna de veículos civis.

Pelas 24 h., já em veículos militares, começamos a ser intercalados entre veículos civis, chamado o M. V. L. (Movimento de Viaturas de Logística). Carregados os veículos, verificado todo o armamento e as munições, eis-nos a caminho de Nambuangongo às 2,40 h. da madrugada do dia 24 de Junho, "dia de São João", com destino à nova sede da Z. I. N. (Zona de Intervenção Norte), para rendermos o Batalhão de Caçadores 460, que se retirava para a Zona Sul, onde ia repousar dos sacrifícios passados, tendo ficado a C. Cav. 624 na Fazenda Beira Baixa, seguindo a C. C. S. e 625 para a sede em Narnbuangongo e a 626 continuou a viagem para Quixico.

Na noite de S. João, partimos para Nmnbuangongo.

Que viagem de folia!

Sempre com os olhos arregalados,

A ver quando o inimigo surgia!

À hora da partida sentíamo-nos cansados, mas sono era coisa que não havia, à nossa frente apresentava-se um longo caminho, com os morros de Quicabo, Balacende, Beira Baixa e ainda o morro da vingança, onde tantos dos nossos militares já haviam tombado ao serviço da Pátria.

Iniciámos a viagem com dezenas de camiões civis fretados que levavam o apoio logístico para todas as forças que se encontravam estacionadas no percurso. A primeira paragem foi no aquartelamento de Quicabo, pelas 8 h., onde ficaram alguns camiões civis que transportavam mantimentos e equipamentos.  Aqui, era o início da zona de guerra, chamando-se mesmo as portas da guerra. Depois de troca de informações entre os comandantes das unidades quer da estacionada quer da nossa, continuamos a viagem para a Beira Baixa, aqui, já com escolta da unidade estacionada em Quicabo, com os militares a colocarem-se nos pontos mais perigosos, até próximo de Balacende, onde estava uma outra unidade que nos fez protecção no mesmo modo até às imediações de Beira Baixa onde ia ficar a C. Cav. 624, para render a C. Caç. 459.

Logo a seguir a Quicabo, no local onde existem uns morros e umas matas serradas, ouvimos as primeiras rajadas de metralhadoras, que nos obrigaram a saltar dos veículos e tomarmos as nossas posições de defesa e ataque, mas logo chegou a comunicação que haviam sido as nossas forças que seguiam na frente da coluna, para um reconhecimento não fosse o inimigo

estar ali preparado para uma emboscada, o que não aconteceu.

Chegados à Beira Baixa uma pequena paragem de todo o M. V. L., na picada principal, ou estrada principal, como se lhe queira chamar, para a saída da Companhia 624 e para nova mexida na escolta afim de intercalar os veículos civis para ficarem mais protegidos, já que se aproximava o referido morro da vingança, e após tudo em ordem continuámos a nossa viagem sempre de olhos bem abertos, até que depois de termos passado pelo perigoso morro da vingança e pela fazenda denominada Onzo, lá chegámos a Nambuangongo.

Durante a viagem atravessámos impressionantes vales, ladeados por enormes montes, uns com matas impenetráveis e outros com matas que haviam sido limpas e no seu interior havia enormes plantações de cafeeiros, carregados de bagas de café, que ninguém apanhava por os seus donos terem sido mortos no inicio da guerra, em 1961.

Ainda na viagem, ao vermos tal paisagem, todos nos interrogávamos sobre os perigos que iriamos enfrentar, ao termos de percorrer parte daquelas misteriosas matas.

Quando chegámos o calor sufocava. Os nossos corpos transpiravam abundantemente e com a poeira que havíamos apanhado durante a viagem, parecia que tínhamos cimento agarrado ao corpo.

As forças aquarteladas foram-nos informando onde se situavam os diversos locais para as necessidades, incluindo os balneários onde poderíamos tomar banho, e verificamos que estes serviços eram uns bidões dependurados por uma corda com um tubo de borracha no fundo, com uma torneira e um crivo de regador na ponta, situados num descampado, com umas tábuas à volta com frestas largas, talvez para se tomarem mais frescas.

Assim que nos foi possível, começamos logo a ir tomar o nosso famigerado banho e a refrescarmo-nos, mas pouco tempo depois os que estavam no banho tiveram a pouca sorte de se lhe acabar a água e tiveram de limpar o sabão que tinham no corpo às toalhas. Juntamente com os restantes tiveram de aguardar pelo dia seguinte até ao abastecimento, que só ocorreu muito próximo ao meio-dia, para podermos tirar a quantidade de pó que tínhamos em cima do nosso corpo.

Na viagem, ao vermos tal paisagem, todos nos interrogávamos sobre os perigos que iríamos enfrentar, ao termos de percorrer parte daquelas misteriosas matas.

Uma vez chegados, a C. Cav. 626, após uma pequena paragem para os militares se refrescarem e aliviarem as suas pernas, seguiu para o Quixico, a fim de render a C. Caç. 458, local onde chegou ao anoitecer, com todos os elementos a parecerem mascarados e não seres humanos, dada a quantidade de pó misturado com suor devido à alta temperatura que se fazia sentir.

Logo que chegámos, tivemos conhecimento de que os militares que haviam ido fazer a protecção nos locais mais perigosos para o nosso Batalhão passar, haviam sido atacados logo na madrugada por um grupo inimigo, que já estava à nossa espera e foi detectado antecipadamente.

Apos começarmos a dialogar com os mais velhos, soubemos que o nome desta localidade havia sido mudado para Vila General Freire, mas continuava a ser conhecida pelo nome indígena primitivo.

Nambuangongo era uma fortaleza toda cercada por arame farpado e com duas fiadas, e ainda protegida por minas anti-pessoal em toda a sua volta, e uma fiada de rede electrificada a alta tensão que se situava entre as duas fiadas de arame farpado, e seria ligada em caso de emergência, mas nunca foi necessário.

Este quartel ocupava uma érea superior a seis hectares.

As camaratas haviam sido construídas em madeira pelas unidades militares que por ali haviam passado anteriormente.

A vila, grande centro de transação de café, antes da guerra, tinha uma igreja que fora incendiada pelos revoltosos em 1961. Uma vez retomada a povoação pelo nosso exército, a igreja foi reconstruida, tendo-se encontrado dentro dela a imagem quase intacta de Nossa Senhora de Fátima. Nesta igreja, o capelão do Batalhão celebrava os actos litúrgicos, nomeadamente a missa dominical.

Também encontrámos uma pequena pista de terra batida para a aterragem de pequenas aeronaves, que nos davam apoio, levando até nós o tão desejado correio e faziam a ligação a Luanda.

Uma vez no local, iniciou-se o período de sobreposição com a C. Caç. 460, unidade que fomos render. Isto durou pouco tempo, uma vez que eles tinham de ir ocupar outra zona e estavam ansiosos por voltarem costas a Nambuangongo e a tudo o que o rodeava, ficando apenas uma Companhia de Cavalaria independente, a 453, que nos deu algumas indicações sobre a forma de actuação do inimigo, como este lançava os seus ataques, e a maneira de progredirmos na mata, indicações estas que nos foram úteis e deram grande ajuda na nossa defesa.

A partir desta data, ficámos entregues a nós próprios, alojados nas camaratas pequenas e de madeira, com telhados de zinco que as tornava ainda mais quentes, pois estávamos trinta e três elementos em cada camarata, em beliches militares de três camas e intervalos que apenas cabíamos um de cada vez.

Ao seu redor, a grande paisagem era esplêndida, com o verde-escuro das mates, misturado por clareiras amareladas do capim e clareiras de terra vermelha, a fazerem emergir uma beleza única.

Do quartel avistavam-se a Mata do Café, Morro das Pedras, Morro do Catalabanza, grande parte da picada de Zala e ainda o morro da Palmeira a caminho de Quixico, locais sanguinários para as nossas forças e ainda a Fazenda Onzo a caminho da Beira Baixa, local que distava cerca de 11 km do quartel e onde nos íamos abastecer de água ao rio com o mesmo nome, para todos os serviços do quartel incluindo bebermos. Os militares que andavam neste serviço caso não fossem atacados eram os mais felizes, pois aproveitavam para se lavarem convenientemente e refrescarem-se o que era praticamente impossível no quartel.

A vida nesta localidade não era nada fácil.

Alguns dos alimentos, como por exemplo hortaliças, carnes, e peixe chegavam três vezes por semana, para abastecimento de todas as forças do Batalhão e ainda as unidades da região, que se abasteciam na sede. Os caixotes de madeira, onde estes produtos vinham acondicionados, eram lançados de avião Nord-Atlas, em pára-quedas, para amortecer a pancada no contacto com o solo, mas alguns destes alimentos como ficavam espalhados pela mata e muito distanciados, ainda levávamos algum tempo a encontrá-los, e quando chegávamos já o inimigo tinha roubado os alimentos e deixado os pára-quedas.

A cozinha e refeitório das praças situava-se num barracão de madeira, coberto com chapas de zinco suportadas por quatro vigas uma em cada canto, para permitir a saída mais rápido em caso de emergência, e ainda para facilitar a circulação de ar, já que a confecção das refeições era feita com lenha e juntando o calor do lume com o do sol tórrido era praticamente insuportável.

Lembro-me de ver os cozinheiros na confecção das refeições em calções e tronco nu, lavados em suor com este a escorrer-lhes por todo o corpo.

A hora das refeições, no período da sobreposição com as forças que iam ser rendidas, era ver todos os militares a dirigirem-se para o refeitório uns com pratos e outros com marmitas numa mão e talher e copo na outra para receberem a comida e irem sentar-se no chão onde o podiam fazer, já que o pessoal era muito.

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