Imagens e elementos informativos enviado por um
Veterano
João
Aranha
Viveu os dramáticos acontecimentos que
culminaram na anexação pela União
Indiana da Índia Portuguesa: era oficial
de cavalaria do esquadrão «Afonso de
Albuquerque» e comandou a segunda
divisão da Polícia do Estado da Índia.
Foi preso pelos invasores indianos.
Permaneceu em cativeiro durante 5 meses.
Tem colaborado com os jornais «Record» e
«A Bola» (crónicas de desporto) e
«Correio da Manhã» (crónicas de
tauromaquia). Foi Vice-Presidente e
Director do Departamento de Futebol do
Sporting. Foi Presidente do Grupo
Desportivo da CUF, Presidente da
Associação de Futebol de Lisboa e o
primeiro Presidente da Liga de Futebol.
Tem quatro filhos e nove netos. No
desempenho de diversas funções ficou a
conhecer meio mundo. Vive em Cascais,
depois de ter passado pelo Alentejo e
Ribatejo, e também pela capital do
reino.
“Aqui, infelizmente, não tínhamos
quaisquer batalhões constituídos, não
dispúnhamos sequer de uma pequena
avioneta, não tínhamos armamento
anti-carro nem artilharia, nem
transmissões, nem qualquer apoio
logístico. E estávamos obrigados a
cumprir um plano que nos mandava
defender até ao sacrifício total, para
salvação de um mito.” Excerto do Diário
do Autor
Fonte:
http://www.esferadocaos.pt/catalogo_detalhe_palavras65.html
Nota: imagem do autor de
João Miguel Rodrigues, in: "Correio
da Manhã"
"Enquanto se Esperam as Naus do Reino"
Informação de 4/11/2008:
João
Aranha, homem do Barreiro, figura que marcou
muitas gerações na CUF, que foi, também,
presidente da Direcção do Grupo Desportivo
da CUF, lançou no dia 21 de Outubro, pelas
18, 30 horas, na Sociedade de geografia, o
seu livro “Enquanto se esperam as Naus do
reino”, uma obra onde aborda o seu cativeiro
na Índia, na sequência da tomada de Goa,
pela União Indiana.
O livro foi apresentado por Jorge Morais,
que, refere, ser a obra de João Aranha - “Um
testemunho pessoal de valor”.
Fonte:
http://www.supergoa.com/pt/read/news_noticia.asp?c_news=1042
As memórias de
quem viveu os últimos anos do Estado Português da Índia.
Um relato histórico dos acontecimentos, com revelações
inéditas. Uma crítica das decisões tomadas pelo governo
português, nos planos político e militar. Uma narrativa
autobiográfica, com excertos do Diário escrito em
cativeiro.
Fonte:
http://www.precolivros.com/livro/Enquanto-se-Esperam-as-Naus-do-Reino
As memórias de quem viveu os
últimos anos do Estado Português da
Índia.
Um relato histórico dos acontecimentos,
com revelações inéditas. Uma crítica das
decisões tomadas pelo governo português,
nos planos político e militar. Uma
narrativa autobiográfica, com excertos
do Diário escrito em cativeiro.
Sobre o livro:
“A história da queda de Goa está,
aparentemente, feita ― mas a verdade é
que nenhuma história está algum dia
feita. O livro que agora chega às mãos
do leitor prova-o flagrantemente: na
minúcia diarística de uma observação
informada e sagaz, crua muitas vezes,
lúcida sempre, renasce com nitidez o
absurdo dos últimos dias da Índia
Portuguesa, como dificilmente poderia
renascer no rigor seco de estudos
académicos ou de relatórios militares.
(…) Os dias penosos do cativeiro, as
humilhações gratuitas… as pequenas
cobardias dos pequenos homens e os
rasgos generosos e grandes que só se
conhecem nos momentos de apuros… o «pão
duro», «bolorento», «azedo»
e «intragável» que lhes é
atirado, a multidão ululante que cerca
ameaçadoramente o campo de
prisioneiros… o «desvario salazarista»
que faz anunciar na Emissora Nacional
que «ainda se combate nas florestas e
nas ruas de Goa», a noite de Natal
passada em silêncio… e os abraços de
comoção das horas graves ― tudo isto
atravessa o livro de João Aranha…” in
Prefácio de Jorge Morais
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João Aranha
Fonte: Entrevista ao jornal "Correio
da Manhã", em 2 de Novembro de 2008
"Hoje, o Mundo é um convite à corrupção"
De Goa trouxe memórias de guerra – as
marcas de ter sido preso, embora fosse um comandante da
Polícia do Estado da Índia. Conta tudo no livro
‘Enquanto se Esperam as Naus do Reino...’, edições
Esfera do Caos. Mas a vida sempre alegra quem vive dos
amores, do futebol, da caça e das lides dos toiros.
Assim é João Aranha, aos 85 anos.
Por: Bruno Contreiras Mateus
Foi
vice-presidente do Sporting, em 76; é amigo de Soares
Franco?
Fui amigo do
sogro dele, o Duarte Borges Coutinho. Foi presidente do
Benfica. Dele não sou muito amigo.
Defende a recandidatura dele ou está com Dias da Cunha
que o acusa de 'mentiroso'?
Desde que
passou a SAD o Sporting não me diz grande coisa. Pago
quotas mas só vejo futebol na televisão.
Estamos na era do ‘Apito Dourado’; como vê o futebol de
hoje?
É pouco sério.
Eu era incapaz de estar lá. Marcam-se penálties na área
dos clube fracos e nunca se marcam na dos fortes. Isto
eu já o disse a alguns árbitros. Sei porque estive num
clube fraco. Aliás, o G.D. CUF não era assim tão fraco.
O meu patrão, Jorge de Mello – de quem era amigo
pessoal, porque andámos em colégios juntos – dizia-me
sempre: 'no dia em que eu quiser ser campeão, sou'. É
uma questão de investir.
Jorge
de Mello não queria que o clube fosse campeão. É
verdade?
Não, não era
essa a visão. A CUF apoiava o clube só que este tinha
uma gestão à parte. Não pagava era luz nem água. Os
empregados que tratavam do campo eram da CUF. Os
jogadores todos tinham emprego na CUF, embora fossem lá
poucas vezes. O clube pagava metade dos ordenados e a
CUF o resto.
Tem
hoje ligação à família Mello?
Não. A nova
geração não tem nada a ver com a outra.
Voltando ao ‘Apito Dourado’. Foi o primeiro presidente
da Liga de Futebol. Surpreendeu-o ver Valentim Loureiro
envolvido no caso?
Surpreendeu-me.
Porque
confiava nele?
Sim. Tivemos
muita amizade e não vou dizer que seja inimigo do
Valentim Loureiro. Fico triste se ele estiver envolvido
nalguma coisa menos séria.
Acha-o
um homem sério?
Nunca tive
provas de que ele pudesse ser aquilo de que hoje o
acusam. Mas também não estranho porque hoje o Mundo é um
convite à corrupção.
No seu
tempo era assim?
De maneira
nenhuma. Eu era amigo do presidente do Benfica, do
Porto, que, na altura, não era o Pinto da Costa. O que
não quer dizer que a nossa relação seja má. Tenho
correspondência em que ele me trata bem. Era é um Pinto
da Costa diferente. Aliás, julgo que o F.C. Porto está a
passar por uma mudança.
Em que
sentido?
Vai diminuir o
poderio quando Pinto da Costa começar a ter menos força.
A maneira como a equipa tem sido conduzida nos últimos
tempos, com a venda sucessiva dos valores maiores, é um
indicativo. Está a seguir uma linha parecida com a do
Sporting.
E o
Benfica?
O Benfica
optou por uma política anti-benfiquista. Era uma equipa
que primava por só ter jogadores portugueses e, hoje,
não tem praticamente nenhum.
E o
que é que isso muda?
É mais difícil
controlar um balneário desses, diz-me a minha
experiência.
Como
director do Departamento de Futebol do Sporting, de 1985
a 87, em que jogadores apostou?
Eu era amigo
do Manuel Fernandes. E fui eu, praticamente, que o levei
para o Sporting. Outro amigo é o Jordão.
Quanto
ganhava neste cargo?
Não ganhava
ordenado. Tinha um subsídio de 100 contos [hoje seriam
500 euros] para despesas de alimentação, gasolina e para
a permanência constante. Acho que hoje ganham mais.
Morou
em Vila Franca de Xira. Começou por jogar futebol lá?
Sim, no
Operário Vilafranquense. Comecei aos 17 anos, como
defesa direito – embora seja ambidestro.
E
vivia a tradição dos toiros?
Vivia porque o
meu pai tinha uma lavoura na lezíria. Mas, em 1941,
houve problemas em casa, com as cheias. O meu pai perdeu
o gado e searas. Tudo. Como não consegui entrar para a
Escola do Exército porque não fiz a Matemática, virei-me
para as Letras. Fui fazer exame a Direito e a Históricas
e Filosóficas. No exame de admissão chumbei a Latim e
não entrei para Direito. E no exame de Letras passei.
Entrei para Históricas e Filosóficas no mesmo ano que a
Maria Barroso e o Mário Soares.
E
privava com eles?
Sim. A Maria
Barroso era muitas vezes a minha companheira de
carteira. Depois houve uma altura em que o Vitorino
Magalhães Godinho – um bom professor de História – foi
corrido, por ser contra o regime. E nós, um grande grupo
de alunos sem ligações políticas, começámos a ter aulas
em casa dele. Iam também lá a Maria Barroso e o Mário
Soares. E pessoas que hoje são do CDS.
Era um
homem de esquerda?
De esquerda
propriamente, não seria. Como deve calcular eu tenho uma
ascendência aristocrática. Mas sempre fui mais para o
lado dos pobres, das diferenças... E andei também
naquelas manifestações. Fui à PIDE duas ou três vezes,
chamado para interrogatórios porque fui apanhado nas
manifestações.
Nunca
foi preso pela PIDE?
Não cheguei a
ser preso.
Em
1976 foi convidado para chefe de gabinete num Governo
PS, convidado pelo subsecretário de Estado da Economia,
Brazão Gonçalves. O João Aranha era do PS?
Eu nessa
altura andava era no futebol. Naturalmente tinha as
minhas convicções. Da direita nunca fui. Mas também não
nego que fui da Mocidade Portuguesa, como toda a gente
foi. Era obrigatório. Nunca fui da União Nacional. Tive
muitos convites, até a troco daquilo que é o meu preço –
a caça – e eu não aceitei. No tempo do Salazar nunca
votei.
Na sua
família alguém votava?
Não me lembro
do meu pai ser muito de votos. Ele era monárquico.
Houve
problemas por causa disso?
Sim, o meu pai
nunca foi um salazarista, por causa disso. O Salazar
sempre manobrou com os monárquicos.
Acabou
o seu curso?
Não acabei,
fiquei no 3.º ano. Depois meteu-se a tropa. Como alferes
já ganhava. Fui para o Regimento de Cavalaria 7. Eu
gostava de montar a cavalo e de concursos hípicos.
E nas
touradas, participava?
Em Vila Franca
sim. Eu andava sempre nas feiras de touros a cavalos. E
nas campinagens, porque eu tinha cavalos.
Foi
cavaleiro tauromáquico?
Não, mas eu
andava lá nas campinagens. E nas largadas.
O que
mudou na tradição tauromáquica desde essa altura?
Mudou por
muitas razões. Naquela fase em que havia bons toureiros
a pé, a coisa internacionalizou-se um pouco. Depois
desapareceram as grandes figuras: Manuel dos Santos,
Diamantino Viseu, Armando Soares, José Júlio. E dos que
vão aparecendo agora poucos se conseguem realizar. O
meio é muito difícil. Quem não for para Espanha
agarrar-se a uma empresa forte fica para trás.
E em
Portugal não há nenhuma?
Para lançar
toureiros a pé não há nenhuma. Mas na parte de
cavaleiros e forcados houve uma grande evolução.
Por
que é que hoje há menos pessoas a ir às touradas?
Antigamente,
quem toureava eram os duques, os marqueses e os condes.
Por isso, as cortesias à portuguesa têm todo aquele
cerimonial que hoje afasta muita gente dos toiros. São
tempos mortos. E espectáculos com tempos mortos no séc.
XXI não interessam. Os meus filhos não vão. Mas, em
Espanha, aparece o Carlos IV – que era dos Bourbons
franceses, – e como não gostava de touradas, proibiu os
nobres de tourear. A corte deixou de tourear, mas o povo
tinha o vício. Mas o povo não tinha os cavalos nem
criados, começou a tourear a pé. Cá não houve disso. O
período áureo do toureio foram os reinados do D. Afonso
VI, D. Pedro II, D. João V e D. José.
Manifestou-se contra o fim dos ‘touros de morte’?
Eu não entendo
a festa de toiros sem a morte do toiro. Aquilo é como
uma religião. Eu vou aos toiros da mesma maneira que vou
à missa. É um ritual. Só assim é que se justifica que no
séc. XXI continue a haver touradas.
Acabou
o espectáculo? É isso?
O espectáculo
hoje em dia está sincopado. A razão da morte do toiro,
ele é o sacrificado, vem dos tempos míticos. O toiro é o
símbolo da fertilidade. O sangue do toiro é que nos dá a
felicidade porque nos rega as searas. É o símbolo da
virilidade porque reproduz as raças. Isso tudo está
dentro das pessoas que sentem, como eu, a tourada como
um ritual semi-religioso.
Mas é
contra as touradas à portuguesa?
Não, não sou.
Sei que hoje em dia o papel dos forcados tem mantido a
festa.
Não
terminou o curso porque foi para a tropa; em que ano?
Fui, em 1945,
para o Curso de Oficiais Milicianos. Acabei em 46.
Naquela altura, como ainda havia uns restos da II Guerra
Mundial, não se sabia como as coisas eram, os milicianos
enquanto quisessem iam ficando.
Mas
depois saiu da tropa?
Em 1952 passei
a inspector da Junta de Emigração. Seguiram-se seis anos
a levar gente, num navio, para os Estados Unidos, para a
Venezuela, para Curaçao, para a Argentina, para o
Brasil.
Assistiu então a um dos maiores fluxos de emigração. E
nunca se sentiu tentado?
Assisti, sim.
E tive também namoradas com muita massa. Uma delas, o
pai era dono da maior cadeia de ourivesarias da
Venezuela. No Chile também tive uma. Outra no Brasil,
que estava ligada a uma grande cadeia jornalística.
Era um
namoradeiro?
Era, mas a
questão do arranjismo nunca foi característica minha.
Tinha
uma em cada porto.
E normalmente
uma em cada barco.
Quando
é que decidiu assentar?
Quando
encontrei a mulher que amava, que é esta – a minha
mulher. Encontrei-a numa caçada com amigos comuns. E
casei-me por amor com uma pessoa que não tinha bens de
fortuna, como eu. Fomos felizes, até agora. Ela foi
sempre uma grande companheira.
O
futebol era uma paixão que ‘levava’ também nas viagens?
Sim, o [navio]
‘Serpa Pinto’ tinha uma equipa de futebol. E quando eu
cheguei, já sabiam quem eu era. O presidente do clube
desportivo do ‘Serpa Pinto’ disse-me que não tinha
guarda-redes para jogar contra a equipa da guarda
marítima de Santos.
E foi
fazer de guarda-redes.
Fui. E tinha
um colega que era da PIDE e denunciou-me. E eu fui
castigado com três meses sem vencimento.
Mas
porquê?
Não podia
jogar numa equipa onde os componentes não fossem todos
oficiais. Esta era a mentalidade do tempo.
Resolveu então sair?
Resolvi sair e
depois fui-me empregar como tradutor na Embaixada do
Canadá, já estava a minha mulher à espera do segundo
filho. Depois fui para uma fábrica belga de candeeiros
públicos. E, um dia, quando chego a casa tinha lá uma
carta do Exército. Perguntavam se eu queria fazer o
curso de capitão. E eu fui. Em 55 fiz o curso e
perguntei: 'então, agora sou capitão?' Responderam--me
que tinha que fazer um ano de comando num Regimento. Em
Elvas tinha cavalos, touros ali ao pé, e boa caça. E
aluguei lá uma casita para levar a família. Entretanto,
mobilizaram o esquadrão para a Índia. Estava lá um moço
que disse: 'então agora vou para a Índia?!' Eu respondi:
'não vais. Vou eu.'
Não
teve a noção do perigo?
Não tinha
havido terrorismo ainda. Só houve quando lá cheguei.
Estive lá quase dois anos sozinho. Depois o comandante
da polícia disse-me que se eu fosse para a polícia seria
pago pelo Estado da Índia e teria casa, carro e trazia a
família. Disse-lhe: 'então, é para já.'
Foi
mais fácil a vida na polícia?
Os anos de 57
e 58 tinham sido maus. Os de 59 e 60 foram razoáveis.
Foi na altura em que a minha mulher lá esteve. Em 61, os
tipos passaram ao terrorismo urbano. Aí a coisa
tornou-se complicada.
E a
sua família regressou?
Saíram no
último navio, o ‘Índia’. Para mim, o grande erro do
regime – e isso eu pretendo provar no meu livro
[‘Enquanto se Esperam as Naus do Reino...’, edições
Esfera do Caos] – aconteceu quando lá foi o Costa Gomes
e disse a Salazar que não era possível manter ali um
exército capaz de defender de uma invasão militar,
porque a Índia tinha um exército treinado pelos ingleses
na II Guerra Mundial. O erro aí foi este: em força para
Angola. Quando afinal tinha que ser ao contrário. Em
Angola e Moçambique quem dominava o poder económico eram
os potentados de Lisboa. Até os meus patrões.
Os
Mello?
Os Mello e
mais uma dúzia de famílias. Em Goa não havia um único
português que não fosse militar ou funcionário. Era uma
colónia sem colonos.
Foi
preso, não foi?
Fui preso,
como todos os outros. Estive cinco meses.
O que
lhe faziam lá?
Os primeiros
dias foram maus. Apesar de tudo, os indianos não nos
quiseram matar. Bateram muito nos que tentaram fugir,
porque eles têm castigos corporais no seu próprio
exército. O problema é que são duas culturas diferentes.
Há sempre uma animosidades. Eu tive de tudo porque como
falava inglês fui servindo sempre de tradutor.
Sofre
de stress de guerra?
Hoje não posso
ir por uma estrada fora e ouvir um rebentamento. É uma
coisa que me assusta. Mas não sou um tipo medroso. Tenho
muito poder de reacção. Continuo a ir à caça e ainda
mato perdizes e coelhos. Ainda guio bem.
Criou
a Associação de Futebol de Goa; o futebol é a sua
paixão?
Ah... a seguir
à caça... e aos cavalos. Continuo a gostar de futebol,
sempre que há bons jogos na televisão eu vejo. Aos
estádios vou menos.
Quando
a sua mulher voltou tinham dois filhos; tiveram mais?
Naquela altura
não havia os meios contraceptivos de hoje. Mas um médico
lá de Goa explicou que, por qualquer razão, talvez pelo
clima, a minha mulher lá não engravidava. E quando nos
juntámos outra vez, foi logo, mais dois.
Como
viu o 25 de Abril?
Estava no
Barreiro, num sítio politicamente forte. Eu já estava no
Serviço de Pessoal e nas Relações Públicas da CUF. E
como era o presidente do G.D. CUF e nunca demonstrei
nenhuma tendência política, não tive qualquer problema.
Aos 85
anos continua a fazer o que gosta? Escreve sobre
tauromaquia, futebol...
Faço aquilo
que gosto, sim. É uma maneira de eu dar andamento às
minhas paixões. E estou integrado.
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Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008
«Enquanto
Se Esperam As Naus Do Reino...»
Maria José Rijo
Nº 2.992 - 30Out2008
Jornal Linhas de Elvas, Conversas Soltas
Fonte:
http://paula-travelho.blogs.sapo.pt/206060.html
Às vezes invade-me uma estranha sensação de
nostalgia e nasce-me uma premente vontade de
desistir.
Mas, desistir de quê? - O que faço eu, além de
receber o Dom da Vida, que me permita atrever a
afirmar que vou desistir!
Ora se não sou eu que faço a minha Vida, e, é ela
que me molda a mim, não me cabe desistir do que,
usando, não possuo.
Resta-me acreditar que o Bem, a Amizade, o
Reconhecimento, a Justiça, a Gratidão, e todos os
sentimentos que devem constituir a génese da alma
humana – existem – e seguir em frente sem esperar do
céu o milagre da retribuição a que, sempre, nos
julgamos com direito pelo empenho com que vivemos os
nossos afectos.
E, se como disse Santo Agostinho – viver é conviver.
Honremos os Amigos de quem nos honra o convívio.
Com uma dedicatória que me comoveu, pela amizade
que, subjacente, lhe está implícita – talvez também
porque a noite da passagem para aquele dia de Ano
Novo antes da partida para a Índia foi vivido em
nossa casa e, as já nascentes saudades das
separações foram adoçadas com aqueles 'sonhos'
boiando em rescendente calda de açúcar e canela,
como só a Fernanda sabia fazer - recebi, do seu
autor, um livro cujo título encabeça esta conversa
e, me fora 'prometido acontecer', num passado mais
recente, também pelo Ano Novo, em Cascais, num
reencontro imposto pelos nossos já bem
experimentados corações.
Foi de mãos trementes que o desembrulhei.
Fora-me
anunciado pelo telefone. O livro é da autoria de
João Aranha. Melhor: conta da sua vida, mas logo
pela capa, bela, evocativa da nossa história e dos
românticos sonhos desse colonialismo obsoleto que
tudo sacrificou sem honra nem glória, fui sensível
ao título que leio como a notícia da esperança de
que a cada causa defendida às vezes com o sacrifício
da própria vida, aportem um dia, não importa quando
'as naus do reino' trazendo respostas – daquilo que,
o que se diz ser: politicamente certo – esconde, mas
sempre se espera que os ventos da história
reconduzam a porto certo.
João
Aranha,
prestigiou e enriqueceu
- também - com o seu saber e a sua prosa escorreita,
este jornal, com as suas crónicas tauromáquicas de
saudosa memória.
João Aranha, foi militar em Elvas, e daqui, como
oficial, partiu para a Índia, em 1957 num luminoso
dia de Abril integrando um esquadrão comandado, pelo
capitão de cavalaria, José David Baena Nunes da
Silva, o 'Pepe', como por todos os amigos era
identificado, que o mesmo é dizer por todos os
elvenses do seu tempo.
Quando se completaram cinquenta anos sobre esse
histórico acontecimento João Aranha promoveu AQUI,
na nossa cidade uma comemoração para a qual convidou
os sobreviventes dessa saga, suas viúvas e
descendentes e, como é obvio, as autoridades locais,
que apenas se fizeram representar no almoço, e a que
nem o Boletim Municipal fez referência...
Dessa efeméride, na parada do antigo quartel de
Lanceiros um, uma lápide comemorativa, dá
testemunho.
Agora, a verdade dessa odisseia está ao alcance de
todos, patente num livro escrito sobre um diário,
desses tempos de guerra colonial - contados, não por
quem ouviu dizer - mas, sim por quem fez parte
daqueles que em sacrifício morreram ou a viveram por
todos nós.
É um impressionante documento.
São acontecimentos da vida de um homem
jovem, que ao contá-los hoje, com 85 anos, a esta
distância no tempo - os narra com a humilde
maturidade de protagonista que foi, da história do
seu país, deste nosso país, que os vilipendiou para
não dar a face e se recusou, depois, a tratá-los
pelo que foram em boa verdade - heróis e vítimas.
Aconselho vivamente esta leitura e, presto a minha
homenagem ao seu autor que nos enriquece não só pela
qualidade da escrita, como por aduzir ao nosso
conhecimento importante documentação sobre a guerra
colonial portuguesa.
Maria José
Rijo