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Joaquim Manuel Penim

 

- Joaquim Manuel da Silva Penim, nasceu em 1945 em Sesimbra.


- em 21 de Outubro de 1968, tendo sido mobilizado pelo Batalhão de Caçadores 10 (BC10 - Chaves) para servir Portugal na Província Ultramarina de Moçambique, embarcou em Lisboa no NTT 'Niassa' com destino a Mocímboa da Praia, integrado na Companhia de Caçadores 2448 (CCac2448) «OS CROCODILOS» - «SEMPRE RAIVANTES E TEMÍVEIS» como furriel miliciano com a especialidade de minas e armadilhas;


- em 21 de Dezembro de 1970 iniciou a torna-viagem à Metrópole.

 

O livro:

"No planalto dos Macondes"

 

título: "No planalto dos Macondes"
autor: Joaquim Manuel Penim

editor: (O Autor)
1ªed. Sesimbra, Mai2004
210 págs (ilustrado)

 

Índice:


- Prefácio
- A viagem
- Nangololo
- A Companhia
- 6 de Dezembro de 1968
- 7 de Dezembro de 1968
- 8 de Dezembro de 1968
- Muidumbe
- 13 e 14 de Dezembro

 

Excerto (pág. 82/3):


- «Eu era o homem de minas e armadilhas que estava mais perto, pelo que me coube tomar conta da ocorrência. O Capitão apenas me disse: "Cuidado...!" Podíamos estar a ser observados e era importante não fazer muito barulho, até porque entardecia já e não sabíamos se teríamos de pernoitar por ali. Eu sentia o coração bater acelaradamente, quando comecei a afastar a terra solta que cobria algo que eu não divisara de imediato. Lentamente, sem pressionar, fui afastando a terra, deixando a descoberto um enorme pedaço do bojo de uma bilha de barro, ou coisa muito parecida. O caco tinha-se partido pela pressão da pata do cão quando por ali passou e tudo indiciava que estávamos na presença de um fornilho. Estava muito tenso, mas não tremia. Deitado no chão, estiquei o braço direito e introduzi a mão no buraco, tentando adivinhar pelo tacto o que estaria por baixo do caco. Era um buraco com cerca de trinta centímetros de diâmetro e pouco fundo, do qual, numa primeira prospecção, retirei o pedaço de barro que tinha caído lá para dentro. Cuidadosamente, voltei a introduzir a mão e, tacteando, encontrei duas granadas, com as alavancas pressionadas de encontro ao caco. Uma delas ainda tinha a cavilha de segurança colocada, a outra não. Tinha de ter a certeza absoluta disto, para depois tentar agarrar a granada que estava descavilhada. Não sei quantas vezes introduzi e tirei a mão daquele buraco, até que, pensando conhecê-lo como se a minha vista enxergasse para lá do caco, envolvi com a mão a alavanca e, num movimento rápido, segurei a granada e a alavanca ao mesmo tempo, enquanto rebolava no capim, afastando-me daquele local o mais possível. Passaram-se segundos, minutos ,para mim, talvez, e mais nenhum som se ouviu, além do restolhar que eu provocara. Levantei-me... O buraco ficara a descoberto deixando visível a outra granada, que apenas estava ali para rebentar por simpatia. Agarrei-a com a mão esquerda e esperei que o Capitão colocasse uma cavilha de segurança naquela que eu segurava na mão direita. O Capitão pediu-me as granadas, mas eu continuava ali de braços esticados para ele, como que alucinado, não conseguindo abrir as mãos. Todo eu tremia quando, ao fim de algum tempo, abri as mãos e ouvi o Capitão dizer: "Penim, vai lá para trás!»

Recensão:
- «O Joaquim Manuel Penim é aqui de Sesimbra. É uma pessoa que eu conheço e que estimo e que encontro de vez em quando, como aconteceu há poucos dias na Venda Nova, onde eu estava a comprar lenha, para aquecer estes dias frios, e ele apareceu, também interessado em saber o preço da lenha. E também conheço o irmão, o Amadeu Penim, que foi Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra há alguns anos.


O Joaquim Penim escreveu este livro - que dedica a todos os seus camaradas -, a contar a sua experiência na Guerra Colonial, com o objectivo de dar a conhecer aos seus filhos, como viu e como viveu aquela guerra. E fez bem em o escrever. Pela guerra colonial passaram muitos milhares de portugueses e as experiências vividas nessa guerra, difíceis e traumatizantes, são factos que convém não esquecer. O futuro constrói-se melhor, conhecendo o passado, e a geração da guerra colonial tem muito a transmitir, com o objectivo de elucidar as novas gerações sobre o flagelo e as consequências nefastas que uma guerra sempre encerra.


O Penim esteve colocado, primeiro, no aquartelamento de Nangololo e, depois, no de Antadora, que foi "inaugurado" pela sua Companhia, isto em Cabo Delgado, no planalto dos macondes. Os Macondes são um grupo étnico bantu que vive no sudeste da Tanzânia e no nordeste de Moçambique, principalmente no planalto de Mueda, tendo uma pequena presença no Quénia.


E do que é que fala o Joaquim Penim no seu livro? Fala dos aquartelamentos onde esteve colocado:


1- Nangololo - "área delimitada por duas fiadas de arame farpado, zona de segurança convenientemente armadilhada por forma a dificultar qualquer acção de assalto ao aquartelamento. (...) Os furriéis (eu e todos os outros) ficaram num pavilhão de telhado de zinco, repartindo o espaço, durante o dia, com centenas de osgas... ), um pequeno campo de futebol, para sete contra sete, no máximo, fazia a delícia de uns quantos desajeitados. Os soldados ficaram instalados na igreja, cujo altar era encimado por um grande e bem esculpido Cristo, em pau-rosa. Existiam algumas árvores (cajueiros, mangueiras e torangeiras) e, disseminados estrategicamente, contavam-se alguns abrigos subterrâneos, componente fundamental de defesa, em caso de ataque ao aquartelamento, que estava bem situado, acessível ao assalto apenas numa das quatro frentes, e onde coexistiam sempre e em alternância uma companhia de pára-quedistas e outra de fuzileiros", para além da sua companhia, da CCS (Companhia de Comandos e Serviços) e com o pelotão de artilharia pesada, o que dava no total cerca de 700 homens. "Lá dentro, sentíamo-nos seguros" - diz o Penim.


2 - Antadora - "Aquilo que me contaram sobre as condições de vida e segurança naquele estacionamento, que eu identificava agora dali de cima, enquanto o taxi-aéreo dava duas, três voltas, eu o imaginava como se já o tivesse vivido e interiorizava o medo dos ataques diários e a vida permanente nas valas". Ali, nem dentro do estacionamento se sentia segurança, onde estava apenas a sua companhia, com cerca de 200 homens. Quando chegou a Antadora o aquartelamento estava "em construção". Não havia luz eléctrica, foram construídos dezenas de abrigos e, a pouco e pouco, foi-se transformando um estacionamento num verdadeiro aquartelamento, com uma casa para o capitão, uma secretaria, um refeitório para os furriéis e, ainda, uma capela. A montagem de obuses, morteiros e peças de artilharia transformaram Antadora num aquartelamento mais seguro.


3 - Balama "era uma terra do interior, mas ainda distante das preocupações de guerra que havíamos experimentado nos sítios anteriores". Aí, "os soldados demonstravam um contentamento tal que mais parecia terem acabado a comissão". Em Balama "tínhamos instalações razoáveis, comíamos bem, dispunhamos de meios de entretenimento nas instalações do clube local, a nível de leitura e jogos, andávamos livremente pela rua, mantínhamos relações cordiais com a comunidade civil... vivendo neste contexto, todos tirámos partido, para o bem e para o mal".


Fala das emboscadas.


"Tínhamos dois feridos: o Damas e o 'mini-saia'. Estilhaços de granada haviam atingido o Damas no pescoço (soubemos depois que um dos estilhaços tinha ficado alojado a milímetros da carótida) , enquanto o 'mini-saia' tinha apanhado com vários ao longo das costas e no rabo, e o sangue borbulhava através do camuflado". Desagradável situação... o enfermeiro pouco ou nada podia fazer, impondo-se sim, a evacuação dos feridos. E, numa outra emboscada, diz: "De repente, um enorme trovão. A coluna pára e, ao mesmo tempo que saltamos das viaturas, desencadeia-se um feroz tiroteio. Tento proteger-me a coberto da roda traseira do Unimog, ao mesmo tempo que procuro perceber de que lado vêm os tiros. A reacção é instantânea. Óptimo!vêm do lado de lá, pelo que estou bem protegido. Agora há que pensar nos outros. O 'Reguila', o homem do morteiro, arrasta-se até mim e protege-se como eu. - "Furriel, para onde atiro as granadas?" -, pergunta-me ele. "Atira para aquele lado. Não inclines tanto o tubo porque a granada tem que cair onde começa o mato. Vá atira essa porra!"


Fala do correio.


"Ao longo deste meu desfiar de recordações tem ficado explícito quão importante era receber correio na perspectiva de quem estava na guerra, na minha, que personifica talvez a da generalidade" e " aquele baú, agora pintado de verde e guardado na arrecadação, que conteve já enxovais, fatos de noiva, fraldas e cueiros de várias gerações, é hoje o repositório de centenas de cartas e aerogramas, constituindo a memória factual de um período que marcou e ainda marca a vida de quem o viveu".


Descreve várias operações em que esteve envolvido, fala dos "cães de guerra"( o 'Raio' e o 'Panzer' eram dois pastores alemães, cães de ataque, o outro um doberman tinha a função de pisteiro), e do ataque a Nangololo; nas colunas a Mueda; nas relações nem sempre fáceis com o Comando do Batalhão; fala das férias que por duas vezes veio passar a Sesimbra; e na visita do general Kaúlza de Arriaga a Antadora ("Então, meu rapaz, diz-me lá o que pensas disto...?); e no grande triunfo que era toda a companhia estar viva, apesar dos custos de pertencer a uma companhia independente, sem pertencer de formação a um qualquer batalhão. Refere-se ao desenvolvimento "das Operações Nó Górdio", onde já tinham sido contabilizados até então 66 mortos entre os nossos militares; e chama a Mocímboa da Praia "a porta do inferno, o lugar onde há vinte e cinco meses me senti despejado" e, depois de descrever a viagem de regresso e a desmobilização no quartel de Chaves, pergunta, a finalizar:


"O que ficou?".


E responde:


"Ficaram coisas boas e más e ficou-me sobretudo, uma visão dantesca do mundo em que vivemos... Ficaram estas grandes amizades... e as sequelas de tantos anos de guerra, as visíveis e as que o não são. Ficaram os pais que perderam os filhos, os filhos que não conhecem os pais, as mulheres desamparadas e os amigos saudosos. Ficaram os mutilados e os cegos, os para sempre dependentes. E ficaram ainda os escorreitos, aqueles em que fisicamente nada trespassa, mas em cujo comportamento denotam recalcamentos e alterações de humor, inexplicáveis para terceiros. Ficou o meu Diário sem o qual não teria sido possível fazer esta narrativa".


E "fica também este livro, despretencioso em termos literários, que eu dedico a todos os meus camaradas e com o qual pretendo dar a conhecer aos meus filhos como vi e vivi aquela guerra".
"No Planalto dos Macondes", livro escrito pelo furriel Joaquim Penim, é um excelente livro sobre a guerra colonial. Quem por lá passou, revê-se em muitas das situações aqui descritas. Está de parabéns o Penim, por ter sabido exprimir, com clareza e realismo, o dia-a-dia de uma guerra que marcou toda uma geração.»


(Alfredo Jorge Pinhal)

 

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