"Memórias de um
Capitão (Guerrilha em Moçambique)"
Crítica
literária por Luís Dantas
Fonte:
http://luisdantas.blogspot.com/2008/02/luisdantas1113yahoo_19.html

Autor: José
Verdasca
Edição: 2ª
ed
Publicado por :
Lisboa: Universitária Editora , 2004
Detalhes físicos:
288 p. ; 21 cm
ISBN:
9727004601
José Verdasca escreveu um livro que
balança entre a ficção e a história, a geografia e a
antropologia, a economia e a política. Os eventos ou os
temas trabalhados (As vivências de um Capitão e a
guerrilha em Moçambique) são inseridos numa ampla
conjuntura cultural. Vários cenários se desdobram
através da escrita e das emoções, a começar por Lisboa –
a cidade dos anos sessenta com as suas luzes baças, a
solidão nas esquinas, os quadros de infortúnio, as
descobertas amorosas, a vida sumptuosa nos palacetes da
Lapa, os banquetes, as palavras ditas em surdina, a
crítica de uma elite liberal – dessa gente com
inteligência reflexiva que se desviava cada vez mais do
regime político, dos homens que «ocupavam o Parlamento
sem nada fazer, discursavam sem nada dizer, e recebiam
os polpudos salários sem os justificar e ou ganhar, com
o que iam contribuindo, devido a sua criminosa omissão,
para que o barco corresse para o precipício» (1) porque
a verdade era amarga: «a guerra, criminosa e cruel,
continuava a matar, a ferir, a mutilar, quando os
mutilados, apenas entre as forças armadas portuguesas,
já se aproximavam dos milhares.” (2)
Vem depois Moçambique, a chegada do jovem
capitão a Porto Amélia, o primeiro olhar em volta. Vê «a
maioria de uma população alienada, e em parte
escravizada, descriminada social, económica e
culturalmente, vivendo na periferia, quase sempre em
«musseques», ou bairros do caniço (de bambu) à beira mar
plantados, morando em palhotas de bambu, cobertas de
capim, (...) sempre mantida à margem do progresso,
desconhecendo o conforto, e afastada da mais elementar
participação comunitária» (3). A força do testemunho
revela a ideia, a inteligência, a sensibilidade do homem
e do militar. O Capitão sabe que já é tarde para se
solidarizar com as propostas renovadoras de Paiva
Couceiro ou de Norton de Matos. Quase nada se fez após a
queda da monarquia e da primeira republica e os tempos
são outros: «os povos africanos, naquela altura, já
tinham, principalmente, a inabalável disposição de – por
todos os meios ao seu alcance - chegar à tão desejada
independência política, sempre sonhando com a
liberdade.» (4) Abriam-se as portas do futuro, dos dias
de amanhã: «só ignorava esse fatal destino quem
desconhecia a história, quem não sabia que, no mundo em
que vivemos, tudo é redondo, esférico, cíclico,
periódico». (5) Por isso, o memorialista não se
compadece com a marcha absurda da política colonial, com
a mentalidade e o comportamento da administração local:
«era, quase sempre, caracterizada pela incompetência,
pela boçalidade, e pela prática de injustiças,
normalmente a favor das grandes companhias, que
exploravam a mão-de-obra nativa, mas gratificavam os
administradores, que a recrutavam». (6) Lembra a
repressão sobre os makondes em Mueda, Junho de 1960,
quando reclamavam da falta de água – lembra esse facto e
deixa uma observação flagrante: «era de esperar que os
makondes tivessem aderido, em massa, à organização
política e guerrilheira Frelimo, fundada no Tanganica em
1962, e implantada em 25 de Setembro desse ano, na
capital – Dar El Salam. Nesse caso, não poderíamos ter
quaisquer dúvidas de que – muito em breve – a guerrilha
iniciar-se-ia em Moçambique, no Planalto dos Macondes,
região que reunia as melhores condições para tal, porque
de vegetação densa, e de difícil acesso.» (7) E foi o
que veio a suceder. «Na madrugada de 25 de Setembro de
1964, o capitão Daniel (o herói na ficção) foi acordado
e chamado ao gabinete do comandante do batalhão, para –
após um breve, incompleto, e pouco profissional relato
do ataque efectuado por guerrilheiros ao posto
administrativo do Chae, nessa mesma madrugada – receber
a seguinte ordem (sic): reúna metade da sua companhia, a
dois pelotões, junte-lhe os serviços necessários –
secção de transmissões, cozinheiros, enfermeiro, e
outros serviços – e siga o mais rapidamente para o Posto
do Chae». (8) Cumpre estas ordens e lá vai, mas deixa
muitas outras por cumprir porque se movimenta com os
seus homens em busca de soluções para contrariar «a
maldita cultura da guerra, que a todos ensina a prática
da destruição e da violência, da brutalidade e da morte,
a transformar cérebros e corações, e a perpetuar o que
de mais condenável existe à face da Terra”. (9)
As «Memórias de um Capitão» não se
confinam apenas a evocar os eventos do passado e do
presente, a promover o reencontro do homem com a
experiência de um breve período da sua vida e com o
cosmos em que esta se inscreveu – elas erguem o pendão
da paz, iluminam os valores humanos que são fundamentais
para dar dignidade à vida quotidiana dos homens em
sociedade.
NOTAS
(1) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.100
(2) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.100
(3) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.143
(4) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.137
(5) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.138
(6) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pp.180-181
(7) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.176
(8) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.188
(9) José Verdasca, Memórias de um
Capitão, Universitária Editora, 2.ª Edição, Lisboa,
2004, pg.216
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(*) Entrevista ao jornal
"O Mirante", edição 07Jul2011
Fonte:
http://semanal.omirante.pt/index_access.asp?idEdicao=503&id=75936&idSeccao=8241&Action=noticia
José Verdasca
dos Santos nasceu no concelho de Ourém e fez fortuna no
Brasil onde preside à Ordem Nacional de Escritores
O homem de
negócios que se tornou um homem de letras
A família Verdasca tem nome e a sua história mistura-se
com a história do concelho de Ourém. José Verdasca dos
Santos é
apenas mais um dos muitos descendentes de uma linhagem
antiga e que fez crescer uma parte do município. Mas
este filho de terras oureanas há muito que deixou a
aldeia que o viu nascer, a Gondemaria, e é no Brasil que
tem feito o seu percurso profissional e literário. É
presidente da Ordem Nacional de Escritores, tendo ainda
diversa obra publicada sobre a História dos portugueses
no Brasil.
José Verdasca dos Santos passou a correr por Ourém por
estas semanas, como é seu hábito nas visitas que vai
realizando à terra natal. Desencontrados no espaço, a
conversa teve em Lisboa o seu cenário, bem longe da
Gondemaria dos anos 30, de Fátima do Pará (Brasil) ou
dessa África de 60, quando se arrancou em diferentes
frentes com a guerra colonial. Saudosista e conhecedor
de perto das peripécias que marcavam a guerra em África,
José Verdasca dos Santos vai lembrando episódios e
explicando as circunstâncias que conduziram ao seu
pedido de abandono da vida militar e à partida para o
Brasil.
Nasceu em 1936. O pai, José Lopes dos Santos, era um
grande comerciante da época, responsável pela ascensão
da Gondemaria a freguesia. A mãe, Maria Ferreira
Verdasca, era a filha do então conhecido proprietário de
uma serração em Ourém. Família abastada, “dona do
concelho”, como refere rindo, foi o seu nome, conforme
reconhece, que lhe abriu as portas na vida militar.
Recorda a infância e a então Vila Nova de Ourém dos
tempos em que fazia oito quilómetros a pé diariamente
para frequentar o liceu. Na sua juventude, como ajudante
do padre da paróquia adquiriu outros conhecimentos que a
escola não proporcionava, comentando que ali aprendeu o
latim e o grego que mais tarde lhe foram muito úteis na
sua obra. Partiu depois para Lisboa, onde ficou alojado
na casa de um antigo presidente da Junta de Freguesia da
Gondemaria, Carlos Vieira dos Reis.
A entrada na Academia Militar foi uma oportunidade só
possível pelo peso do nome da família, recorda. Mas
mesmo assim, e apesar de ter privado e se ter tornado
grande amigo do general Silvino Silvério Marques, foi
recusando a possibilidade de ascender a cargos mais
elevados. “Era um miúdo, pouco mais de 20 anos”,
recorda, contando como se negou a tornar-se
administrador da Ilha do Fogo, em Cabo Verde, entre
outros cargos de prestígio.
Já capitão, esteve em Moçambique, onde a
“irresponsabilidade e a incompetência” dos que dirigiam
a guerra o fizeram regressar a Portugal, desiludido com
os desenvolvimentos do conflito. Recusou tornar a partir
em campanha e pediu a demissão, inicialmente recusada.
Em 1967 foi novamente mobilizado. “Passei a fronteira e
de lá mandei telegrama a dizer que não voltava a
Portugal e que queria sair de cabeça levantada”. Amado
pelos escalões mais baixos, odiado pelos superiores,
acabou por conseguir a demissão e partiu para o Brasil.
“A minha vida empresarial foi relativamente fácil. Tinha
acumulado, ganhava bem e sempre soube administrar”. Em
São Paulo (Brasil), actuou nos ramos da pecuária,
indústria e comércio de madeiras e construção civil. Foi
piloto aviador, tendo tirado ainda um curso de
administração de empresas. “A vida materialmente
correu-me bem, até que me comecei a virar para as
letras”.
José Verdasca dos Santos é sócio, director e conselheiro
de várias associações luso-brasileiras e autor, entre
outras obras, de “A Língua de Camões”, “Raízes da Nação
Brasileira” ou “Memórias do Capitão”. É ainda sócio
titular eleito do Instituto Histórico e Geográfico de S.
Paulo e da Sociedade de Geografia de Lisboa, além de
presidente da Ordem Nacional de Escritores. É
cavaleiro-comendador da Ordem Católica de S. Miguel
Arcanjo.
“Há fortunas colossais” entre os emigrantes de Ourém
O concelho de Ourém está muito diferente desde que
partiu em 1967?
A Gondemaria tem menos população. No meu tempo a
Gondemaria era auto-suficiente. Todo o quintal tinha
coelhos, galinhas e toda a gente tinha a sua junta de
bois. A Gondemaria era muito rica. Já Ourém não é Ourém.
Eu conheci Vila Nova de Ourém de 1500 habitantes. Hoje
nem sei quantos tem. No meu tempo as freguesias eram
mais pujantes. Ourém era uma aldeia. O prédio mais alto
era o hospital. Era a câmara e o hospital. Hoje é uma
cidade, as infra-estruturas estão fantásticas.
Como é que os ourienses que estão lá fora vêem Ourém e
Fátima?
Eu sou da Academia Cristã, da Ordem Nacional de
Escritores, entre outras, e tenho gosto em falar nessas
coisas. Encaro Ourém e Fátima pelo lado intelectual, mas
também pelo lado comercial e pelo lado promocional. Sei
que Ourém se vai geminar com Campinas (Brasil), mas não
sei se a população de Campinas o sabe. Eu vejo Ourém com
uma potencialidade fantástica. Sabe, o brasileiro que
mais ama Portugal é o mais instruído. Todos os meus
amigos vêm a Portugal. Mas eles vêm, fazem uma excursão,
vão a Óbidos, a Fátima, e perguntam: e a tua cidade? Não
conhecem. Temos os castelos que são únicos, explorem
aquilo! Tivemos ali a Sé Colegiada. Os meus amigos
voltam desiludidos. Perguntam “Onde fica Ourém?”. Não
consta dos roteiros. Devia ser Ourém-Fátima, à
semelhança de Leiria-Fátima. Ponham isso nos roteiros.
Ponham a marca Ourém-Fátima nos produtos, no azeite, no
vinho, nos dinossauros, no Agroal, nas quintas.
Ourém-Fátima, aproveitar essa ideia. O mundo vive à
custa de boas ideias.
Como implementar essa marca?
Começaria por agregar Ourém e Fátima. O Santuário e os
Castelos, aproveitando a Sé Colegiada. Dinossauros,
património cultural, as grutas. Temos tanta coisa…
Há vontade de pessoas como o senhor, emigrantes, de
investir no concelho?
Eu acho que pelo menos se deveria fazer um cadastro dos
emigrantes do concelho. Verdascas somos mais de mil.
Fazer um cadastro e de vez em quando chamar um. Há
fortunas colossais. O Brasil, pelos meus cálculos, tem
33 milhões de portugueses. Os emigrantes são a grande
mais-valia, somos uma potência.
Tem seguido a evolução política e social de Ourém?
Sim. Eu peco sempre por excesso. Sempre fui
intelectualmente muito curioso. Sou assinante de jornais
de Ourém, vou-me informando também pela Internet. Eu
ofereci a minha biblioteca ao município, uma biblioteca
de 5 mil volumes. Acompanho Ourém e todas as suas
evoluções políticas.
Como encarou a mudança à esquerda nas últimas eleições?
Não encaro a minha terra pelo partido político que a
governa. Quero sempre ver a minha terra com progresso. A
minha terra é Portugal e dentro dele Ourém. Essa
história de ir para a esquerda ou direita foi uma
consequência do descalabro da economia e da finança. No
que toca à Câmara de Ourém, li algures que os novos
paços do concelho ficaram com uma dívida muito grande,
mas não estou dentro dos pormenores.
Sente-se ribatejano?
Uma vez escrevi um artigo intitulado “Santarém ou
Leiria?”. Eu disse: Leiria. Porque são 20 quilómetros e
para Santarém são 60. Temos mais ligações a Leiria. Mas
eu sinto-me basicamente português e faço o meu papel com
muito gosto.
E sente-se mais brasileiro ou mais português?
Sempre mais português. Não tenha a menor dúvida. E se
estou na presidência da Ordem Nacional de Escritores é
porque recitei muito no Brasil, mas continuo a ser
português. Fui quase obrigado e há muitas academias a
que pertenço que me torno sócio quase sem saber.
Nunca pensou em deixar o Brasil?
Como é que dá? Fui para o Brasil e lá constituí família,
todos brasileiros.
Tem negócios em Ourém?
Em Ourém herdei muitas coisas dos meus pais, algumas
ainda tenho. O IC9 cortou-me uma propriedade.
Que projectos gostava de desenvolver em Ourém?
Gostava de ajudar a fundar a Academia Oureana de
Ciências, Letras e Artes. Gostava de juntar ali o Sérgio
Ribeiro e outros artistas, intelectuais, poetas,
escritores, músicos e fundava-se uma academia oureana.
Ourém merece uma Academia. Vou falando da ideia a
algumas pessoas, mas ainda não se proporcionou.