Elementos cedidos por um
colaborador do portal UTW

Luís Corrêa de Sá
Luís Mem Corrêa de Sá, nascido em
1939, visconde de Soveral, em 1962
licenciou-se em Hautes Études
Commerciales na universidade suíça
de Lausanne:
- em 22Jan1963 apresentou-se na
EPI-Mafra e foi
incorporado como soldado-cadete nº
1518/63;
- em 16Jun1963 promovido a
aspirante-a-oficial miliciano
atirador de infantaria, colocado no
BC5-Campolide e integrado na
CCac535/BCac595, mobilizado para
servir no Ultramar;
- em 01Nov1963 promovido a alferes
miliciano;
- em 10Nov1963 embarca em Lisboa no
NTT 'Vera Cruz' com o seu batalhão,
rumo a Luanda;
- a partir de 29Nov1963 fica
instalado com a sua subunidade na
Magina (região fronteiriça de Angola
com o ex-Congo Belga), um dos
"corredores infiltrantes" da FNLA;
- em 02Dez1963 o aquartelamento da
Magina é alvo de flagelação IN;
- em 18Fev1964 o aquartelamento
sofre nova flagelação IN;
- em 15Abr1964 a sua subunidade
sofre cinco mortos durante emboscada
IN;
- em 26Jan1965 o seu batalhão
instala-se em Sanza Pombo, e a
CCac535 em Cangola com um pelotão na
Quicúa;
- em 20Jan1966 recua com o seu
batalhão para o Campo Militar do
Grafanil;
- em 05Fev1966 inicia no porto de
Luanda a torna-viagem.
O livro:
"BATALHÃO -
B. CAÇ. 595 1963-1966"

título: "BATALHÃO - B. CAÇ. 595
1963-1966"
autor: Luís Corrêa de Sá
editor: Medialivros
1ªed. Lisboa, 2003
198 págs (ilustrado c/fotos)
32x24 cm
dep.leg: PT-190494/03
ISBN: 972-797-048-6
Entrevista
(02Abr2011)
*:
Combateu na Guerra de África como
alferes miliciano durante dois anos,
entre 1964 e 1965, numa missão,
embora arriscada, mais estratégica
do que bélica: informar companhias
de outras geografias da passagem de
grupos inimigos, cuja missão era
abastecer as tropas que combatiam o
exército português.
Foram dois anos que considera terem
resultado na mais marcante
experiência da sua vida, pela
heterogeneidade do convívio num
cenário de risco onde os laços se
estabelecem de uma forma impossível
de esquecer e a origem não conta.
Em romagem de saudade à casa onde
cresceu, no 'sopé' do Palácio da
Pena, 45 anos depois de deixar
África, falou sobre as memórias
registadas num diário único e
actualizado ao dia, publicado em
2003 e contendo mais de 200
fotografias extraordinárias tiradas
pelo próprio sobre o quotidiano do
teatro de guerra.
[Rita Ferro]: - A fotografia é uma
paixão?
[Luís Sá]: - Desde os 15 anos. O meu
pai já era entusiasta e deu-me a
primeira máquina: uma Kodak
Retinette. Gostava muito de
fotografar pessoas e lugares.
Comecei por fotografar os amigos do
liceu, os primos, as terras por onde
ia passando e tinha família: EUA,
Noruega, etc.
- Mas as fotografias do seu livro
não podem ter sido feitas com essa
Kodak...
- Não. [risos] Foram feitas com uma
Leica M3, comprada na Suíça, que era
o Rolls-Royce das máquinas
fotográficas. Custava, em 1956, doze
contos.
- Tinha uma semanada grande...
- Não. Foi o irmão mais velho do meu
pai, meu padrinho, que durante 21
anos depositou anualmente um conto
de reis numa conta bancária em meu
nome, e que, depois de maior, tratei
de levantar para comprar essa
máquina e ainda uma BMW de 250 CC,
em segunda mão. Linda!
- Ainda se encontra com os seus
companheiros de pelotão?
- Todos os anos, desde 1986, num
almoço organizado por um antigo
furriel, Agostinho Palos, e a sua
mulher. O ano passado foi em Aveiro
e no próximo será na Figueira da
Foz.
- Comparece o batalhão inteiro?
- Não, mas quase. Já vêm com mulher
e filhos e são almoços que reúnem
cerca de 300 pessoas.
- É um elo poderoso...
- Não sei bem explicar, mas penso
que é por termos sido diariamente
confrontados com a morte, durante
dois anos. Ficam laços fortíssimos,
de que só me apercebi quando voltei
a reencontrar os meus camaradas de
armas.
- Conte uma história que o tenha
marcado...
- Existe um filme que exprime
exactamente o espírito fraternal da
tropa: o K-19, com o Harrison Ford,
passado num submarino atómico
soviético. Depois de uma grave
avaria no reactor, o comandante
reúne a tripulação das mais variadas
origens para anunciar que só havia
uma saída possível: entrar no
próprio reactor para o reparar e
sujeitando os voluntários à
exposição de combustível altamente
radioactivo, o que causou, aliás, a
morte de alguns. Enquanto os
primeiros se perfilavam para acudir,
havia um telegrafista que se achava
social e academicamente superior e
que assistia à operação frio e
indiferente. No entanto, depois de
ver sair os primeiros camaradas
queimados e desfigurados, decidiu
colaborar. Sentiu-se investido da
responsabilidade de partilhar aquele
sofrimento com os seus camaradas de
armas. Perante o risco e o medo,
somos todos iguais. E na obrigação
de combater, não é tanto a bandeira
ou a autoridade do capitão que nos
faz estar ali. É o colega do lado.
- O que sentiu quando os reviu pela
primeira vez? Reconheceu-os?
- Sim, a todos. E, 20 anos depois,
foi como se tivéssemos estado juntos
na véspera...!
- Era a favor ou contra a guerra?
- Bom, tinha 25 anos. Não era a
favor da guerra nem do sistema
colonial, pois sentia que a
sociedade portuguesa se deveria
aproximar de outras mais evoluídas,
como a norueguesa, que eu conhecia
mais de perto, além de achar que era
um fardo demasiado grande para as
nossas possibilidades.
- Nunca pensou desertar?
- Nunca.
- Onde localizaria, na sua anatomia,
a sensação de medo de morrer?
- Nas pernas. As pernas perdem
imediatamente a capacidade de
sustentação. Na guerra, um herói é
um inconsciente com sorte. Mas
atenção que a Guerra Colonial foi um
passeio comparado com a que ali se
travou depois, entre o MPLA e a
UNITA.
- Conte-nos uma memória...
- Um dia, em que coube ao meu
pelotão um deslocamento a São
Salvador do Congo e viajámos em
jipes e camiões, ouvimos de repente
uma rajada de metralhadora no fim da
coluna, o que fez com que os homens,
imediatamente, se atirassem para a
berma da estrada, rasgando-se e
esfolando-se todos. Passados uns
minutos de silêncio fui à retaguarda
ver o que se tinha passado: o 1.º
cabo Vital, que era caçador na vida
civil, ao ver passar um veado, não
tinha resistido e disparou a sua
espingarda automática.
- [risos] Ralhou-lhe?
- Não. Como vi que não tinha
acontecido nada de grave, e que os
colegas do Vital já o tinham
insultado, limitei-me a algumas
palavras de circunstância para
depois lhe ouvir isto: "Mas matei o
veado!" Foi então que comentei:
"Bom, pelo menos temos almoço para
amanhã!"
- [risos] Que registava no diário?
- Era uma necessidade catártica.
Cheguei a África sem preparação para
nada: para o calor, para o mato,
para os bichos, para a guerra, para
a vida militar, mas também e
sobretudo para comandar um pelotão
de 30 homens da minha idade. O
diário ajudou-me a separar os
problemas pequenos dos grandes e a
relativizá-los.
- Que tipo de coisas apontava?
- Principalmente, as minhas
insuficiências e impreparação para
exercer a autoridade. Era uma pessoa
branda, mas indisciplinada, que não
sabia dar ordens sem levantar a voz.
Frequentemente confrontava-me com
essa dificuldade e o diário
ajudava-me a exorcizar a frustração.
No fundo, acabava por ter a mesma
preparação do que eles.
- Escolha um exemplo...
- No dia 11 de Junho de 64, escrevi:
"Estou estoirado. Foi para mim
bastante difícil, tanto do ponto de
vista físico como nervoso. Durante o
dia e meio em que estivemos
perdidos, competia-me decidir que
direcção tomar, se bem que não
tivesse a mínima ideia de para onde
seguir." (...) "No fim, quando
regressámos ao acampamento, não
havia correio, mas um pouco de
Beatles, de Alain Barrière, e dois
cafés bem quentes contribuíram para
reequilibrar a balança."
- [risos] O correio era o que
animava os homens...
- Absolutamente. Um dia recebi uma
encomenda de uma antiga namorada,
com queijos podres, chocolates
velhos e doces derretidos. Mas
fiquei encantado!
- E África? Sentiu aquele sortilégio
dos grandes horizontes que torna tão
difícil a readaptação no regresso?
- Nada, senti um alívio imenso!
Quando vi pela última vez a baía de
Luanda, pensei: "África e tropa:
nunca mais na p... da vida!"
- [risos] Como eram as relações com
as raparigas locais?
- As raparigas locais vendiam-se,
mas eram fundamentais para a
estabilidade dos homens.
- Houve quem se apaixonasse?
- Apaixonar, não direi, mas davam
uma ternura e um consolo que os
mantinha equilibrados.
- Diz-se que as tomavam demasiado
novas...
- Eram mães e mulheres feitas. Era
outro tempo e outra cultura.
- Como encara a extinção do serviço
militar obrigatório?
- Com pena. Um exército profissional
pode substituir, mas perde-se o tão
importante contacto entre os
diversos estratos da sociedade, o
que é uma experiência muito
enriquecedora. Na vida civil, o
administrador do banco nunca tem
oportunidade de privar com o seu
motorista.
- Gostava de voltar a África?
- Claro que sim! Ficou sempre no
coração dos portugueses que lá
passaram, e, quando lá voltei, em
1978, 12 anos depois de ter
combatido, pensei: "Angola é a minha
segunda pátria".
*
(in:
http://caras.sapo.pt/famosos/2011-04-02-luis-correa-de-sa-na-guerra-um-heroi-e-um-inconsciente-com-sorte)
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