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Notícia e Livro

Major de Cavalaria Mendes Paulo

 

Major de Cavalaria

Mendes Paulo

 

Ocorreu no dia 6 de Setembro de 2012, o 6º aniversário de falecimento do Major de Cavalaria João Luiz Mendes Paulo, distinto Oficial do Exército Português

 

22Out1932 > 06Set2006

 

«uma pessoa de uma craveira intelectual extraordinária, com grande cultura, mas ao mesmo tempo de um humanismo a toda a prova»

 

Que a sua Alma descanse em Paz

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Autor do livro e do CD:

 

"ELEFANTE DUNDUM - Missão, Testemunho e Reconhecimento"

M5A1 "Stuart": ME-07-70 (Licas), ME-08-77 (Gina) e ME-08-98 (Milocas)
 

Entrevista:

Fonte: "Algarve Press" - 12Set2006

 

 

"... o livro e o CD do Major Mendes Paulo, constituem um grande contributo, destinado a todas as gerações, para uma melhor compreensão (até aprendizagem) de muitos factos, directa e indirectamente ligados à guerra colonial. ..."

 

"... Mendes Paulo escreveu um livro (Elefante DunDum) em que falava exactamente disso, nós demos uma lição ao mundo da maneira como funcionámos nas ex-províncias ultramarinas.

 

O nosso soldado com o seu espírito de coragem, abnegação, sacrifício e humildade extraordinária.

 

Eles nada pedem, nada querem, a não ser que o país reconheça o seu esforço extraordinário, sobre-humano, que eles desenvolveram enquanto estiveram em campanha. ..."

 

"... Este livro que o Major Mendes Paulo escreveu é um preito de homenagem a todos os que estiveram, mas também àqueles que infelizmente não voltaram. ..."

 

"... Nós gostaríamos um dia que os nossos militares fossem reconhecidos, e era isso que o major Mendes Paulo disse, com lágrimas nos olhos, os nossos militares deram tudo e não pediram nada, a não ser o reconhecimento do país.

 

O primeiro documento que aparece, a sério, a falar do que se passou é este livro e este filme. ..."

 

 

Organizado por António Machado, antigo combatente farense na Guerra Colonial, apoiado pela Câmara Municipal de Faro e o ALGARVEPRESS como jornal oficial do evento, realizou-se em Faro, no armazém do Moto Clube de Faro, junto ao Aeroporto Internacional da capital algarvia, no dia nove deste mês, o IX almoço Convívio do Batalhão de Cavalaria 1927.

 

A comissão organizadora, composta por um grupo de algarvios, ex-combatentes da Guerra Colonial, que prestaram serviço militar em Angola, cumpriu, assim, um antigo desejo de concretizar um encontro na nossa Região após o lançamento do livro “Elefante DunDum”.

 

Apesar do pesar pelo falecimento, poucos dias antes do encontro, do major Mendes Paulo, autor do livro e do CD, e antigo comandante do Batalhão 1927, várias dezenas de antigos combatentes no então Ultramar Português juntaram-se com familiares e amigos e puderam conviver com um dos filhos do homenageado, Tiago Mendes Paulo, que de lágrimas nos olhos recordou “o grande pai, amigo, militar e condutor de homens”.

 

Na ocasião coube ao coronel Cabedo, num clima de grande emoção, ler a mensagem de Nuno Mendes Paulo, outro dos filhos do major, que muito ajudou na montagem das imagens no cd, com especial destaque para os nomes das guarnições dos M5A1 (mais de metade algarvios) – Machado, Vítor, Bento, alferes Saraiva, Chã de Almeida, Dias, Gago, Pouca Roupa, Bagarrão Vieira, Palma, Silva Correia, Aires, Leite Ferreira e Ribeiro.

 

O “cheiro” do Algarve e a “Alma Algarvia” estiveram igualmente presentes na festa com a actuação do Grupo Folclórico dos Amigos do Montenegro, um dos que ainda não se comercializou e mantém bem vivas as tradições dos cantares, bailinhos e corridinhos algarvios.

 

Do programa, três dias antes do grande encontro, fez ainda parte a habitual reunião/jantar quinzenal da “Confraria dos Cavalheiros da Tábua Quadrada”, onde o coronel Cabedo, nas respostas às habituais perguntas dos “confrades”, acrescentou ao livro mais umas quantas histórias, que por serem verídicas fazem igualmente parte da história da Guerra Colonial Portuguesa.

 

A entrevista à “Confraria” do coronel Cabedo, e o livro e o CD do major Mendes Paulo, constituem um grande contributo, destinado a todas as gerações, para uma melhor compreensão (até aprendizagem) de muitos factos, directa e indirectamente ligados à Guerra Colonial.


É com prazer que estou na “Confraria dos Cavalheiros da Távola Quadrada”. É preciso que haja um grupo de pessoas heterogéneo como este, composto por ex-militares e pessoas das mais diversas áreas da sociedade civil, gente que se conhece, amigos que resolvem, de 15 em 15 dias, juntar-se para impressões e ouvir convidados de forma aberta.

 

Estou aqui em substituição de um grande amigo, o Major João Luíz Mendes Paulo, que ficamos a saber que hoje de manhã iniciou a sua longa viagem. Mas concretizou um sonho de toda a vida, que era conseguir transmitir ao País, e eventualmente ao Mundo, que o nosso soldado, o soldado português, é o melhor soldado do Mundo. Isso ficou provado nuns relatórios que um major das Forças Armadas Americanas, ex-combatente na guerra da Coreia, do Vietname e depois na do Golfo, veio dizer que nunca viu uma tropa em combate como a nossa, mas principalmente o que o impressionou foi o nosso serviço de saúde. Ele disse que nunca imaginou que era possível um país tão pequeno estar em 3 frentes de guerra ao mesmo tempo, começou por salientar o coronel Cabedo e Vasconcelos.

 

Onde é que a guerra era mais forte?

 

Na Guiné a guerra era muito forte, eu não estive lá, estive na Índia, em Moçambique e Angola duas vezes. Mas ele (o Major) esteve lá e viu que o serviço de saúde era absolutamente extraordinário. Nos conseguíamos evacuar o pessoal e tratar daquilo tudo. 

 

Mendes Paulo escreveu um livro (Elefante DunDum) em que falava exactamente disso, nós demos uma lição ao mundo da maneira como funcionámos nas ex-províncias ultramarinas. O nosso soldado com o seu espírito de coragem, abnegação, sacrifício e humildade extraordinária.


Eles nada pedem, nada querem, a não ser que o país reconheça o seu esforço extraordinário, sobre-humano, que eles desenvolveram enquanto estiveram em campanha.

 

Mas aqueles territórios não eram nossos. Ainda defende a antiga Constituição?

 

Alguns daqui estiveram em Angola, outros na Guiné e na Índia. Já não temos o Império que tínhamos, mas não é por culpa deles, que tudo fizeram para manter as fronteiras do país. Na altura não tínhamos outra hipótese que defender a Constituição em vigor. Para quem leu a Constituição Portuguesa de 1933, diz lá no 1º artigo qual era a dimensão do nosso território – Portugal é constituído pelos seguintes territórios, Açores, Angola, Moçambique, etc. – e depois diz a mesma Constituição no artigo 134 ou 135, que eram as províncias ultramarinas solidárias com a metrópole.

 

Eu li há tempos uma frase de uma figura mítica do cinema americano, depois daqueles filmes diabólicos do Rambo: “Só quero uma coisa, que o meu país goste tanto de nós como nós gostamos dele.”. 

 

“O soldado português é o melhor do mundo”


O Soldado português não foi ainda bem reconhecido?

 

Alguns foram louvados, condecorados e outros infelizmente não voltaram. Este livro que o Major Mendes Paulo escreveu é um preito de homenagem a todos os que estiveram, mas também àqueles que infelizmente não voltaram.

 

Somos militares e às vezes esquecemos que a parte civil também nos acompanha, não é que sejamos menos humanos, mas a vida militar absorve-nos.

 

A mulher e mãe portuguesa também está esquecida?

 

A mulher portuguesa foi fundamental em toda a guerra, nós que estávamos em combate tínhamos os pais, as mulheres, alguns já tinham filhos, mas hoje em dia é necessário transmitir o que fizemos. Infelizmente há quem diz que estivemos lá de férias, a prolongar as comissões porque assim íamos ganhando mais uns dinheirinhos. Mentira completa! Se lerem o livro que Mendes Paulo escreveu ficam completamente elucidados.

 

Para mim foram quatro comissões, para o Mendes Paulo também, só que na terceira ele foi para a Guiné e eu fui para Angola.

 

Voltando às nossas mulheres, à mulher portuguesa. Ela aguentou tudo, ela ia-se despedir dos maridos e filhos, incitava-os a cumprir o seu dever para com a Pátria, só pedia a Deus que eles voltassem, infelizmente nem todos voltaram, não com a percentagem que hoje em dia querem dizer. Mas quando chegávamos e tínhamos as famílias todas à espera, como à partida, era uma sensação extraordinária. Quando chegávamos parecia que há poucos dias tínhamos partido.

 

Elas sempre nos receberam. Com aquilo que diziam, com aquilo que escreviam nos aerogramas. Era terrível quando os militares iam aos microfones e diziam “adeus e até ao meu regresso”, era uma frase que ficava porque não nos deixavam falar mais – “tem dois minutos”, “tem um minuto”, “tem quinze segundos para falar”, “então adeus e até ao meu regresso” - e aquilo saía. 

 

A minha homenagem é principalmente a este homem que escreveu este livro, João Luiz Laia Nogueira Mendes Paulo, aos militares portugueses, e à mulher portuguesa.

 

A acção do M5A1 em Angola foi uma inovação para o tempo?

 

O Major Mendes Paulo conseguiu equipas de militares que nada sabiam de carros de combate e levaram três carros para Angola, os únicos carros de combate que entraram na guerra por Portugal e que fizeram por lá um sucesso extraordinário. Quando entravam os carros a acção do inimigo abrandava e as colunas seguiam sem qualquer incidente pelo caminho. 


Ele escreveu este livro e, com a ajuda dos filhos, fez o DVD com imagens filmadas por sí e, às vezes, quando ele estava à frente das tropas, era a Ju, sua mulher, que filmava, ou quando a companheira não podia lá ia mais alguém filmar. 

 

Perdemos um grande homem...um bom militar, todos aqueles que privaram com ele reconhecem a sua classe, a sua craveira intelectual e a sua capacidade de liderança, que conseguia aglutinar todos. 

 

“GINA – LICAS E MILOCAS” - ADEUS ATÉ AO NOSSO REGRESSO...

 
O que era o M5A1?

 

Estes três M5AI, alcunhados pelas guarnições com os nomes de “Gina”, “Licas” e “Milocas”, usados em Angola, foram os únicos carros de combate nos teatros de operações no Ultramar, como carro de combate de lagartas, integrados no batalhão 1927, que o Mendes Paulo conseguiu recuperar. Estavam na sucata e continuam lá outros. Têm dois motores Cadillac, muito boa mecânica e são fáceis de conduzir.

 

Há quem diga que ele os comprou para poder levá-los, eu não lhe perguntei se ele os comprou, nem ele me ia dizer, mas o que é certo é que com tantas resistências que o Estado-maior do Exército lhe impôs e que ele ia sempre superando.

 

Umas vezes diziam-lhe que “não há munições para isto”, ele ia vasculhar as arrecadações e encontrava umas 500 mil munições que eles nem sabiam que existiam, outras vezes diziam - “não há motores”, mas ele descobriu 400 motores cadillac novinhos em folha, ainda com o adesivo à volta. Até conseguiu lagartas completas e motores a funcionar.


Quanto tempo é que o coronel lá esteve com o 1927?

 

Eu estive em varias comissões mas com este batalhão 1927 foram dois anos, depois o batalhão rendeu…aí, não só já não tinham as guarnições preparadas pelo Major Mendes Paulo, nem ele estava lá, de maneira que os carros já ficaram meio avariados, um deles não pegava resolveram deitar gasolina no carburador e obviamente o carro incendiou-se e nunca mais funcionou.

 

Este livro segue alguma tendência política?

 

Quem tiver a oportunidade de ler o livro vai saber que o major Mendes Paulo nunca foi político na vida, o livro nada tem de política, é única e exclusivamente o seu percurso militar e de quem esteve com ele. Conhecemo-nos desde a Escola do Exército e nunca tivemos nada a ver com a política.

 

Só pode dizer isso quem não leu a Constituição de 1933, em que as fronteiras de Portugal eram aquelas, nós defendíamos aquelas fronteiras lá ou aqui ou noutro sítio qualquer, desde que fossem nossas. Portanto, verá de certeza que nada tem que ver com politica, quer seja antes ou depois do 25 de Abril de 74. Mendes Paulo dedicou toda a sua vida à questão militar.

 

O intuito deste livro é mostrar ao país e quiçá ao mundo o nosso soldado, esse foi o sonho dele, que foi cumprido. Este livro é apoiado pela Comissão Portuguesa de Historia Militar, que é um organismo que se dedica à parte histórica, por isso eu comecei por dizer que este livro é um documento histórico de altíssimo valor.

 

Que comentário faz ao que se passou na então Índia Portuguesa?

 

Eu estive na índia, o Major Mendes Paulo também, quem lá estava não podia fazer mais nada. Não sejamos mentecaptos e pensar que meia dúzia de gatos pingados podiam fazer frente à União Indiana, ainda para mais mal armados em relação a eles. Nós estávamos lá para honrar o nosso país, para fazer o que fosse possível e para eles verem que nós não íamos embora assim que eles aparecessem.

 

Os nossos vasos de guerra lá estiveram. O meu irmão era oficial de Marinha em comando, depois rendido por Oliveira e Castro, que acabou morto a bordo da lancha. Quem lá ficou não podia fazer mais nada, tínhamos era que esperar que o poder político de cá resolvesse o problema. As minhas homenagens a quem lá esteve e a quem lá ficou, não foram fáceis esses dias.

 

Muito se falou então na ajuda que os mísseis proibidos pela NATO e pelos Estados Unidos poderiam ter dado na mudança do rumo da guerra.

 

Quando se fala em colónias recordo que na Constituição de 1933 não há colónias, os territórios eram províncias ultramarinas. Quanto aos mísseis, o problema que havia com os Estados Unidos era, nós éramos apoiados pelos EUA no âmbito da NATO, ora, não podíamos levar os carros para a Guiné, foram para Angola porque eles estavam distraídos.

 

O Major Mendes Paulo apanhou-os distraídos, disse que eram uma sucata, não serviam para nada e entretanto ia mexendo uns cordelinhos. Quando eles viram que os carros foram para Angola, fora do âmbito da NATO, porque eles não queriam que instrumentos militares e armamento da NATO fossem para as províncias ultramarinas.

 

Mesmo que nós tivéssemos recebido mísseis dos americanos nunca iriam parar às nossas províncias ultramarinas, como nunca foram parar à Guiné. Nós levávamos com os mísseis do PAIGC. Os nossos aviões levaram alguns e foram abatidos com os mísseis que eles tinham, pois tinham armamento mais potente que o nosso. Eles tinham morteiros 121, nós tínhamos morteiros de 80 e de 60.

 

Na sua quarta comissão de serviço, Mendes Paulo foi nomeado para oficial de Operações do Batalhão da Guiné, o General Spínola sabia do que se tinha passado em Angola e mandou-o a Lisboa ir buscar os carros porque lá faziam muita falta, e ele foi. Na Metrópole responderam-lhe: “Não, agora não nos apanha distraídos, isto é da NATO e os americanos não deixam que os carros vão para o Ultramar”.

 

Então tiveram que ir as chaimites mal preparadas, a partirem os semi-eixos a torto e a direito, as metralhadoras encravavam, as HK21 não funcionavam nem à pedrada, mas Mendes Paulo, com a ajuda dos seus mecânicos, conseguiu que as chaimites fossem uns blindados bem aproveitados na Guiné, porque destes de lagarta não conseguiu levar. Nunca mais foram.

 

Em Angola e Moçambique a situação era melhor que na Guiné?

 

Em Angola a coisa não estava como na Guiné. Em Moçambique era à base de minas, nós conseguimos lá neutralizar algumas e foi um sucesso. Em Moçambique não tínhamos helicópteros, só aviões paras nos apoiar, com uma capacidade reduzida de combustível. 


Os feridos que tivemos eram evacuados se os aviões quisessem vir e aterrar na picada, aterraram dois aviões, um BO, e um Austin, mas este meteu um pau no leme de profundidade, não conseguiu tomar altura, demorou meia hora a tomar altura e quando conseguiram comunicaram-nos que enquanto fosse para aterrar na picada não vinham mais. 

 

Pista de aviação construída a pá e picareta


Como se resolviam essas situações?

 

Para resolver o problema construímos uma pista de aviação à pá e à picareta. Não é propriamente passar férias, como infelizmente ouvimos dizer. Quando estava pronta comunicamos para Vila Cabral e vieram dois aviões Dornier.

 

É bom que as gerações mais novas saibam o que nós mais velhos andámos a fazer por lá, não fizemos mais porque era impossível, mas é bom que eles saibam que nós não andamos a passear e que se orgulhem daquilo que o Exército, Força Aérea e a Marinha fez enquanto lá esteve.

 

Afinal, quem foi Mendes Paulo?

 

Ainda bem que fez essa pergunta: O Major Mendes Paulo e eu conhecemo-nos desde que eu entrei para a Escola do Exército, ele era um ano mais antigo, depois cada um foi para seu lado. Encontrámo-nos na Índia, depois fomos para Moçambique, era a segunda vez que nos encontrava-mos.

 

Fomos à terceira comissão para Angola, no mesmo Batalhão, e só na quarta comissão é que ele foi para a Guiné e eu para Angola, portanto, fizemos um percurso próximo e dedicado à vida militar.

 

O Major Mendes Paulo foi o 2º classificado do curso de Cavalaria Militar, o 1º é o General António Gonçalves Ribeiro. Sempre foi um estudioso, amante da mecânica, da táctica e da estratégia militar, mas não era aquele guerreiro que mata tudo o que lhe aparece à frente. Ele era uma pessoa de uma craveira intelectual extraordinária, com grande cultura, mas ao mesmo tempo dum humanismo a toda a prova.

 

Eu estive com ele dois dias antes da sua morte, devo ter sido a única pessoa da família que fui autorizado a ir ao quarto dele no hospital e ele disse “se eu não puder ir ao Algarve, porque os médicos não me deixam guiar, gostava que tu fosses porque é preciso fazer ver a toda a gente que os nosso soldados, sem pedirem nada a ninguém, porque não pedem nada, deram tudo o que lhes pediram e ainda não foram reconhecidos.

 

Até hoje não se fez uma homenagem aos nossos soldados, eles foram para lá com 20 anos, eu já tinha 32 ou 35, eram novinhos, foram lá sem saber como é que era, até lhes chamavam os maçaricos, na Guiné eram os periquitos, e quando saíram de lá já vinham homens preparadíssimos para enfrentar a vida.

 

M5AI O Carro de Salgueiro Maia


Afinal qual era o papel do Major Mendes Paulo nesta história toda?

 

Desde o tempo da Escola do Exército, onde era instrutor dos cadetes de uma Escola de Formação de Oficiais, ele estudava mecânica, entrava em ralis e preparava o carro. Em qualquer lado onde estivesse comprava um carro, mais umas velas e um carburador, portanto era um indivíduo dedicado. De tal modo que se dedicou ao estudo destes M5A1 que eram uns carros que na altura estavam para instrução de cadetes. No livro e no CD vemos os cadetes Estêvão Ferreira de Carvalho, que infelizmente morreu na minha companhia, o Salgueiro Maia que é do mesmo curso, já que Mendes Paulo foi professor de prática de Cavalaria na Escola do Exército. Ele estudava, tinha comunicações com todos os países do Mundo que tinham o M5A1, que lhe escreviam e vinha a Portugal descobrir onde estão os carros. Era um condutor de homens.

 

Este carro de combate, com a blindagem que tem, foi um sucesso, aliás, pode-se comprovar pelo índice de ataques às colunas que diminuiu drasticamente. Já depois de ter passado à reserva foi à Índia com a mulher visitar os locais todos onde esteve e onde tinha nascido o primeiro filho, foi lá e aí continuava a ver a parte humana dele porque toda aquela gente de Valpoy ainda o conhecia, pois desenvolveu uma actividade humana extraordinária em todo o lado onde esteve.

 

“As nossas experiências de guerra não têm sido aproveitadas”


O livro e o DVD constituem um verdadeiro contributo para a história da nossa Guerra Colonial?

 

Ainda bem que apareceu um homem como ele a escrever estas coisas. 


Há uns tempos morreu um sargento na Bósnia. Eu vi a fotografia do carro, tinha uma blindagem fraca. Nós quando estivemos em Moçambique e em Angola tentávamos proteger o nosso pessoal com sacos de areia para acachapar uma explosão de uma mina, sacos de areia por baixo do guarda-lamas, sacos de areia por baixo do assento do condutor, enfim, a viatura ficava mais pesada mas a explosão era acachapada pelo material.

 

Eu encontrei um capitão do Exército que me disse: “Àh, isso é fino, tudo fora”, claro que levou com uma mina e já vai em 50 e tal operações a uma perna e ainda hoje anda em hospitais.

 

Então e os nossos ensinamentos, a nossa experiência lá fora não servira para exemplo de ninguém? Tenho pena disso. Tenho pena que os nossos ensinamentos não estejam a colher frutos nas nossas participações militares internacionais.

 

Os Políticos têm esquecido os ex-combatentes?

 

O que é o 10 de Junho? É o encontro dos ex-combatentes, que não convém a ninguém, a não ser a nós que andamos a combater, para nos encontrarmos uns com os outros. Algum membro do Governo está lá? Eu não vi lá nenhum. Não lhes interessa estarem lá, fomos nós que andamos lá fora, a eles não lhes interessa nada.

 

Nós gostaríamos um dia que os nossos militares fossem reconhecidos, e era isso que o major Mendes Paulo disse, com lágrimas nos olhos, os nossos militares deram tudo e não pediram nada, a não ser o reconhecimento do país. O primeiro documento que aparece, a sério, a falar do que se passou é este livro e este filme.

 

Com a independência como é que ficaram as ex-províncias ultramarinas?

 

Aquilo é assim, nós formamos na Guiné grupos de naturais da Guiné, bons combatentes, que queriam pertencer às nossas forças armadas. Quando se tornaram independentes foram todos fuzilados. A situação na Guiné depois de sairmos de lá creio que não melhorou muito.

 

Em Angola praticamente não tínhamos problema porque quando chegou a revolução de 1974 estava praticamente ganha a guerra porque os nossos adversários já não tinham poderio militar que nos impedisse de fazermos o que quiséssemos em qualquer sítio em Angola.

 

Moçambique tem dois movimentos políticos, a FRELIMO e a RENAMO, a FRELIMO sempre se bateu para ter supremacia sob a RENAMO, no entanto, é das 3 frentes de combate aquela que melhor se está a portar na nossa ausência, porque está a levar a sério o apoio internacional que está a ser dado ao Governo de Moçambique. Goa também se manteve bem, os hotéis estão restaurados.

 

Depois da Revolução, em Angola, onde se construía um prédio por dia, as pessoas que lá ficaram apoderaram-se das motos, dos carros, depois aquilo entrou em assaltos permanentes, a criação já não se fazia, nem de galinhas, nem de porcos, nem de nada. Quando se perguntava o que é que eles andavam a fazer eles respondiam “Tou no esquema”, e o que é o esquema? “Estar no esquema é hoje estar aqui amanhã ali”.

 

E em Moçambique?

 

Eu escrevi, se em Moçambique tivéssemos blindados ali na zona do Niassa, uma zona árida que é mais ou menos plana, aí os carros de combate tinham tido uma utilidade fantástica e tínhamos conseguido superar aquilo mais rapidamente.

 

Mas era o que tínhamos. Helicópteros não tínhamos, aviões eram esses T-6 de apoio ao solo, comandados pelo Tenente Carrilho, mais tarde General, um tipo fora de série.

 

Ainda sobre a história da Pista construída a pá e pica. Em Moçambique a minha companhia fez uma operação com paraquedistas, fuzileiros e comandos no Norte do Niassa, a dada altura um paraquedista pisou uma mina e desfez o pé. Pedimos apoio aéreo, estávamos no meio do mato, não havia nada onde pudesse aterrar um avião, então, a minha companhia (75 homens) levava sempre no cinto uma catana, pedi aos paraquedistas que segurassem o campo enquanto o meu pessoal todo foi desbravar os montes de mandioca, duros que nem pedra. Chegou o Carrilho com um Dornier, deu a volta por cima e eu disse-lhe: “Isto é a única possibilidade”, ele olhou, deu a volta e aceitou aterrar. Devo dizer que é imensa a emoção de ver aterrar um avião num terreno que não tem a mínima qualidade para aterrar, vê-lo a descer a abanar a asa, com a cauda em baixo e o motor a roncar.

 

Embarcou-se o paraquedista e eu disse ao Carrilho: “então e agora para levantar?”, “Olhe lá ó Cabedo, eu se aterrei também levanto, mete-me a cauda dentro das árvores e eu já te digo como é que é!”, lá foi o pessoal todo empurrar o avião, ele acelera o motor de tal maneira que eu pensei que aquela porcaria saltasse toda fora… Arrancou e em meia dúzia de metros o avião levantou na vertical.

 

Diz-se que um homem não chora, é mentira, as lágrimas correram-me pela cara abaixo. Tentámos salvar a vida do paraquedista, Deus queira que ele tenha sobrevivido, porque saiu dali nas mãos do Carrilho e nas mãos de Deus.

 

Acredita em todas as histórias dos Pós-traumáticos?

 

De facto são situações que eu devo dizer que, francamente, algumas delas eu não acredito, e digo-lhe porquê. Num batalhão onde eu pertencia alguns militares fizeram-se de malucos, então andavam a passear nus no meio da parada, sentavam-se no chão a remar, queriam ir para Lisboa. O que é que havia a fazer, mandá-los para o Hospital de Luanda. É evidente que isto não se passa assim. Ao fim destes anos aparecem alguns pós-traumáticos.

 

Tenho um furriel que foi para os comandos e quando voltou já vinha meio patareco, transtornado. A cabeça dele já não funcionava como quando se ofereceu para os comandos. Aí no seu regresso à companhia dei-lhe umas acções mais simples. Passados estes anos todos (1963), ainda hoje o processo dele está a correr, a mulher já se separou dele porque não está para o aturar, ele não tem dinheiro, não articula as frases direito. Isto é para chegar aonde? É que muitos dos nossos organismos são muito responsáveis por esses pós-traumáticos. Porque além de demorarem muito tempo a resolver os problemas não se interessam o suficiente para saber onde é que eles tiveram, o que é que fizeram e o que é que sofreram.

 

Uma coisa é uma pessoa estar no Quartel-general em Luanda e vir para Lisboa dizer que está a sofrer do pós-traumático, ele que vá passear e não venha cá dizer essa. Se um soldado meu que esteve em Nova Coimbra à chapada, que esteve num carro de combate, que sofreu uma emboscado onde morreram dois oficiais e um soldado, disser que está ainda a sofrer, aí eu acredito, agora é preciso ver quem é que está a sofrer síndroma pós-traumático, nem tudo é verdade. A culpa de isso ainda não estar resolvido é dos serviços de saúde porque o processo anda sempre de um lado para o outro à espera de um despacho.

 

“As guerras e interesses pessoais e partidários estragaram o 25 de Abril”


Portugal estava melhor com ou sem o 25 de Abril?

 

A seguir ao 25 de Abril começaram as guerras intestinas, cada um queria a sua guerrinha à sua maneira. Daí resultaram as desconfianças de uns para os outros e a desconfiança era tal que se chegou ao 11 de Março, que nunca ninguém percebeu o que foi, e no qual eu fui preso.

 

Eu fui preso porquê? Nunca quis saber de política, nem percebo de política, não aderi a movimento nenhum, não estive nas Caldas, mas a verdade é que fui preso, fui parar à Trafaria e depois para Caxias. Ao fim de 17 dias mandaram-me embora, disseram-me que tinha estado preso por ser suspeito de pertencer a uma associação de malfeitores.

 

Quando se começam a dar estas guerras, em que nós vemos que toda a gente quer chegar ao poleiro, estragaram o 25 de Abril, a essência do 25 de Abril era manter o país democrático, transferir o poder militar para a sociedade civil para, com cabeça e com noções firmes de democracia, pôr o país direito. Só que, também tenho que dizer que o nosso pessoal tinha muito fracas noções de democracia porque tinham pouca prática de lidar com democracia.

 

Era muito difícil ser democrata há uns anos atrás, mas se não tivessem havido as guerras de cada um para chegar ao poleiro tudo tinha corrido bem. Essas guerras ainda continuam, os partidos andam sempre em guerra. Podíamos ter hoje um país maravilhoso, simpatiquíssimo, mais democrático, mas infelizmente não é nada.

 

“ A ideia do 25 de Abril foi boa mas as consequências desastrosas”


E sem o 25 de Abril?

 

Não seríamos nada, porque de facto era necessário sermos democratas, ter uma democracia em Portugal. Se continuaríamos melhor como estávamos? Duvido que estivéssemos porque já não estaríamos a ser apoiados por ninguém. Éramos escorraçados com toda a certeza de todos os lados. Tentámos ser democráticos, só que falhou a nossa prática de democracia.

 

Mas um dia isto estará mais estável, pelo menos espero que assim seja, até para depois podermos dar os parabéns a quem fez o 25 de Abril, porque se a ideia foi boa, o que daí adveio é que foi uma consequência desastrosa.

 

“A entrega das ex-colónias foi precipitada e feita por azelhas”


P -Defende a manutenção dos princípios da Constituição de 1933?

 

Naquela altura estávamos a ser geridos por essa Constituição. Nós, como militares, o que é que nos compete? Defender o país. O que é que era o país? Lá dizia que Portugal era constituído por vários territórios. Tanto o Algarve como a Guiné ou Angola, naquela altura, eram partes integrantes do nosso país, compete ao exército e às forças armadas defender o seu país. Se concordo ou não com a manutenção das províncias ultramarinas ou com a independência? Como nós sabemos, esta entrega precipitada, e digo com consciência daquilo que estou a dizer, feita por meia dúzia de azelhas com muito poucos conhecimentos de política, deram cabo da entrega das províncias ultramarinas.

 

Eu ouvi um senhor, que era um ilustre professor que chegou cá e interrogado acerca da situação disse: “Entreguem já aos movimentos de libertação”. E devo dizer que por muita consideração que tenha pela intelectualidade desse senhor, isso que ele disse é um erro. Porque se naquela altura se entregasse o poder imediatamente aos movimentos de libertação nenhum dos que lá estava voltaria, eram todos fuzilados.

 

Quando depois se fizeram os Acordos de Alvor e outros que tais, para se entregarem os territórios, porque é que não se lembraram como é que a Inglaterra fez a entrega dos seus territórios? Eu não gosto dos ingleses, são arrogantes e petulantes, mas a verdade é que eles souberam integrar os antigos territórios como a África do Sul, ou a Índia, etc., na Commonwealth. E nós o que fizemos? Nada, absolutamente nada, eles fazem comércio com quem querem, com a China, com a Rússia ou Inglaterra, menos connosco.

 

Quem fez esses acordos devia-se ter assegurado em primeiro lugar em entregar, mas não podemos esquecer os 500 anos que lá passamos, ainda se hoje se pode ver o que lá fizemos. Os contactos foram mal feitos porque ninguém pensou que nós podíamos usufruir da nossa entrega dos territórios, beneficiando daquilo que eles têm para nos dar, para nos vender e nós para comprar. E agora vamos apanhar o comboio, depois destes anos todos? Eu acho que nem o Vagão J apanhamos porque já está tudo fora de controlo.

 

É a favor do apoio às antigas províncias?

 

Quem quer dar o apoio é o pessoal de cá, que está muito receoso por causa das crianças? Será que foram eles que pediram o apoio? Eu gosto muito das crianças, agora, se eles não nos pedem ajuda, será que nós temos que ser subservientes? Correram-nos de lá à batatada com mísseis e tudo o que havia, e nós saímos, mal ou bem tivemos que sair, e agora eles não nos pedem apoio, nós de cá é que queremos mandar ajuda para lá, e isso acho que é subserviência.

 

Olhando para trás, acha que a guerra podia ser ganha?

 

Eu acho que sim. Onde é que eram as zonas de combate? Claro que na Guiné era mais difícil porque mais ou menos todo o território andava envolvido. Mas em Angola estava absolutamente definido, não havia problema nenhum, o território de Angola, 14 vezes maior do que Portugal, tinha as guerras lá em cima, o resto estava tudo bem, não havia problema nenhum grave. Em Moçambique melhor ainda, o único sítio onde estava mal era nos Macondes, que eram um povo de guerreiros por natureza, o resto, no Niassa, onde eu estive durante dois anos, não tinha expressão, tinham era muitas minas.

 

O 25 de Abril devia ter sido mais cedo?

 

Devia, nós demos 13 anos ao poder político para resolver o problema, eles não fizeram nada. Então nessa altura os militares decidiram, vamo-nos envolver e resolver a situação. Aí já os políticos apareceram e os desertores também que bem os conheço. Não venham cá com as convicções políticas, um militar que anos atrás abraçou a carreira das armas voluntariamente e depois não quis ir para lá, porque aquilo lá não era propriamente andar a passear no Chiado. Ainda para mais se tivesse saído das forças armadas e integrado um partido político.

 

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