Trabalhos,
textos sobre operações militares ou livros

Manuel Cármine
Resende Ferreira
Alferes Mil.º
Companhia de Caçadores
2585
Batalhão de Caçadores 2884
«MAIS ALTO»
Guiné: 12Mai1969 > 26Fev1971

Manuel
Cármine Resende Ferreira, Alferes Mil.º.
Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 1
(RI1 - Amadora) para servir Portugal na Província
Ultramarina da Guiné integrado na Companhia de Caçadores
2585 do Batalhão de Caçadores 2884 «MAIS ALTO», no
período de 12 de Maio de 1969 a 26 de Fevereiro de 1971.
Texto:
«A Minha Guerra»
Fui mobilizado para a Guiné em Fevereiro de 1969.
Após a minha recruta como cadete na Escola Prática de Infantaria
em Mafra, de Julho a Setembro de 1968 (3º turno), foi-me
atribuída a especialidade de “Atirador de Artilharia”, por isso
fui “tirar” a especialidade em Vendas Novas, na Escola Prática
de Artilharia, de Outubro a Dezembro de 1968. Terminado o curso
fui
colocado nos Açores, no Regimento … (não me lembro o nome)
nos Arrifes, em Ponta Delgada, para onde segui em meados de
Janeiro de 1969, no navio “Angra do
Heroísmo”. Cerca de um mês depois de lá estar recebi ordem de
marcha para me apresentar no quartel do Pragal (Almada) para
fazer o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), a fim de
ser integrado no Batalhão de Caçadores 2884, que seguiria para a
Guiné. Como o transporte era escasso, esperei pelo próximo
barco, o FUNCHAL, que saiu de Ponta Delgada em 28 de Fevereiro
de 1969, dia do grande tremor de terra aqui no continente. Este
Batalhão era constituído pela Companhia de Comando e Serviço (CCS),
e pelas Companhias Operacionais 2584, 2585 e 2586. A minha seria
a Companhia de Caçadores 2585. Feito o IAO embarquei para a
Guiné a 7 de Maio de 1969, no paquete Niassa, onde cheguei a 12
do mesmo mês.
Após alguns dias em Bissau disfrutando daquele
calor intenso e húmido, o Batalhão foi para Pelundo (zona de
Teixeira Pinto), onde ficou sediada a Companhia CCS e a
Companhia Operacional 2586, tendo sido atribuído
o destacamento de “Jolmete” à minha Companhia 2585 e “Có” à
2584. No dia 17 de Maio chegamos a Jolmete, onde fomos recebidos
pela Companhia 2366 que nos esperava e íamos substituir. Nos
dias que estivemos em Bissau fomos informados pelo Governador e
Comandante-Chefe Sr. General Spínola, que a responsabilidade
da
nossa Companhia, a 2585, iria ser muito grande, pois íamos
substituir uma das melhores Companhias Operacionais da Guiné
(acção psicológica já a funcionar). Foi-nos dito que esta
Companhia, comandado pelo Sr. Capitão Barbeites, era considerada
uma das melhores companhias operacionais da Guiné, quer pelo seu
trabalho operacional, quer pela obra começada da construção do
quartel a partir do nada, e que nós (2585) soubemos continuar.
Chegamos na altura da transição do tempo seco para a época das
chuvas, que começava a 15 de Maio, e que de facto começou. Foi
uma sensação muito estranha, para quem não estava habituado,
chuva torrencial e calor ao mesmo tempo. Com as chuvas começava
a época da bicharada. Coisas que só compreende quem lá esteve …
A nível operacional, nos dez dias de sobreposição
de companhias, tudo correu bem. Saíamos em patrulhamentos com os
grupos de combate da companhia cessante, mas não íamos para
zonas perigosas. O interesse da 2366 era passar o testemunho da
melhor maneira possível, sem correr grandes riscos, pois a
“peluda” estava próxima. No dia em que a Companhia cessante se
foi embora, a 27 de Maio, começaram os nossos problemas com 2
mortos e vários feridos, não em combate, mas por acidente com
arma de fogo. Ao chegarmos ao quartel, depois da operação de
segurança e protecção à coluna auto que levou a 2366 para o
Pelundo, o soldado que transportava a BASUCA ao retirar a
granada da arma, talvez por deficiência da mola ou por descuido,
ela caiu pelo tubo, explodindo ao tocar no chão. Este foi o
primeiro contacto com a triste realidade das mortes e
evacuações. A partir deste dia, entregues a nós próprios,
começamos a fazer a nossa guerra. Fazendo uma retrospectiva devo
concluir que não nos demos muito mal com o sistema adoptado.
Saídas diárias evitaram flagelações ao quartel, que nunca
tivemos, todavia emboscadas no mato eram constantes. Nos 21
meses de mato a Companhia esteve 28 vezes debaixo de fogo, e eu
com o meu grupo de combate (4º Grupo) estive 22. Lembro
perfeitamente como se fosse hoje a primeira emboscado a sério em
que caímos. Emboscada em “U” em que nós entramos pelo centro.
Foi a 22 de Julho de 1969. Tivemos 2 mortos e vários feridos por
tiro de RPG 2 e respectivos estilhaços.
“HOMENAGEM”
Neste apontamento quero e tenho o dever de
salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos
do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, comandado inicialmente
pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada
pelo chefe da milícia, o célebre “DANDI”, mais tarde promovido a
Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com
boas referências da companhia anterior. Sempre que saíamos para
o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores
do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi natural do
Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata. Bom
guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em
emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o
mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a
missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados. Sinceramente
não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola
lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros?
Apesar do primeiro contacto a sério com o
inimigo, já referido atrás, com 2 mortos e alguns feridos, o dia
ou o facto que mais me marcou durante toda a comissão, e o fez
profundamente, foi a morte dos Oficiais do CAOP, os três Majores
e o meu colega Alferes Mosca (além dos outros três nativos) no
dia 20 de Abril de 1970, em prol da paz e do entendimento dos
povos do “Chão Manjaco”. O Alferes Joaquim João Palmeiro Mosca
pertencia à minha Companhia, 2585, pois era comandante do Pel.
Caç. Nat. 59 (já referenciado) que fazia parte da Companhia,
embora a rendição fosse individual. Em Set./Out. de 1969 o
Alferes Mosca foi convidado pelo CAOP em Teixeira Pinto, para
cuidar das plantações experimentais que se começavam a
desenvolver no Chão Manjaco, pois ele era Regente Agrícola de
formação. Como as suas qualidades para a “PSICO” eram boas, foi
convidado para colaborar nessa área com o Sr. Major Joaquim
Pereira da Silva, Oficial de Informações e Coordenador da Acção
Psicológica com as populações. Estas acções da “psico” deram
tantos frutos que praticamente de Novembro de 1969 a 20 de Abril
de 1970 (fatídico dia), não tínhamos contactos com o “IN”, nem
tínhamos autorização para abrir fogo em primeiro lugar, caso os
víssemos, tendo até havido alguns que se entregaram
voluntariamente. Sabíamos que o “IN” procedia exactamente como
nós, pois as ordens que tinham eram iguais. O Major Magalhães
Osório e o Major Passos Ramos estavam mais ligados à parte
operacional, como planeamento de operações conjuntas e afins e
que nos visitavam diariamente do ar, com a sua DO, a perguntar
se estava tudo bem, se era preciso alguma coisa, pois sabiam a
nossa posição exacta no mato. Estes dois Majores e o respectivo
comandante, Coronel Alcino, eram visita constante ao nosso
quartel em Jolmete. Como a Companhia estava empenhada na
construção de casas para a nossa população, composta quase
exclusivamente por militares do Pel. Caç. Nat. 59 e milícias,
com as respectivas famílias, foi uma época propícia à descoberta
e transporte de matéria prima para as obras: pedras, que eram
poucas e madeiras que íamos procurar junto ao rio Cacheu,
completamente à vontade e sem grande segurança. Na minha modesta
opinião e traduzindo os sentimentos da altura, perdemos ali, de
uma só vez, um conjunto de Oficiais único e inigualável. Mas
como dos fracos não reza a História, é por isso que ainda hoje
eles são falados …
Escusado será comentar que as tréguas que
existiam acabaram nesse dia. Nos meses que se seguiram até ao
fim do ano de 1970 tivemos uma actividade operacional muito
intensa. Felizmente não houve mais baixas. Passamos a pasta à
Companhia que nos sucedeu a C Caç 3306 em Fevereiro de 1971,
tendo regressado a Bissau para embarque. Após alguns dias de
atraso do “UIGE”, embarcamos a 26 de Fevereiro, tendo chegado ao
cais de Alcântara em 2 de Março de 1971.
Era
costume o Sr. General Spínola convidar para um jantar de
despedida com bate-papo os comandantes de Companhia (Capitães) e
um dos alferes de cada companhia antes do embarque de regresso.
Em relação à minha Companhia a 2585, O Sr. General fez questão
de convidar todos os alferes além do Capitão, como recompensa
pela actividade desenvolvida. Ainda me lembro que o prato foi
arroz de frango. Nessa altura já o Sr. General Spínola dizia que
a Guiné não tinha solução pela guerra. Manifestava muitas ideias
que mais tarde veio a publicar no seu livro “Portugal e o
Futuro”.

A bordo do Niassa, a caminho da
Guiné. O sentimento dominante era de expectativa

Operação de patrulhamento
comandada pelo nosso Capitão Tomaz da Costa, sentado ao centro.
Do seu lado esquerdo, em pé, Dandi, sempre equipado a rigor; à
sua esquerda, sentado, o Alf. Mosca

Atravessamento de uma bolanha à
chegada de uma operação. O nosso quartel estava rodeado por
bolanhas.

Recolha de
materiais, madeiras e pedras, para construção de
abrigos e casas para a população.

Recolha de
materiais, madeiras e pedras, para construção de
abrigos e casas para a população.

Recolha de
materiais, madeiras e pedras, para construção de
abrigos e casas para a população.

Eu com o Dandi,
que mais tarde foi promovido a capitão de Milícia