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Informações e imagens cedidas por um Veterano

 

 

Manel Mesquita

 

Manuel da Costa Mesquita, mobilizado pelo Regimento de Infantaria 16, em Évora, para servir no Comando Territorial Independente da Guiné, integrado na Companhia de Caçadores 2614, do  Batalhão de Caçadores 2892 "POUCOS QUANTO FORTES", no período de 28 de Outubro de 1969 a 6 de Setembro de 1971

 

Livro:

"Os Resistentes de Nhala: 1969-1971"

 

"Os Resistentes de Nhala: 1969-1971"

autor: Manel Mesquita

 

editor: Manuel da Costa Mesquita

tipografia: Quadra - Produções Gráficas

1ªed. 2005 (300 exemplares)

144 págs (ilustrado)

 

PREÂMBULO, escrito pelo autor (excertos):

 

«"Poucos Quanto Fortes" era a frase gravada no guião da bandeira da Companhia de Caçadores 2614.»

 

«Conseguimos amizades, solidariedade, humanidade, resistência e também lutar.»

 

«Nos confrontos, fomos capazes de cerrar os dentes para lutar. Então, é aí que estão os heróis!...»

 

«Quando o peso da missão nos vergava, encontramos alento no companheiro, nosso irmão de luta, afinal, irmão de todas as horas.»

 

PREFÁCIO (do Prof. Dr. Abel Couto)

"Os Resistentes de Nhala", no dizer do seu autor, registam, para a memória da Guerra do Ultramar, um punhado de "situações vividas e sofridas por um grupo de mais de uma centena de jovens que cumpriram o seu serviço militar obrigatório na então província da Guiné".

Habituados que estamos, devido a uma aprendizagem passiva e obediente, a ter a História por lição exemplar, aceitamos, no entanto, sem dificuldade de maior, uma interpretação moderna e corajosa de uma História parcial e parcelar. Parcial, porque sempre sujeita à "Lei" da subjectividade de quem escreve. Parcelar, porque, e parafraseando o saber popular - dos humildes, dos pobres, dos humilhados não reza a História.

Esses resistentes de Nhala são, pois, um modesto contributo para que a História seja menos parcelar e ainda um alerta à consciência nacional para o dever primário de reconhecer que, na guerra do ultramar, há um só herói: o Povo português.

Sem este trabalho de Manuel Mesquita, alguns nomes dessa gesta ultramarina passariam como se nunca tivessem existido. Que valeria um arquitecto que não encontrasse obreiros que transformassem os traços de projectos em templos ou palácios?

Nos "Resistentes de Nhala" há nomes que cumprem a lei complexa da condição humana. O Mário, por exemplo, sem alma para "moer" injustiças, enche o peito de coragem e, ao arrepio do protocolo militar, em público, expõe ao General Spínola o seu problema que prontamente é atendido.

O João Vasques, o Don Juan alentejano, que experimentará o amargo da desilusão amorosa, refugiando -se no álcool e no fumo.

O Manuel Pedro Martins, por alcunha "o Fugitivo", que, apesar da escassez do seu pénis, cultuou bem o deus Eros, maugrado a situação caricata que se relata no livro.

O Carinhas, sempre bem disposto e a abrilhantar os convívios com a voz de fadista.

Bráulio - o que não estava na guerra para matar e que, por vezes, tinha conversas sérias com Deus... É dele o sonho que toca o homem de boa vontade e até Deus que, mais do o que homem, poderá, se quiser, e com base nesse sonho, fazer da terra um lugar de fraternidade universal. A começar: a caserna tornar-se-ia escola; carros de combate, tractores agrícolas; metralhadoras, alfaias agrícolas; campos de batalha, searas; cada mina de guerra, fonte de água e de vida.

Uma palavra final para a escrita. Em "Os Resistentes de Nhala" não há lugar para retóricas, preciosismos de linguagem; todo o tecido morfossintáctico servido por pontuação lógica, é expressão de um conteúdo sério de mais para ludismos e academismos linguísticos.

Pelo seu todo, este livro de Manuel Mesquita não é mais um livro para estorvo de estantes, mas um que fazia falta a quem não se conforma que haja heróis e "vidas desperdiçadas", no dizer de José Saramago.

«Foi assim que encontrámos Nhala em 1969»

(legenda da foto na pág.51)

 

 

CAPÍTULO "DE BUBA A NHALA" (excertos das págs.69-71)

«- "Vamos sair da estrada e entrar em zonas desconhecidas. Já todos sabemos que aqui não há, nem pode haver divisas ou galões".

«Viramos à direita e entramos em mata densa e baixa, logo amanheceu. Caminhámos em fila única bem perto do outro. Com uma das mãos temos de afastar ramos e arbustos que teimam em fustigar-nos o rosto e tirar-nos a visão. Nota-se que na maior parte do percurso nunca aquilo terá sido caminho.

«Nova paragem: "Zona perigosa, ok?"

«Já nos tínhamos entendido quanto às laterais, eu controlava à direita e o Leitão à esquerda.

«De quando em vez, o capim substituía a savana, aí o calor é notório. Já vamos com duas horas de caminhada, quando fazemos nova paragem. Decido-me pela posição baixado. Não quero ser alvo. Os macacos fazem grande alarido. Alguns saguis vem para muito perto de nós e seguem à nossa frente fazendo trapezias e outra

macaquices. Vamos seguindo devagar. Nota-se um cheiro diferente. Sinto o coração bater forte, parece que estou com medo.

«Nova paragem. Quando paramos, reparo que nada mexe. Todas as atenções estão para lá daquele caminho, onde nada bole... Os minutos parecem horas, no solo as «formigas querem subir pelas minhas botas, tento sacudi-las, mas também não me posso desconcentrar: - "Se estas forem baga.baga, estou feito com as formigas."

«Caminhamos muito devagar, entrámos numa zona de savana muito densa, é quase escuro, caminhamos muito chegados ao outro, eu sou o último. Por vezes temos de caminhar de cócoras ou de joelhos, condições a que a floresta nos obriga. Vi sinais de pegadas no chão. É sinal de passagem muito recente e em sentido contrário ao que nós levávamos. Parei e baixei-me para ver em pormenor, era uma marca de pé descalço muitíssimo grande, comparei com os meus, quase dois, os dois dos meus é um dele. Nunca tinha visto, mas já me tinham contado.

«- "Passou por aqui há pouco o Nino Vieira, está visto que o Nuno anda por estas bandas". "A equipa do Nino Vieira não costuma a brincar em serviço", responde o colega da frente".

«Nova paragem à frente. Por gestos, o colega Leitão diz-me que quer urinar, pede-me para que troquemos as posições, fica ele em último.

«Nova mensagem: - "Os da frente estão parados na estrada nova".

«Recomeçamos.

«Há uma curta rajada de metralhadora do inimigo atrás de mim.

«Caio para o chão, não vejo o meu colega...

«Mais uma rajada e outra mais curta. Há balas a pouca altura do chão por cima da minha cabeça. Eu queria com a face e com o queixo fazer um buraco no chão, preciso esconder a cabeça bem para baixo. Mais uma rajada, vejo perfeitamente chamas que saiem das armas ligeiras.

«Fazem um zumbido sobre a minha cabeça que é aflitivo, cai-me uma folha e outra sobre a face, parece uma grande árvore. Não sei do Leitão, não posso disparar, senão... Com a face bem no chão, olho, e, o que vejo? Ali a quatro ou cinco metros, homens como eu com a metralhadora a disparar para nós, a fugir correndo de lado e gritando para nós.

«- "Filhos da p... Ide para Lisboa. África é dos africanos".

«Vem outro, corre igual, dispara e grita para nós e um outro imita os primeiros. Contei quatro ou cinco. Dois eram cubanos, um dos africanos bem preto, era muito grande, alto e largo, esse tinha uma camisa branca. Os dois cubanos envergavam um uniforme parecido com o nosso, mas mais castanho, um outro africano tinha uma veste escura.

«Passaram com muita velocidade, correndo de lado enquanto disparavam e gritavam para nos ofender.

«Onde estará o Leitão, será que foi agarrado pelos gajos e nem tempo teve de mijar e de gritar por socorro?

«- "Filhos da p... Macacos de Nhala, haveis de morrer todos vamos tratar de vós, ide para Lisboa".

«Mais uma rajada curta, depois outra e outra mais distante... ».

 

 

CANCIONEIRO DE "GUERRA" (versos do autor)

 

"ALDEIA FORMOSA"

 

Aldeia e as colunas a seguir

Para Buba com a malta

Sujeitos a ir para não vir

Com aquilo que nos falta

 

São emboscadas e minas,

Bolanhas e covazinhas

Viaturas rebocadas.

Deitaram-nos isto à sorte

De procuráramos a morte

Nestas tão reles estradas

 

Refrão:

Viaturas velhas, mesmo a cair

E, mesmo assim, a malta tem que seguir

São tristes chaços, em procissão

Andam mecânicos com as chaves de mão em mão

 

(música inspirada em "Bairro Alto e seus amores tão delicados", de Fernando Carvalhinho)

 

 

"ADEUS ALDEIA FORMOSA"

 

Adeus, Aldeia Formosa mas feia

Com turras a atacar,

Adeus, Aldeia, que eu levo na ideia

De não mais cá voltar.

 

Despedi-me das bolanhas sem igual

Das bajudas da Tabanca

Dos alfaiates do rio Corubal

Antes quero a minha branca.

 

Ai, ai, ai

Não me importo de ir à toa

O que eu quero é ver Lisboa

E a terra que eu cá sei.

 

Ai, ai, ai

Já deixei as matacanhas

Pântanos e montanhas

E a Nhala que eu amei.

 

(música inspirada na canção do filme "Maria Papoila")

 

 

NOTAS (do autor)

 

Bolanha - Terreno plano e impermeável, cuja retenção das águas das chuvas ocasionava que vários trilhos ficassem submersos durante tempo indeterminado e que, por obrigatoriedade operacional, era preciso percorrer. Os guias africanos sabiam que aquelas pela sua fundura eram transitáveis, mesmo assim, alguns combatentes mais baixos por vezes eram elevados sob pena de progredirem debaixo de água...

 

Turra - Inimigo

 

Bajudas - Raparigas, Moças, Meninas.

 

Tabanca - Povoação, casas

 

Alfaites - Crocodilos

 

Corubal - Rio fronteiriço e traiçoeiro em determinados trechos com a Guiné Conackri, palco de diversos acidentes graves por afogamento de combatentes, (meia centena +/-), em Madina do Boé e Saltinho, etc.

 

Matacanhas - Pulgões (Siphonaptera) que se introduziam nas unhas e pele fina entre os dedos, provocando dores enormes, inibindo a progressão do combatente.

 

Aldeia Formosa, Buba e Nhala - Povoações nativas, com dispositivos militares, por questões de estratégia e logística.

 

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