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Manuel Pedro Dias 

ex-Furriel Miliciano

 

Companhia de Caçadores 1559

 

Batalhão de Caçadores 1891

 

Moçambique 1966/1968

 

Contactos: Telemóvel: 914 631 055  E-mail: mpdias@netcabo.pt

 

Trabalhos e Livros

"CONJUGANDO…"

Ainda não há muito tempo um amigo, de outra geração que não a nossa, dizia-nos, com uma certa e justificada perplexidade, como é que foi possível arranjar assunto para preencher, ao longo de 7 edições regulares, as rubricas que constituem a revista O BATALHÃO.

Disse também se, por vezes, não teríamos que inventar histórias para encher aqueles espaços.

Satisfizemos a sua curiosidade dizendo-lhe que se em vez de 7 fossem 70 as edições  de O BATALHÃO, haveria na mesma , sem dúvida alguma,  matéria  suficiente  para manter activa esta publicação.

Relembrámos,  ainda,  que em  cada dia  que passava durante a vida militar de qualquer um de nós, e  foram 1.200, acontecia sempre algo diferente digno  de registo  que não tinha que ser, forçosamente,  acontecimento bélico.

É sabido,  que à margem do sofrimento e das contrariedades  inerentes  a quem  participa numa guerra, acontecem sempre  episódios  agradáveis  e pitorescos  que, pela sua natureza,  nunca mais se esquecem.

Aquele amigo ouvia-nos com atenção,  embora seja raro para um ex-combatente encontrar receptividade quando recorda  os tempos então vividos.

Por isso e para justificar o que afirmávamos, dissemos:

- Queres ouvir esta que me ocorreu neste momento!

- Vamos a isto. - Respondeu com entusiasmo.

****

A nossa Companhia, a 1559, encontrava-se de novo no Molumbo após 11 meses de “estadia” no Niassa em zona de intervenção.

Para manter a região devidamente vigiada, encontravam-se sempre em actividade várias secções que assentavam destacamento, durante 5 dias, em pontos estratégicos previamente designados.

Regra geral, comandávamos sempre  a Secção (o Alferes comandava uma outra) que era constituída por 9 homens, melhor dizendo, 9 amigos. Na verdade, nunca tivemos com algum  o mínimo  problema. Éramos uma família.

Numa dessas  saídas para a região de Cazimbe,   num  final de certa  manhã, após o regresso duma  patrulha de rotina pelos arredores do destacamento, resolvemos jogar  uma “suecada” para “matar o tempo”,  tendo eu e o Zé Pires como adversários o “Beringel”  e o “António”.

O “António” era  aquela figura a quem se podia chamar de Alentejano característico . Bom rapaz, sem dúvida.

 É sobre este camarada,  cujo  nome é fictício, por razões evidentes, que recai a nossa história.

Aquele amigo, no seu modo de falar,  dentro da “pureza” do seu analfabetismo quando conjugava os verbos  terminados em ar,  na 1.ª pessoa do singular do pretérito perfeito,  alterava sempre  o ditongo final  transformando-o  na vogal i, por exemplo: em vez de dizer  cantei dizia canti ou  trabalhei, trabalhi etc.

Entretanto, a certa altura da nossa suecada, não reparando que o “António” já tinha jogado, disse-lhe:

- Então rapaz, quando é que joga. Está a dormir !!

O nosso amigo olha para mim com aquele olhar calmo que caracteriza um verdadeiro alentejano,  e diz:

- “bolas” meu furriel, já “JOGUI” há que tempos.

Fiz uma pausa  no jogo e, simpaticamente com objectivos didácticos,   chamei-lhe   a atenção, como já o tinha feito outras vezes:

- Já estou farto de lhe dizer que não é jogui mas sim joguei.

- “Tá” bem meu furriel! Nunca mais me vou esquecer, está a ouvir!!

O jogo, entretanto, é interrompido pois o “Marinheiro”, nosso cozinheiro “mor”, chama-nos para o almoço.

A sombra dum  velho e gigantesco  embondeiro  servia-nos de sala de jantar.

Findo o “repasto”,  o nosso cozinheiro alerta para a necessidade de ir à lenha para o jantar, pois sem ela não havia confecção de comida para ninguém.

Ouvida a mensagem, lancei o alerta de “voluntariado” como sempre o fizera:

Rapaziada, quem já comeu  salta para o Unimog  para irmos à lenha.

O “António” levanta-se, pousa a marmita, com calma,  em cima do “jerrican”, (recipiente  para transportar gasolina)  que lhe serviu de mesa,  fita-me com ar seguro,  como que a dizer: deixa lá furriel que desta vez não me apanhas, e remata com firmeza:

- Meu furriel podemos ir embora que eu já  “COMEI” .

Breves fracções de segundo foram suficientes para me dar o discernimento necessário de não o emendar nem troçar da sua afirmação. Como iria ele entender que, regra geral, os verbos terminados em er  no pretérito perfeito da 1.ª pessoa do singular  terminavam em i e não em ei . Aliás, eu até podia correr o risco de o “feitiço se virar contra o feiticeiro” e ser chamado mesmo à atenção pelo amigo “António”:

- Então em que é que ficamos. É ei ou i

P.S. Amigo “António”, à distância de três décadas, visto não o ter feito na altura ,  quero dar-te os parabéns pela singeleza lógica do teu raciocínio.

Há tempos procurei-te para te dar um abraço. Foi em vão a procura pois não te encontri. Desculpem, queria dizer encontrei.

Manuel Pedro Dias

 

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