Trabalhos, textos sobre a Guerra do
Ultramar ou livros
Sousa de Castro, da
CArt3494/BArt3873
 Paula
Oliveira da Cruz e
Osvaldo Pereira da Cruz
Paula Oliveira da Cruz, filha do veterano
Osvaldo Pereira da Cruz, 1.º Cabo Radiotelegrafista.
Osvaldo Pereira da Cruz, mobilizado em
rendição individual para servir na província ultramarina
portuguesa da Guiné integrado na Companhia de
Transmissões, no período de 1969 a 1971.
Além do veterano Osvaldo Pereira da Cruz,
estiveram na Guerra do Ultramar, mais três irmãos:
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José Pereira da Cruz
Furriel Mil.º
Operador Cripto, mobilizado pelo
Batalhão de Caçadores 10
(BC10-Chaves)para servir na
província ultramarina portuguesa de
Moçambique, integrado na
CCac2555/BCac2881, no período de
1969 a 1971. |
Paulo Pereira da Cruz
Furriel Mil.º,
mobilizado em rendição individual
para servir na província ultramarina
portuguesa da Guiné, integrado num
Pelotão de Caçadores do recrutamento
local, no período de 1970 a 1972.
Faleceu há mais de 30 anos por
afogamento no Rio Lima, no Barco do
Porto, em Cardielos, Viana do
Castelo. |
Domingos Pereira da
Cruz
Rádio Montador,
mobilizado em rendição individual
para servir na província ultramarina
de Angola, no período de 1973 a 1974
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"Memórias do
Leste da Guiné que nunca vão deixar de o ser!"
autor: Osvaldo Pereira da Cruz
«Pai,
esta foi, porventura, a história de Natal
mais bonita que me contaste. Talvez não te
lembres de a ter escrito no projeto Sénior+,
mas eu guardei-a para ti.»
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Síntese:
«Para
dar um abraço ao irmão que ia chegar à Guiné
para cumprir a sua comissão ao serviço do
Estado Português, inventou problemas
dentários para conseguir consulta e
deslocar-se a Bissau, ficou sem dois dentes
mas passou o Natal de 1970 com o irmão
Paulo. Valeu a pena! História que sua filha
Paula Oliveira da Cruz fez questão de a
recordar e partilhar.»
Sousa de Castro
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Memórias na primeira pessoa:

Tenho 68 anos, trabalhei nos Estaleiros
Navais de Viana do Castelo (era serralheiro
Mecânico).
Fui para a tropa e daí para a guerra
Colonial na Guiné em rendição individual,
fui 1.º cabo Radiotelegrafista tinha 21
anos.
Pertenci à Companhia de Transmissões sediada
em Bissau no Quartel General, passei por
Teixeira Pinto, Farim e completei a maior
parte da comissão em Piche (15 meses, zona
Leste da Guiné, no STM (Serviço Postal
Militar) adido à CCS do BART2857.
Foi muito duro para os meus pais pois
estivemos na guerra ao mesmo tempo 4 irmãos,
2 na Guiné 1 em Moçambique e outro em
Angola.
Estava na GUERRA COLONIAL da GUINÉ, e como
tinha ido em rendição individual, passei por
Teixeira Pinto por Farim acabando por me
fixar em Piche onde estive quinze meses.
Piche era uma zona do mato, no leste da
Guiné. Como era uma zona das mais flageladas
pelos ataques do P.A.I.G.C, não era fácil
uma deslocação a Bissau onde acima de tudo
se respirava um pouco melhor aquele ambiente
de guerra. Acontece, porém, que eu recebo um
aerograma dos meus pais onde me diziam que
meu irmão Paulo, tinha sido mobilizado e
iria embarcar também para a Guiné. Fiquei
muito surpreendido, e eis que chega novo
aerograma do meu irmão onde me diz a data em
que embarcaria em Lisboa directo à Guiné. Eu
era radiotelegrafista, e a partir desta
notícia desdobrei-me para saber quando
chegava o navio a Bissau pois gostava muito
de dar um abraço ao meu irmão, naquela hora
da chegada. Então comecei a pensar o que
fazer para vir a Bissau, pensa que pensa, e
eis que surge uma ideia! Fui falar com um
sargento- ajudante, com quem tinha já alguma
amizade, e que eu sabia que me poderia
ajudar. Contei-lhe a minha pretensão ao que
ele me diz: “ Tu és maluco, tu nem as
pensas!”. Fiquei triste, mas não saí dali.
Então ele diz-me:“ olha lá os teus dentes
estão bons ou tens algum avariado?” Eu tinha
dois dentes atrás que estavam mais ou menos,
mas estavam a cariar. Respondi: “tenho um
que volta e meia não o suporto com dores.”
“Ora bem”, diz ele, “sendo assim eu vou
falar com o médico para ver se ele ajuda
nisto”. O médico era meu amigo e antes que o
sargento falasse com ele falei eu primeiro,
onde ele me diz: “Ó Cruz por mim não sou
problema, deixa-o vir”. No dia seguinte sou
chamado ao comandante. Quando chego diz-me o
comandante então queres ir à consulta do
dentista no hospital militar? Eu respondi
afirmativamente e, olhando para a secretária
dele, vejo a guia de marcha para eu ir para
Bissau no primeiro meio aéreo que
aparecesse. Entretanto ele pega nos papéis
assina põe o carimbo e manda enviar uma
mensagem para marcar a consulta. Manda-me
sair e esperar por notícias.
Eu
via o tempo a passar e nada de notícias, até
que chega finalmente a confirmação da
consulta e o meu amigo sargento mandou-me
chamar. Fui a correr onde ele me diz; só
falta o avião, o resto já cá está.
Entretanto chega uma mensagem dizendo que um
avião DAKOTA chegaria naquele dia e que
trazia reabastecimentos. O sargento diz-me:
“é pá parece que estás com sorte. Vou ver se
o Dakota te leva, aguarda”. Lá viemos para o
posto de rádio para comunicar com a Força
Aérea para confirmarem a boleia o que
aconteceu. Fiquei muito contente e lá vim
para Bissau. Quando cheguei apresentei-me na
companhia de transmissões para me darem
alojamento e alimentação. Como ainda
faltavam oito dias para a consulta,
puseram-me a trabalhar no posto de rádio do
Quartel-general.
Dali a dois dias chegava o navio que trazia
meu irmão. Como para entrar no cais era
preciso uma credencial, fui pedi-la à
secretaria e aí não houve problemas, pois
fui com o condutor da carrinha de
Transmissões que tinha livre-trânsito. Já no
cais, eis que o navio que já fazia manobras
para desembarcar o pessoal é vedado pela
Polícia Militar, e não deixam ninguém
contactar com os militares que chegavam, e
estes são metidos em camiões directo ao
Quartel Geral de Adidos que ficava a uns 16
KM. Lá pedi ao condutor e este levou-me aos
Adidos. O condutor deixou-me ficar, mas
também nos adidos não era fácil chegar ao
contacto com os que chegavam e que estavam a
ser encaminhados para os diferentes
quartéis. Já estava desesperado e vejo
aquela cabecita a olhar para todo o lado,
não à minha procura porque ele não sabia que
eu estava ali, mas porque tudo era diferente
para ele a partir daquele momento. Eu
gritei: “PAULO! PAULO!” e ele ouviu-me saiu
da fila e com as lágrimas nos olhos veio
dar-me um abraço. Como ele já sabia que iam
ser alojados temporariamente no
Quartel-general. E eu tinha que vir para
entrar de turno despedi-me e disse-lhe que o
procurava em Bissau. Lá arranjei boleia, o
que era fácil, e vim para o Quartel. Ainda
não tinha terminado o turno e chega um
colega meu que me diz: “Cruz, está lá fora
um periquito à tua procura.”
Pedi-lhe que terminasse o turno por mim,
depois de lhe dizer que o periquito era meu
irmão que tinha chegado naquele dia. Fomos
beber uma cerveja na cantina, pois o calor
assim o impunha, conversamos para saber
notícias e decidimos ir jantar num
restaurante em Bissau.
Fui-me vestir com roupa civil e lá viemos
para a cidade que ficava a uns 4KM. Foi uma
noite diferente. Depois todos os dias nos
encontrávamos, até que chegou a consulta.
Chegado ao Hospital lá sou encaminhado para
uma fila com mais de dez pessoas. Chega o
enfermeiro faz a chamada e de seguida sem
ser visto pelo medico que era um oficial da
Marinha, começa a dar anestesia a todos que
ali estavam. Já não sentia a cara quando sou
chamado, o médico manda-me deitar na cadeira
e pergunta “qual era o dente?” Eu não sabia
fala, pois não sentia a cara. Abri a boca,
ele olha toca no dente mais estragado e
arrancou-o. Meteu uma gaze no buraco olha de
novo e diz; o melhor é tirar aquele também
que já não te vai chatear mais. E vai daí
fiquei com menos dois dentes.
Entretanto trago a alta do médico onde dizia
que podia voltar à minha unidade. Faltavam
mais ou menos três semanas para o Natal, mas
o transporte era difícil e aí eu já não
tinha muita pressa. Chegou o Natal e, nem eu
nem o meu irmão, tínhamos ainda transporte
para os destinos. Então foi muito bom porque
passamos junto o Natal de 1970. Passados uns
dias sou chamado e fui de volta para Piche
onde os meus camaradas de transmissões me
esperavam, pois já estavam só os dois há
mais de um mês e como o era de 24 horas por
dia, cada um trabalhava doze horas por dia.
Passado um mês sou mandado para Bissau, pois
tinha terminado a comissão e aguardava por
transporte para a Metrópole. Assim era
chamado o nosso Portugal. Em Abril de 1971
regressei com menos dois dentes, mas com
grande alegria porque tinha ido receber o
meu saudoso irmão.
Osvaldo Cruz
ex. 1.ºcabo radiotelegrafista Guiné-Piche
1969/71
Dezembro 2015
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