
Paulo Bandeira Faria
Paulo Bandeira Faria, nasceu em Viseu, no
dia 7 de Julho de 1963.
Em criança, acompanhou o pai, militar de
carreira, a Moçambique e Angola.
Estudou em Coimbra e viajou por vários
continentes, algo fundamental na sua formação como
escritor e pintor.
Faleceu em Dezembro de 2013
O livro
"As sete estradinhas
de Catete"

título: "As sete estradinhas de Catete"
autor: Paulo Bandeira Faria
editor: Quidnovi
1ªed. Porto, 2007
365 págs
preço: 16,65 €
ISBN: 972-8998-64-6
assunto: Angola, 1971-1974
A primeira sensação, ao nos aproximarmos deste livro, é
de uma certa leveza: as personagens em pose pacífica
para uma objectiva, em frente de um autocarro, sorriem a
calma da infância, cheia de todos os sonhos possíveis. O
próprio título parece querer transportar-nos para um
qualquer lugar idílico, há muito abandonado, mas que nós
acreditamos ainda poder recuperar, as sete estradinhas
de Catete.
No entanto, chegamos à página 207 e encontramos isto:

"Contudo, também neste grupo os do terceiro ano não
perdem muito tempo: acabam de descobrir a cereja do
divertimento: um caloiro, sim, mas preto! - A este vamos
fazer-lhe as sete estradinhas de Catete! - gritam uns. -
Não nos escapas, nharro! - atiram outros. [...]
Atiram-no ao chão e, para que se acalme, dão-lhe
biqueiradas. Quando o lábio aparece cortado, sentam-no,
mantendo sempre bem seguros os braços, pois já se serviu
deles para distribuir uns bons murros. Então, a tesoura
entra em acção e, partindo de uma clareira no alto da
cabeça, vão fazendo sete carreirinhos [...]".
Para bem da verdade, não era preciso esperar tanto.
Desde a primeira frase que este romance não engana ao
que vai: violência. Não é uma violência qualquer, é toda
a violência da vida, pelos olhos de uma criança que vai
deixar de o ser para no-la contar.
Enquanto avançamos no livro, sentimos cada vez mais o
objectivo do autor - toda a verdade deve ser revelada,
toda a verdade deve ser colocada perante os olhos de
quem lê. E então nada aqui é contado, como se fosse uma
história, como se fosse uma ficção – é-nos colocado
perante os olhos, de uma forma crua e inocente, dura e
complacente, como só o sabe fazer esta criança,
Guilherme, filho de um capitão da Força Aérea, um
militar consciente da fragilidade da situação em que se
encontra Angola no período em que decorre a acção –
entre os anos de 1971 e 1974.
Digo que desde o início está latente a violência dos
acontecimentos desta narrativa, mas mais uma vez, há
qualquer coisa de idílico no cenário: os pais de
Guilherme são um jovem casal que vagueia pelas colónias
ao sabor das missões do pai, um militar que, pela sua
posição, mantém (pelo menos na aparência) as mãos
limpas. Guilherme é um aluno razoável, à procura da sua
afirmação entre os amigos (que desde cedo se vai fazendo
ao soco e com asneiras, ao contrário do que poderia
esperar a sua mãe, professora na Missão).
A situação está aparentemente controlada, aparentemente,
apenas. Tudo se vai desmoronar a partir do exacto
momento em que a narrativa começa. Guilherme começa a
revelar demasiada rebeldia, o casamento dos pais entra
em deriva e todo o país pega fogo.
Se ainda não sabe o que era ser preto em Angola antes da
Revolução, se ainda não sabe o que é ser português, se
ainda não sabe dos limites do ser humano, em "As Sete
Estradinhas de Catete" vai presenciá-lo da forma mais
violenta: tendo tudo isso escancarado perante os seus
olhos.
Esta narrativa é uma experiência emocional fortíssima e
Paulo Bandeira Faria surpreende-nos com a sua qualidade
técnica ao manter ao longo das 365 páginas do seu livro
um elevado ritmo nas frases e na forma como emprega
sabiamente o discurso, de maneira a nos revelar sempre
bem perto dos olhos (sempre demasiado perto), o que é
preciso sentir e viver durante a experiência de leitura
desta obra.
Se o tempo nos permite começar a olhar este período
histórico como pertencente a uma experiência colectiva
que merece ser pensada e explorada, nada nos poderia
preparar para uma estreia desta qualidade.
"As Sete Estradinhas de Catete" é um romance que não
pode passar ao lado de quem se queixa que não existem
bons romancistas portugueses.
E também prova como a História de Portugal nos pode
servir de argumento suficiente para um romance de
primeiríssima qualidade.
in:
http://ab4especialistas.blogspot.pt/2010/02/um-livro-que-se-recomenda.html