Trabalhos, textos sobre a Guerra do
Ultramar ou livros
Elementos cedidos por um Veterano
Furriel Mil.º Sapador, n.º 19217268
Companhia de Comando e Serviços
Batalhão de Artilharia
2901
Moçambique: 17Fev1970
a Mar 1972
António Manuel Rodrigues Soares,
nasceu no dia 16 de Maio de 1947 em Penacova.
Em 1968 foi incorporado sob o n/m 19217268 na Escola
Prática de Cavalaria (EPC – Santarém) «MENS AGITAT
MOLEM», de onde veio a ser transferido para o Centro
de
Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria (CISMI –
Tavira) «E DO MAIS NECESSÁRIO VOS PROVEJA» a fim de
concluir o Curso de Sargentos Milicianos (CSM);
Em 1969 colocado na Escola Prática de Engenharia (EPE -
Tancos) «UBIQUE DOCERE ET PUGNARE», para frequentar a
especialidade de sapador de minas e armadilhas, finda a
qual foi enviado para o Batalhão de Caçadores 3 (BC3 -
Bragança) «VALOR E LEALDADE»;
Em 17 de Fevereiro de 1970 desembarcou finalmente em
Mocímboa da Praia, seguindo em coluna-auto para
Nangololo a fim de render o Batalhão de Caçadores 2862
(BCac2862) «NOBREZA NO DEVER»;
Em Fevereiro de 1971 acompanhou o seu batalhão na
transferência para Montepuez;
Na 1ª semana de Março de 1972 regressou à Metrópole em
vôo TAM 'Boeing-707'.
Título: "A guerra na picada"
Autor: Rodrigues Soares
Colecção: Viagens na Ficção
Páginas: 496
Data de publicação: Junho de 2014
Género: Narrativa
Preço: 17,00 €
ISBN: 978-989-51-1343-9
Excerto:
- «Junto do ferido, com intenção de animá-lo, fui
incapaz de lhe dizer o que quer que fosse. Fiquei
prostrado diante dele, trocando olhares, linguagem de
dor e de sofrimento, com as lágrimas a correrem-nos pela
face. Um tremendo nó apertava-me a garganta. Não devia
chorar e, no entanto, era só isso que podia fazer.»
Introdução:
Passadas quatro décadas, por que razão só
agora vem à tona esta narrativa? —
Poder-se-á perguntar.
Tal como todos nós, também a escrita precisa
de um tempo para amadurecer, tempo
desmesurado que, para quem, como eu, não
nasceu talhado para a lide, parece ainda
mais longo.
Numa pequena agenda, comecei por registar os
acontecimentos mais importantes desde que
entrei para o serviço militar, em janeiro de
1969.
Em
1977, o Diário de Notícias desafiou os
leitores a escreverem sobre o tema:
"Aconteceu na minha vida". O mote
ressuscitou-me a ideia de escrever sobre a
guerra. Nas semanas seguintes deitei mãos à
obra, reproduzindo as imagens que me
trespassavam a mente com uma precisão
impressionante. Por fim, lá enviei as 50
páginas datilografadas a dois espaços, o
máximo que era permitido apresentar a
concurso. E aguardei pelo resultado, sem
grande expectativa, diga-se em abono da
verdade.
Depois de enviar o texto para o jornal,
dei-me ao trabalho de o reler várias vezes.
No final de cada leitura resultava a mesma
conclusão: a limitação das 50 páginas
obrigou-me a resumir situações, a deixar
pormenores importantes por contar. Apesar de
me saber sem veia para grandes floreados
estilísticos, estava decidido a reescrever a
narrativa.
Fiquei surpreendido quando, semanas depois,
me comunicaram que o júri tinha classificado
"Quem foi à Guerra" em primeiro lugar. O
prémio de vinte contos, devo confessá-lo,
fez-me esfregar as mãos de contente; às
finanças familiares, então com ordenados em
atraso, deu um jeitão.
Em
agosto do mesmo ano, o jornal começou a
publicar a narrativa em rodapé, ao jeito de
folhetim, com uma chamada de atenção na
primeira página. Fiquei então a saber a
opinião do júri, constituído pelos
escritores Augusto Abelaira, João Gaspar
Simões, Maria Judite Navarro, pelo diretor
do jornal, João Gomes, e pelo jornalista e
crítico literário, Diogo Pires Aurélio.
O
escritor Augusto Abelaira, na sua declaração
de voto, fez questão de deixar expresso:
"Pessoalmente, choca-me que o autor,
referindo-se aos patriotas moçambicanos, os
acuse de cobardia por causa do tipo de luta
que impunham às tropas portuguesas, mas
compreendo que quem assiste à morte e ao
sofrimento dos camaradas dificilmente seja
capaz de uma visão serena e equilibrada. De
qualquer modo, penso que merece o primeiro
prémio."
Recebi algumas cartas de incentivo, bem como
um cartão do José Vaz, companheiro de
jornada, dizendo: "E... Vamos ao livro." De
um emigrante em França veio a exceção. E que
exceção! Fez saber na sua carta que combateu
em Angola e por lá derramou sangue e suor.
Para depois, sem mais delongas, afirmar:
"... Só me lamento e me revolto por esse
sangue e suor que lá derramei estar a ser
sugado pelos soviéticos e cubanos. "
Terminou apelidando-me "... traidor,
cobarde, indigno... "
Deu-me que pensar a posição extremada desse
senhor, a par da crítica do escritor Augusto
Abelaira, não tanto pelas posições
assumidas, mas sobretudo pela convicção que
me ficou de quão controversa e polémica era
a questão da guerra colonial. Decidi, por
isso, deixar passar o tempo. O
distanciamento traria a tal "visão serena e
equilibrada" de que todos beneficiaríamos.
Mas não tardei em deitar de novo mãos à obra
e reescrever a narrativa. No final, não lhe
reconheci mérito para poder ambicionar vê-la
publicada. Desde a década de oitenta que o
ficheiro salta de computador para
computador, sem que eu resolvesse dar-lhe a
volta, burilar as suas arestas mais
agrestes.
Finalmente, decidi pôr um ponto final nesta
saga. Com uma única preocupação: não
escamotear a verdade.
Nestas quatro décadas, muita coisa se tem
dito e escrito sobre a guerra colonial,
especialmente do ponto de vista político.
Livros, vídeos, fotografias e depoimentos
procuram fazer luz sobre um período negro e
conturbado da nossa história coletiva. Esta
narrativa pretende apenas ser mais uma
pequena e humilde achega.
Da
guerra não guardo ódio nem saudade. Todavia,
passados mais de quarenta anos, ela continua
viva na minha memória, não se desvanece. Vai
morrer comigo, pressinto.
Não fui guerreiro. Muito menos herói. Fui um
entre muitos milhares de portugueses que se
limitaram a cumprir um dever que lhes foi
imposto.
Este livro é também uma singela homenagem a
todos aqueles que viveram a dolorosa
experiência da guerra colonial,
especialmente aos meus companheiros do
Batalhão de Artilharia 2901.
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