Imagens e 
						restantes elementos cedidos por um
						Veterano
						
						Rui Neves da Silva
						
						 
						
						
						 Rui 
						Neves da Silva, nasceu em 1938 em Espinho: no início da 
						década de 1960 fez o COM na EPA (Vendas Novas), onde 
						teve como instrutor o (então) tenente de artilharia 
						Gabriel Augusto do Espírito Santo; depois conheceu no 
						RAL1-Sacavém, o (então) alferes de artilharia Ernesto 
						Augusto de Melo Antunes; em Jul70, tenente miliciano na 
						disponibilidade, foi novamente chamado às fileiras, para 
						fazer o CPC na EPI-Mafra; no início de 1971, oficial do 
						QEO do Exército, foi mobilizado pelo BC10-Chaves e 
						formou uma subunidade de infantaria, com destino ao 
						reforço da guarnição normal da RMA; em 15Mai71 embarcou 
						no NTT "Vera Cruz" rumo a Luanda, como capitão miliciano 
						comandante da CCac3370; após desembarque seguiu para o 
						sudoeste de Angola, aquartelando em Gago Coutinho (onde 
						reencontrou Melo Antunes capitão comandante de uma 
						subunidade de artilharia, e conheceu o alferes miliciano 
						Lobo Antunes, médico de um batalhão ali estacionado); em 
						Mar72 foi com a sua subunidade transferido para o 
						noroeste (onde reencontrou Melo Antunes, recém-promovido 
						a major), e ficou aquartelado sucessivamente no Quelo e 
						em Madimba; em Abr73, após intensa actividade 
						operacional, regressou, sem baixas de nota na sua 
						subunidade; faleceu em 24Out2009, em Lisboa).
Rui 
						Neves da Silva, nasceu em 1938 em Espinho: no início da 
						década de 1960 fez o COM na EPA (Vendas Novas), onde 
						teve como instrutor o (então) tenente de artilharia 
						Gabriel Augusto do Espírito Santo; depois conheceu no 
						RAL1-Sacavém, o (então) alferes de artilharia Ernesto 
						Augusto de Melo Antunes; em Jul70, tenente miliciano na 
						disponibilidade, foi novamente chamado às fileiras, para 
						fazer o CPC na EPI-Mafra; no início de 1971, oficial do 
						QEO do Exército, foi mobilizado pelo BC10-Chaves e 
						formou uma subunidade de infantaria, com destino ao 
						reforço da guarnição normal da RMA; em 15Mai71 embarcou 
						no NTT "Vera Cruz" rumo a Luanda, como capitão miliciano 
						comandante da CCac3370; após desembarque seguiu para o 
						sudoeste de Angola, aquartelando em Gago Coutinho (onde 
						reencontrou Melo Antunes capitão comandante de uma 
						subunidade de artilharia, e conheceu o alferes miliciano 
						Lobo Antunes, médico de um batalhão ali estacionado); em 
						Mar72 foi com a sua subunidade transferido para o 
						noroeste (onde reencontrou Melo Antunes, recém-promovido 
						a major), e ficou aquartelado sucessivamente no Quelo e 
						em Madimba; em Abr73, após intensa actividade 
						operacional, regressou, sem baixas de nota na sua 
						subunidade; faleceu em 24Out2009, em Lisboa).
						
						 O 
						seu primeiro contacto com a arte literária ocorreu em 
						1958, quando, com 18 anos publicou clandestinamente um 
						opúsculo onde, em oitavas de incipiente verso heróico, 
						criticou o establishment na instituição de ensino que 
						então frequentava. Com uma formação académica superior 
						ligada à contabilidade e à economia das empresas, a sua 
						carreira profissional desenvolveu-se no âmbito da 
						auditoria financeira e revisão legal das contas. Após o 
						casamento, e dada a necessidade de complementar o 
						ordenado que auferia como júnior de auditoria numa 
						empresa britânica da especialidade a operar em Portugal, 
						Rui Neves da Silva traduziu, ou escreveu sob pseudónimos 
						diversos, para a extinta Agência Portuguesa de Revistas, 
						dezenas de livros que ele próprio desde sempre 
						caracterizou como literatura de sobrevivência.
O 
						seu primeiro contacto com a arte literária ocorreu em 
						1958, quando, com 18 anos publicou clandestinamente um 
						opúsculo onde, em oitavas de incipiente verso heróico, 
						criticou o establishment na instituição de ensino que 
						então frequentava. Com uma formação académica superior 
						ligada à contabilidade e à economia das empresas, a sua 
						carreira profissional desenvolveu-se no âmbito da 
						auditoria financeira e revisão legal das contas. Após o 
						casamento, e dada a necessidade de complementar o 
						ordenado que auferia como júnior de auditoria numa 
						empresa britânica da especialidade a operar em Portugal, 
						Rui Neves da Silva traduziu, ou escreveu sob pseudónimos 
						diversos, para a extinta Agência Portuguesa de Revistas, 
						dezenas de livros que ele próprio desde sempre 
						caracterizou como literatura de sobrevivência.
						A primeira ingressão séria no mundo literário deu-se em 
						2007, com a publicação de - Milicianos, Os Peões das 
						Nicas - obra em que nos deu a sua versão, em parte 
						alicerçada no conhecimento presencial dos acontecimentos 
						e na sua experiência pessoal, do verdadeiro papel dos 
						capitães milicianos na guerra do Ultramar e apresentou o 
						seu ponto de vista sobre as verdadeiras razões que 
						motivaram os militares de carreira a desencadear o golpe 
						militar que derrubou o Governo, em 25 de Abril de 1974.
						Embora a vida militar o atraísse e no seio da família 
						castrense tivesse os seus ícones (Ernesto Melo Antunes, 
						de quem foi camarada no RAL1 e confidente dos seus já 
						então afirmados anseios ideológicos nos convívios 
						acontecidos em zonas de guerra em Angola, e Gabriel 
						Augusto do Espírito Santo, antigo Chefe do Estado-Maior 
						General das Forças Armadas, que com a patente de Tenente 
						foi seu instrutor no Curso de Oficiais Milicianos, em 
						Vendas Novas), Rui Neves da Silva retomou a sua carreira 
						profissional de auditor financeiro numa empresa 
						internacional sem contudo perder de vista a promessa 
						feita a si próprio de um dia vir a escrever um romance 
						em que o leitor pudesse, entre acontecimentos reais ou 
						de realidade possível, intuir a verdade sobre a 
						participação dos capitães milicianos nas guerras do 
						Ultramar e sobre o nefando papel dos militares de 
						carreira, na hora de a Pátria, reconhecendo merecimento 
						aos seus iguais, ir compensá-los com igual estatuto.
						
						 
						
						"Milicianos, os 
						Peões das Nicas"
 
						
						
						
						
						 
						
						"Milicianos, os Peões das Nicas"
						autor: Rui Neves da Silva *
						
						editor: Prefácio
						1ªed. Lisboa, 24Abr2007
						730 págs
						preço: 25 €
						ISBN: 989-9521-30-8
						dep.leg: PT-254836/07
						
						 
						
						Introdução do livro 
						"Milicianos - Os Peões das Nicas"
 
						
						Quis iniciar a apresentação do meu livro 
						com a seguinte citação de um Papa que me pareceu 
						adequada à minha condição de escritor outsider: “Io no 
						sono un letterato...”. Só que, tendo-a lido algures sem 
						a preocupação na altura de fixar o nome do Papa seu 
						autor, me deparei depois com a inesperada dificuldade de 
						não conseguir, em acto de subsequente pesquisa na net, 
						denominar o Sumo Pontífice que na língua de Dante a 
						proferiu; e incomodou-me recorrer à citação sem lhe 
						precisar a origem e explicar as circunstâncias em que 
						foi proferida.
						Contrariado embora pelo contratempo, acabei a pensar que 
						talvez esse mal tivesse vindo por bem. Na realidade, por 
						que carga de água haveria eu de afirmar que não sou um 
						literato quando a evidência dessa minha condição 
						ressalta da leitura da pretensa alegoria que constitui o 
						prólogo do livro? Seria, convenhamos, uma afirmação 
						pleonástica. (A não ser, claro, que o simples facto de 
						designar carneiros por cavicórneos me qualifique aos 
						olhos dos leitores como um homem erudito e, sendo-o, 
						isso baste para assegurar que o exercício alegórico saiu 
						da pena de um literato).
						Por outro lado, recorrer à dita citação, e demais no 
						intróito do livro, poderia ser entendido pelos meus 
						leitores como uma tentativa da minha parte de beneficiar 
						da sua indulgência. Benefício que, diga-se de passagem, 
						até seria justo... Num país onde os intelectuais, os 
						letrados, os filósofos, os teólogos, os latinistas e os 
						exegetas cultivam a literatura em regime de continuidade 
						e enchem de verdadeiras pérolas literárias os 
						escaparates das livrarias, por que não haveria um 
						adventício como eu, escritor em part-time e virgem de 
						obras publicadas, de ser merecedor de uma boa dose de 
						indulgência?
						Mas não; em nenhuma circunstância pediria a vossa 
						indulgência, caros leitores. Nem muito menos a 
						aceitaria. A indulgência deu cabo do nosso País. 
						Passámos a vida a desculpar as asneiras dos políticos e 
						em resultado da nossa atitude complacente temos hoje uma 
						cáfila de ineptos a orientar-nos os destinos. Devido a 
						esta atitude ficámos amarrados à mediocridade e acabámos 
						reféns de padrões de qualidade que não são os nossos. 
						Devíamos ter sido mais exigentes com a classe política 
						que emergiu após o regresso aos quartéis dos militares 
						envolvidos no 25 de Abril; como devíamos ter sido menos 
						condescendentes com os capitães que, surgindo como 
						salvadores da Pátria, após o golpe militar se arrogaram 
						o direito de controlar e manietar os políticos 
						incipientes.
						Indulgência foi coisa que não faltou aos tenentes 
						milicianos que em 1970 frequentaram, nos meses de Julho 
						a Outubro, o Curso de Comandantes de Companhia. Dada a 
						circunstância de, por escassez de meios, ter sido 
						forçada a recorrer aos milicianos para estes realizarem 
						o trabalho que competia aos capitães do quadro 
						permanente, a hierarquia militar teve para connosco, 
						desde o instante da nossa entrada na Escola Prática de 
						Infantaria, uma atitude de tolerância que a partir de 
						certa altura se tornou insolente. É que, ao repetir-se 
						de forma continuada a excessiva complacência do comando 
						da EPI em relação a actos de indisciplina e de 
						desobediência praticados no decurso da instrução por 
						alguns dos tenentes milicianos, tanta indulgência 
						assumiu o carácter de um insultuoso atestado de 
						menoridade mental.
						Ora, falando na generalidade, esse papel de 
						“coitadinhos” não agradou à maioria dos tenentes 
						milicianos... A hierarquia não tinha que ser 
						condescendente com os futuros comandantes de Companhia; 
						tinha, isso sim, de compreender que a nossa 
						sensibilidade não estava blindada contra as diatribes 
						dos instrutores, incapazes de aceitar que em alguns 
						casos havia diferenças de uma dezena de anos entre nós e 
						os seus recrutas habituais.
						Curiosamente, foi essa inaceitável tolerância que acabou 
						por despertar os tenentes milicianos para a necessidade 
						de ser exigentes consigo próprios. Chegada a “hora da 
						verdade”, neste âmbito definida como o instante em que 
						os soldados que iríamos comandar em zonas de guerra nos 
						reconheceriam ou não como chefes incontestados e 
						responsáveis pelas suas vidas, teríamos de provar que 
						éramos tão bons como os melhores. Teríamos ademais de 
						estar conscientes de que nenhuma desculpa serviria para 
						justificar as nossas incapacidades. Produtos sucedâneos? 
						Nem pensar. Pelo menos nesse aspecto, teríamos de ser 
						tão genuínos como os profissionais que iríamos 
						substituir.
						Não foi fácil a conversão. Era grande a diferença de 
						mentalidades e curto o período de harmonização. Todavia, 
						o produto final saído do Curso de Comandantes de 
						Companhia ministrado na Escola Prática de Infantaria era 
						maioritariamente de qualidade garantida. Não estariam os 
						futuros capitães milicianos preparados para utilizar nas 
						suas relações com os soldados o tom dogmático dos 
						militares de carreira, que essa capacidade apenas se 
						adquire com anos de prática, mas o que nos faltava em 
						autoritarismo sobrava-nos em senso comum. E foi essa 
						faculdade que sobressaiu na avaliação posterior do nosso 
						desempenho nas três frentes de guerra.
						Houve excepções? Naturalmente. Nem todas as personagens 
						que fluem pelo enredo do meu romance são gente 
						recomendável... E acreditem que foram modeladas mediante 
						a utilização de fragmentos extraídos de pessoas bem 
						reais, de homens que, como eu, fizeram parte desse grupo 
						de tenentes milicianos. No entanto, as personagens 
						moralmente bem formadas são em maior número, o que 
						também, e felizmente, reflecte a realidade do Universo.
						Quem pessoalmente me conheça vai procurar encaixar-me 
						numa das personagens. Não será tarefa fácil, pois 
						retalhei-me física, psíquica e moralmente antes de 
						disseminar-me aos bocados por todas elas. Daí que só os 
						meus amigos, ou os meus conhecidos mais chegados, irão 
						descobrir em que personagem se aloja cada parte 
						retalhada de mim.
						Foi em Angola que combati. No Leste e no Norte. 
						Orgulho-me de ter feito parte do único exército do mundo 
						que venceu uma guerra subversiva. Quando saí desta 
						província ultramarina os três movimentos 
						independentistas estavam de rastos... O movimento mais 
						forte, o MPLA, tinha perdido o controlo das populações e 
						mostrava-se incapaz de recuperar as áreas de influência 
						perdidas. Depois... Bem, depois foi o que se viu.
						Entendi que não devia terminar esta introdução sem uma 
						referência à bibliografia a que recorri para precisar 
						alguns aspectos relacionados sobretudo com operações 
						militares e locais onde se desenrolaram, nomeadamente: 
						da excelente Colecção Batalhas de Portugal, Guiné – 
						Soldados uma vez sempre soldados (da autoria do Coronel 
						Nuno Mira Vaz), Tribuna 2003, Moçambique – Operação Nó 
						Górdio (da autoria do Coronel Carlos de Matos Gomes), 
						Prefácio 2002, e Angola – Vitória Militar no Leste (da 
						autoria do Tenente-coronel António Pires Nunes), 
						Prefácio 2002; Estudos sobre as Campanhas de África 
						(1961-1974), colectânea do Instituto de Altos Estudos 
						Militares editada pela Atena em 2000; e Angola – 
						Anatomia de uma Tragédia (da autoria do General Silva 
						Cardoso), Oficina do Livro 2001.
						Outro aspecto que considero dever focar prende-se com a 
						eventualidade de alguns dos locais onde “instalei” 
						unidades militares terem sido efectivamente ocupados nos 
						anos de 1971 a 1973 por Companhias ou Batalhões que nada 
						têm a ver com o enredo do meu romance. Se isso 
						acontecer, peço desde já aos militares que por lá 
						mourejaram que me perdoem a ocupação abusiva do seu 
						espaço.
						Rui Neves da Silva, Abril de 2007
						
						 
						
						 
						
						Prefácio do livro 
						"Milicianos - Os Peões das Nicas"
 
						
						É a primeira vez que em meio século de 
						ligação à literatura, como autor, jornalista e editor, 
						faço um prefácio para um livro em que me revejo como se 
						fosse eu próprio a escrevê-lo. E este não é um livro 
						qualquer. O original que me chegou para avaliação tem 
						727 páginas. Presumo que depois de formatado ainda possa 
						ficar mais volumoso. Tão pouco conheço o Autor do 
						romance. Apenas o identifico pelo endereço electrónico 
						que vem registado na ficha técnica. Nuno Júdice, 
						conceituado especialista das causas literárias, defende 
						que a interpretação de um livro começa pela biografia do 
						autor.
						Em Setembro de 2000 prefaciei «Nostalgia entre Angola e 
						o «Puto», de Angelino Pereira. Aí afirmei que «começam a 
						ser horas de dar voz àqueles que mais fortes razões têm 
						para se fazerem ouvir, ou seja, os que foram os 
						verdadeiros intérpretes do espectáculo, não por 
						conveniência profissional ou ideológica, mas por 
						imperativo patriótico que não patrioteiro». Quem assinou 
						esse romance de 384 páginas estivera lá, sem complexos, 
						cumprindo uma comissão de serviço militar obrigatório. 
						Era uma autobiografia, concebida e testemunhada pelo 
						repórter da linha da frente.
						É, pois, com redobrado júbilo que tenho nas mãos, para 
						idênticos fins, um novo volume autobiográfico, quase com 
						o dobro das páginas, bem pensado, muito bem arquitectado 
						e excelentemente escrito. Até no título há magia: «Os 
						Peões das Nicas», admiravelmente seleccionado numa 
						expressão popularizada que caracteriza, de forma 
						inconfundível, aquele que foi o papel dos milicianos, 
						sargentos e (sobretudo) oficiais.
						De Rui Neves da Silva apenas sei o nome e o conhecimento 
						que resulta da leitura da personagem que desfila neste 
						romance. Ele próprio previne o leitor: «quem 
						pessoalmente me conheça vai procurar encaixar-me numa 
						das personagens. Não será tarefa fácil pois retalhei-me 
						física, psíquica e moralmente antes de disseminar-me aos 
						bocados por todas elas. Daí que só os meus amigos irão 
						descobrir em que personagem se aloja cada parte 
						retalhada de mim». Mas não vai ser difícil identificar o 
						artífice deste oportuno e gratificante relato de guerra 
						para o qual «em circunstância alguma pediria a vossa 
						indulgência. A indulgência deu cabo do nosso País. 
						Passámos a vida a desculpar as asneiras dos políticos e 
						em resultado da nossa atitude complacente temos hoje uma 
						cáfila de ineptos a orientar-nos os destinos». E 
						justifica: «ficámos amarrados à mediocridade e acabámos 
						reféns de padrões de qualidade que não são os nossos. 
						Devíamos ter sido mais exigentes com a classe política 
						que emergiu após o regresso aos quartéis dos militares 
						envolvidos no 25 de Abril; como devíamos ter sido menos 
						condescendentes com os capitães que, surgindo como 
						salvadores da Pátria, após o golpe militar se arrogaram 
						o direito de controlar e manietar os políticos 
						incipientes».
						Destas denúncias resulta o argumento deste projecto 
						editorial que vai irritar muita gente pela coragem da 
						argumentação, como vai repercutir a opinião e a imagem 
						carcomidas dos bodes expiatórios do que, 
						verdadei-ramente, foi a Guerra do Ultramar.
						Rui Neves da Silva é peremptório: «indulgência foi coisa 
						que não faltou aos tenentes milicianos que em 1970 
						frequentaram o Curso de Comandantes de Companhia para 
						realizarem o trabalho que competia aos capitães do 
						quadro permanente. A hierarquia militar teve para 
						connosco uma atitude de tolerância que a partir de certa 
						altura se tornou insolente…Esse papel de «coitadinhos» 
						não agradou à maioria dos tenentes milicianos. Chegada a 
						«hora da verdade», teríamos de provar que éramos tão 
						bons como os melhores». E é essa a demonstração que o 
						Autor faz, desassombradamente, nas páginas de Os Peões 
						das Nicas.
						A estrutura do romance é convidativa para a leitura. 
						Numa tríade muito feliz, sintetiza as traves mestras da 
						obra: O livro Primeiro classifica a Escola Prática de 
						Infantaria como «Fábrica de Oficiais». No livro Segundo 
						fala da «Guerra: Fábrica de Heróis». Já no Epílogo, 
						desmonta a «Revolução: Fábrica de Equívocos».
						A trilogia das «fábricas» sintetiza-se no nó górdio que 
						os próprios «Peões das Nicas» anteviam, pela 
						desorientação em que os tais capitães do quadro 
						permanente se deixaram enredar contra os milicianos. Não 
						foram os Peões das Nicas que perderam a guerra nas 
						diversas frentes de combate. Nem foram eles que 
						entregaram a bandeira aos inimigos, aos ombros dos quais 
						impuseram os galões da rendição. «A liberdade que a 
						revolução de Abril trouxera, estava a ser utilizada para 
						se cometerem os maiores abusos. A confusão jorrou como o 
						caudal da Barragem de Cabora Bassa se lhe abrissem as 
						comportas. E essa balbúrdia só terminou em 25 de 
						Novembro de 1975. Esse era o pressentimento do 
						personagem «Miguel Chaves quando, nesse dia, se dirigia 
						no seu pequeno Austin Cooper em direcção à ponte 25 de 
						Abril. Os comunas tinham encolhido as garras quando 
						viram a extrema-esquerda a ser derrotada». Quando Miguel 
						Chaves acelerou, uma das «boas mãos» de Otelo disparou 
						uma rajada de G3. «Mistura Escura», personagem que tinha 
						estado em anteriores barricadas da esquerda radical, 
						fora o autor dos disparos. O pequeno veículo batera 
						violentamente contra a protecção metálica da ponte. A 
						turbamulta correu para junto da viatura. «Dois dedos do 
						«valentão» tocaram um pequeno objecto que Miguel Chaves 
						trazia preso a um fio de prata que lhe rodeava o 
						pescoço. Com um violento esticão, Mistura Escura 
						apropriou-se da Cruz de Guerra que aquela vítima ganhara 
						em Angola, a qual, desde então, usava ao peito como 
						símbolo não só da sua coragem como da sua expiação; e 
						exibiu-a aos olhos dos circunstantes como desculpa para 
						o seu crime, comentando com uma nota de desprezo na voz:
						-Era um fascista… Já não faz mal a ninguém!»
						Como oficial miliciano ranger que combateu em Angola, 
						como fundador da Associação Nacional dos Combatentes do 
						Ultramar, do Movimento 10 de Junho e inspirador do 
						Monumento aos Combatentes, gostaria de ser eu a assinar 
						um relato de guerra tão prenhe de objectividade, com tão 
						perfeita arquitectura e em tão vivo, expressivo e 
						mavioso estilo. Já se publicaram muitas dezenas de 
						volumes com semelhante temática. Nunca me vi tão 
						representado como neste Peões das Nicas. Já era tempo de 
						surgir a bíblia dos milicianos. Aqui está ela pela 
						imaginação escorreita, inspirada e justa de Rui Neves da 
						Silva, a quem rendo a minha homenagem e gratidão.
						Barroso da Fonte (Director do Jornal Poetas & 
						Trovadores)
						
						 
						
						 
						
						Discurso de lançamento 
						do livro "Milicianos - Os Peões das Nicas"
 
						
						Palácio da Independência, 24 de Abril de 
						2007
						Para aqueles que se atrevam a julgar-me um escritor fora 
						do prazo de validade, eu gostaria de lhes dar o exemplo 
						de Juvenal, o poeta latino moralista da imoralidade que 
						viveu em Roma no século I da nossa era. Juvenal começou 
						aos quarenta anos a escrever as suas Sátiras e só as 
						publicou quando já tinha oitenta. Isto faz-me acalentar 
						a esperança de que não há um crepúsculo na produção e 
						publicação de uma obra literária senão o que decorre da 
						morte da imaginação e da incapacidade de juntar e dar 
						sentido às palavras.
						O livro que hoje vos apresento começou a ser registado 
						para memória futura em Junho de 1970, no preciso 
						instante em que recebi a intimação para me apresentar em 
						Mafra e frequentar na Escola Prática de Infantaria o 
						Curso de Capitães Milicianos. Como antes acontecera a 
						milhares de Portugueses, o meu destino seria o Ultramar; 
						só que ao invés de partir para a guerra com o objectivo 
						único de me manter vivo e regressar mental e fisicamente 
						são e escorreito para junto dos meus, o Estado, e em sua 
						representação a hierarquia militar, conferia-me a 
						responsabilidade de, ademais de sobreviver, garantir a 
						sobrevivência de 165 outros Portugueses que não me 
						conheciam de lado nenhum.
						A enormidade desta decisão da hierarquia militar, 
						sobretudo por ter sido tomada à revelia do conhecimento 
						da personalidade dos indivíduos a quem assacava essa 
						responsabilidade, condicionou o comportamento inicial 
						dos futuros capitães milicianos durante o período em que 
						receberam instrução em Mafra.
						Os tradicionais valores da Instituição, como a 
						disciplina, a obediência e a hierarquia, foram 
						ostensivamente rejeitados por quem se sentia 
						espartilhado por uma miserável chantagem moral. Quando 
						porém chegámos à conclusão de que seríamos nós a viver 
						com os fantasmas das eventuais vítimas da nossa atitude 
						de raivosa recusa e nos apercebemos de que o nosso 
						alheamento da realidade da guerra iria acarretar-nos 
						futuros problemas de consciência por não estarmos 
						suficientemente preparados para comandar homens que 
						confiavam em nós, passámos a aceitar que nos 
						transformassem em centuriões e nos promovessem à 
						condição de defensores do Império.
						Porquê o título MILICIANOS – Os Peões das Nicas? A 
						expressão “pião das nicas” (com um i) é usada sobretudo 
						no Minho para designar o indivíduo “que sofre as 
						consequências dos males que outro faz”… Ou seja, algo 
						parecido com o “bode expiatório”. Neste sentido, os 
						milicianos foram os piões velhos e escalavrados 
						oferecidos às ferroadas (nicas) dos piões 
						representativos das elites militares. Entendi porém que, 
						escrevendo pião com um e desalinhado das restantes 
						letras, conseguiria transmitir ademais uma mensagem 
						subliminar: a de que, tal como no xadrez, os milicianos 
						foram peças menores de um jogo, os peões que as 
						hierarquias militares deslocavam nos tabuleiros da 
						guerra para protegerem, entre outros, o rei e os bispos.
						A entrada dos futuros capitães milicianos na Escola 
						Prática de Infantaria, que como sabem funcionava e 
						funciona no Convento de Mafra, é descrita alegoricamente 
						no Prólogo como o movimento de um rebanho de carneiros a 
						caminho do redil. Não desistais da sua leitura, mesmo 
						que os vocábulos e o estilo utilizado vos pareçam 
						invulgares. São apenas 7 páginas e ajudar-vos-ão a 
						compreender o estado de espírito desses homens quando 
						pela primeira vez enfrentaram o corpo de oficiais que 
						nos quatro meses subsequentes iriam tentar 
						subverter-lhes a mente, quebrar-lhes a vontade e 
						derrear-lhes o corpo.
						Será porém através da leitura do Livro Primeiro que 
						podereis começar a acompanhar as personagens que criei e 
						destaquei daquele universo de homens angustiados. A sua 
						criação obedeceu sobretudo à imaginação, que em épocas 
						de crise, segundo Einstein, é mais importante do que o 
						conhecimento. É claro que em termos de hardware e 
						software, a maior parte das minhas personagens existiu, 
						mas por uma questão de respeito pela sua privacidade 
						evitei que o invólucro e o conteúdo se encaixassem 
						correctamente, sobretudo por os comportamentos desses 
						ex-camaradas não terem sido os mais apropriados.
						Como afirmou Nicolas Boileau, a verdade pode às vezes 
						não ser verosímil. Na realidade, a resistência inicial 
						promovida por aquele grupo de homens (no qual me incluí 
						e de que me afastei para sobre eles escrever com 
						imparcialidade) assumiu contornos de tanta agressividade 
						e obscena insolência que ainda hoje me pergunto se de 
						facto as coisas aconteceram assim como as relato ou se 
						apenas germinaram na minha imaginação por ser assim que 
						eu queria que elas tivessem acontecido.
						Estou porém à vontade para vos fazer esta confissão 
						porque, embora fluindo através de factos históricos, o 
						livro que hoje vos apresento não é um livro histórico. É 
						um romance de ficção cuja acção decorre enquadrada na 
						História, sim, mas sem a veleidade de pretender ser um 
						livro histórico na verdadeira acepção do conceito. E 
						graças a Deus que não o é, pois os livros históricos têm 
						tendência a abordar apenas os grandes feitos e os seus 
						protagonistas principais, esquecendo os relatos 
						históricos dos pequenos protagonistas e os aspectos 
						humanos das questões relatadas.
						MILICIANOS – Os Peões da Nicas é um romance onde as 
						situações reais surgem amalgamadas com situações de 
						realidade possível, mas não julgueis que será fácil 
						distingui-las… E o que vos parecer inverosímil à luz de 
						um conceito de normalidade pode assumir verosimilhança 
						quando a vossa avaliação for precedida de uma análise às 
						condições em que o facto avaliado ocorreu.
						Podereis considerar que a estroinice e as atitudes menos 
						nobres de homens afastados da família e mobilizados para 
						a guerra poderiam ter sido literariamente omitidas, pois 
						a sua divulgação prejudica a imagem da seriedade que se 
						exigiria a futuros capitães do Exército. Mas deixar 
						passar a mensagem de que esses homens se portaram como 
						meninos de coro enquanto o seu drama os devorava por 
						dentro seria um atentado à verosimilhança da minha 
						narrativa.
						O Livro Segundo é dedicado à guerra. Através da leitura 
						das 320 páginas que tratam deste assunto podereis 
						acompanhar as aventuras e desventuras das minhas 
						personagens em terras de Angola, Moçambique e Guiné. 
						Todos heróis? Nem pensar! Na generalidade, as minhas 
						personagens levaram para África muito poucas virtudes e 
						grandes e variados defeitos, pelo que a História não irá 
						falar deles. Nos momentos em que não combatiam a 
						guerrilha, os capitães milicianos entretinham-se a criar 
						situações que levassem os seus soldados a matarem o 
						tédio, o seu maior inimigo. E a ocultarem as suas 
						emoções. Tinham saudades de casa? Obviamente que tinham! 
						Mas essa e outras emoções, tais como o medo e o 
						desespero, não podiam sequer exteriorizá-las diante dos 
						homens que comandavam, sob pena de lhes transmitirem o 
						seu próprio desalento eo desassossego em que 
						permanentemente viviam.
						Penaram muito? Certamente! Mas muito mais penaram as 
						mulheres que os tinham visto partir e que à noite, 
						deitados os filhos, viviam sozinhas o pior dos medos, 
						que é o que provém da imaginação.
						Foram muitos os heróis que receberam medalhas premiando 
						a sua coragem na guerra do Ultramar, mas não me recordo 
						que alguém tivesse homenageado os milhares de heroínas 
						que na retaguarda os apoiavam, chorando em silêncio o 
						seu desespero e disfarçando o medo de não os verem 
						regressar.
						Depois é o Epílogo, em que após o regresso da guerra as 
						minhas personagens enfrentam os problemas do temporário 
						desenraizamento. E vem a revolução, que defini como uma 
						fábrica de equívocos.
						Como o Dr. João Barroso da Fonte deu a entender no seu 
						generoso Prefácio, o meu livro vai lançar algum 
						desconforto em muita gente. Na hierarquia militar, que 
						não gosta de ouvir afirmar que o 25 de Abril teve a sua 
						origem numa reclamação de mesquinho cariz 
						corporativista; nos historiadores, que fizeram dos “mal 
						preparados capitães de hipermercado” (SIC) os 
						“piões-das-nicas”; e nos políticos, que continuam a 
						assobiar para o lado e não reconhecem que ainda há gente 
						que sofre os males de uma guerra que muitos deles só 
						viveram de longe e sob o estatuto de exilados em Paris, 
						Londres e Bruxelas. Jean-Paul Sartre tinha razão ao 
						afirmar que nas guerras que os ricos fazem são sempre os 
						pobres que morrem.
						E o desconforto dos militares directamente envolvidos no 
						derrube do regime marcelista em 25 de Abril de 1974 
						crescerá perante a minha convicção, que fundamento, de 
						que eles nunca quiseram ir mais longe do que conseguirem 
						a anulação de uma lei que os desfavorecia em relação aos 
						milicianos. Atingido o seu objectivo, só não recuaram e 
						regressaram aos quartéis porque tal não lhes foi 
						permitido… O Partido Comunista Português aproveitou a 
						recusa dos militares em partilharem com os milicianos os 
						benefícios e os riscos da sua profissão para, 
						manipulando-os nas assembleias através de militantes 
						seus de há muito infiltrados nas forças armadas, os 
						levarem a derrubar o regime e conquistar o poder. Em 
						verdade, os militares de Abril não passaram do braço 
						armado do PCP.
						Nós, os que sobreviveram à guerra e à indiferença a que 
						depois nos votaram, somos os remorsos vivos dos 
						responsáveis pelo tempo perdido e pelos sofrimentos 
						passados em terras que depois reconheceram, mas tarde de 
						mais, que afinal não eram nossas.
						Assumo-me através deste romance como uma testemunha da 
						História a tentar evitar que nos esqueçam. Mas se é 
						importante que se escreva sobre a guerra do Ultramar 
						para que a memória colectiva do nosso povo não esqueça 
						os muitos milhares de portugueses que por lá morreram, é 
						igualmente importante que a verdade seja revelada: o 25 
						de Abril não resultou de um romântico golpe militar 
						levado a cabo por homens iluminados imbuídos da generosa 
						intenção de restituir a liberdade e a democracia aos 
						portugueses, mas por forças políticas que os usaram com 
						o deliberado intuito de se aproveitarem de sua 
						ingenuidade para, manipulando-os a seu bel-prazer, 
						instaurarem em Portugal uma ditadura de esquerda. De 
						que, como estareis recordados, escapámos por pouco.
						A verdade, ao contrário do crime, não prescreve. E, 
						desta feita, a citação é minha.
						Rui Neves da Silva (O autor)