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Gustavo Pimenta
Nascido a 1944.Janeiro.29, em Crasto - Ponte de Lima.
Advogado.
Em diversas circunstâncias e por diversas vezes, membro
de órgãos nacionais do Partido Socialista.
Foi deputado à Assembleia da República na legislatura de
1991/1995. É membro da Assembleia Municipal do Porto
O livro
"sairòmeM - Guerra Colonial"

titulo: "sairòmeM - Guerra Colonial"
Autor: Gustavo Pimenta
Género: Crónica de guerra (colonial)
ISBN: 972-8575-04-1
Ano: 1999
Páginas: 120
Dimensões: 14.8x21.0cm
Descrição:
A realidade, sublimemente contada, ultrapassa sempre a
ficção. Da leitura paralisante, este relato da vida
prende-nos à sua conclusão, afinal já conhecida,
transportando-nos para uma Guiné de quotidiano infernal,
onde se emprestam à memória do leitor as pequenas
alegrias do dia seguinte e as marcas mais indeléveis que
só a guerra consegue deixar. Memórias – sirómeM – de uma
geração que se revê inevitavelmente na dor que delas
transpira.
Apresentação (José
Manuel Saraiva - Jornalista; Director da "Revista" do
Expresso)
Devo dizer, em primeiro lugar, que estou muito
sensibilizado pelo convite de Gustavo Pimenta para fazer
a apresentação do seu primeiro livro. Suponho, aliás,
que o convite tem sobretudo a ver, para além da sólida
amizade que nos liga, com o facto de o autor saber do
meu interesse pelo tema que trata o livro – a guerra
colonial – e da minha relação com o período mais penoso
da geração a que ambos pertencemos.
No final dos anos 60, na Guiné, eu e ele cruzámo-nos sem
nos cruzarmos, percorremos trilhos da mesma aventura,
navegámos os mesmos rios, pisámos a mesma terra, vivemos
os mesmos perigos, suportámos os mesmos sacrifícios,
socorremos os nossos feridos, chorámos os nossos mortos,
colhemos experiências comuns, e chegámos até a
frequentar os mesmos quartéis. Quando – já não sei em
que data – a companhia de Gustavo Pimenta esteve em
trânsito pela sede do meu batalhão, embora por muito
pouco tempo, certamente chegámos a estar tão próximos um
do outro quanto estamos agora aqui, nesta sala, a
celebrar um acontecimento extremamente importante: a
celebração de um novo livro. Quer-se dizer: a celebração
do seu primeiro livro. Mas ainda que tenhamos estado na
mesma unidade, nunca porém nos encontrámos.
Só mais tarde, devido a uma circunstância feliz, viemos
a conhecer-nos em Lisboa, para – já então reconciliados
com o nosso passado de guerreiros transitórios –
voltarmos à Guiné como homens livres, na companhia de um
amigo comum, o tenente-coronel José Aparício, seu antigo
comandante. Foi nessa viagem de trabalho e depois dela
que nasceu e se desenvolveu a nossa amizade. Uma amizade
que ficou para a vida inteira.
Para a maioria dos presentes, senão mesmo para todos,
Gustavo Pimenta dispensaria apresentações. Mas, se me
permitem, gostaria ainda assim de fazer algumas
considerações acerca do autor de sairòmeM. Além de amigo
exemplar, Gustavo Pimenta é também um homem de fino
trato na relação com os outros, senhor de uma
extraordinária verticalidade no confronto com a vida e o
mundo que o rodeia.
Durante quase vinte anos fui, na qualidade de
jornalista, regularmente à Assembleia da República. E
posso dizer, sem qualquer favor prestado, que Gustavo
Pimenta foi um dos deputados mais discretos que algum
dia conheci nas sucessivas legislaturas que acompanhei.
E ser-se discreto não significa, neste caso, ao
contrário de muitos outros, infelizmente, um menor
empenhamento nos trabalhos do plenário ou nas comissões
parlamentares. Esteve sempre onde devia estar, com o
mesmo espírito de missão e sentido de dever com que no
passado lutou por uma causa em que ele próprio não
acreditava.
No seu livro, o autor escreve, a propósito. Passo a
citar: "Mais do que não sentirmos nosso o que
defendíamos, o dilema estava em não sabermos, não
entendermos, o que estávamos a defender. Aquela terra,
aquelas gentes, por mais hospitaleiras que se nos
oferecessem, nada nos diziam. Não éramos dali. Fôramos
parar à Guiné como, na roleta das mobilizações,
poderíamos ter ido parar a qualquer outra colónia.
Coubera-nos em rifa o cu do mundo, dizíamos. Porque o cu
do mundo, se existe, é sempre o sítio da nossa perplexa
angústia".
Mas regressando ao tempo em que exerceu o cargo de
deputado na Assembleia da República, importa sublinhar
que foi pela natureza modesta do seu carácter, que
decerto lhe vem de uma formação de base muito sólida,
que Gustavo Pimenta passou pelo Parlamento sem que se
tivesse dado muito pela eficácia do seu trabalho. E,
contudo, deixou marcas. Marcas de rigor e
respeitabilidade, conforme alguns deputados ainda hoje
reconhecem.
A presença na política de Gustavo Pimenta faz-me lembrar
uma história singular que teve como protagonista
Napoleão Bonaparte e o grande pintor Louis David.
Eu conto a história que, porventura, muitos presentes
conhecerão.
Um dia, Napoleão chamou David ao seu gabinete de
trabalho e pediu-lhe que o pintasse, lhe fizesse o
retrato numa gigantesca tela em ordem a perpetuar-lhe a
imagem. Honrado com o convite, David perguntou-lhe:
"Como quereis que vos pinte?" E Napoleão respondeu:
"Quero que me pintes sereno sobre um cavalo branco
enfurecido".
Ora, sem querer fazer qualquer analogia entre Napoleão e
Gustavo, isto é, entre o imperador francês e o deputado
português, e tendo em conta que o autor que nos trouxe
aqui nunca pediu nada a ninguém, gostaria de dizer que
foi deste modo que sempre vi Gustavo Pimenta, na
Assembleia da República: tranquilo, sereno, muito
sereno, sobre o cavalo enfurecido do poder.
Além da atitude simples e discreta deste homem perante a
vida, dos sentimentos de solidariedade que o habitam,
das qualidades humanas a que já fiz referência, e só não
me alonguei por respeito à modéstia que o caracteriza,
Gustavo Pimenta é também um herói. E não sou eu a
dizê-lo.
Há cerca de três anos, a SIC passou um documentário
sobre a guerra colonial. Nesse documentário, que relata
um dos episódios mais tristes e violentos da guerra em
África, participaram, entre outros antigos combatentes,
Gustavo Pimenta, o tenente-coronel José Aparício, seu
antigo comandante, e vários oficiais dos exércitos
português e guineense.
O filme conta a história da operação militar da retirada
da Companhia 1790 do aquartelamento de Madina do Boé,
durante a qual morreram 46 militares, 15 dos quais
pertencentes ao pelotão comandado pelo ex-alferes
miliciano Gustavo Pimenta. A tragédia, de
incomensuráveis proporções, ocorreu quando a jangada que
ligava as duas margens do rio Corubal, para o transporte
dos homens e das viaturas, se virou inexplicavelmente.
Muitos salvaram-se, muitos morreram. Vinham de Madina –
essa região vasta e despovoada no leste do território,
junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri –
onde a companhia de caçadores, de que fazia parte
Gustavo Pimenta, estivera estacionada durante treze
meses. E em treze meses, não contando com o número de
ataques da forças do PAIGC de duração inferior a dez
minutos, que em muitos casos só serviam para causar
desestabilização e afectar psicologicamente os
militares, o quartel foi bombardeado por 243 vezes.
Sobre a vida tormentosa dos homens que pertenceram à
Companhia de Caçadores 1790, desses soldados anónimos
que viveram no confronto permanente com a morte,
pronunciaram-se no documentário que atrás citei quatro
antigos combatentes: dois oficiais portugueses e outros
dois guineenses.
Num depoimento emocionado, o brigadeiro Hélio Felgas,
que era o comandante da operação e comandante do sector,
diz o seguinte: "Quando o general Spínola deixou o
helicóptero e foi ter comigo, eu estava a chorar. Porque
realmente pareceu-me injusto que homens que tanto tinham
sofrido, que militarmente haviam sido uns heróis,
acabassem por morrer afogados".
Também o general Almeida Bruno se refere aos militares
da Companhia 1790 em termos que não deixam margem para
dúvidas. Passo a citá-lo: "Quero aqui prestar uma
homenagem – a minha homenagem pessoal, como comandante
que fui – a todos os militares, oficiais sargentos e
praças, que viveram e combateram em Madina, que, com uma
coragem notável, resistiram não só ao adversário, ao
inimigo, como às condições adversas em que viveram. E
julgo que um dia a história vai fazer dos militares que
viveram em Madina o exemplo típico do soldado português,
que é verdadeiramente de excepção".
Sobre a capacidade de resistência e heroísmo dos
militares que, como Gustavo Pimenta, viveram e
combateram em Madina do Boé, Ierro Camará, antigo
guerrilheiro e actual tenente-coronel do exército
guineense afirma também. E cito-o: "Todos aqueles que
combateram em Madina do Boé, tanto da parte portuguesa
como da parte do PAIGC, podem ser considerados heróis.
São heróis mesmo!".
Ainda no mesmo documentário, o coronel Aliú Camará,
ex-comandante da unidade de artilharia que regularmente
bombardeava o quartel, falando por si e pelos seus
antigos camaradas, diz. Passo a citar: "Nós rendemos
homenagem aos ocupantes de Madina, porque era muito
difícil viver naquelas circunstâncias. Sempre à espera
dos bombardeamentos, em horas alternadas, às vezes à
meia-noite, às vezes ao meio-dia, às vezes no período da
tarde, tantas vezes que ninguém pode imaginar aquele
sacrifício".
Como disse atrás, não sou eu, mas outros com mais
propriedade e conhecimento da realidade do que eu, que
se referem ao heroísmo de Gustavo Pimenta e dos seus
antigos camaradas, quer dos que morreram em
circunstâncias trágicas depois do tormento de Madina,
quer dos que tiveram a sorte de sobreviver aos
acontecimentos do Corubal.
No seu livro, Gustavo Pimenta lembra o episódio mas,
como noutros que relata, fá-lo com a serenidade e o
distanciamento de quem acha haver cumprido uma simples
missão, sem aclarar, no entanto, que essa e outras
tarefas exigiram dele e dos restantes camaradas
sacrifícios impensáveis. É do autor s seguinte frase.
Cito-o: "Em cima da jangada vinham dezenas de homens
que, durante cerca de treze meses se haviam habituado a
mergulhar para a vala mais próxima ou a correr para o
abrigo mais à mão, sempre que o som cavo das granadas à
saída da boca dos morteiros ou dos canhões sem recuo
anunciavam mais um ataque com armas pesadas".
O livro de Gustavo Pimenta não é um romance. É um livro
de memórias. Um livro que exclui a existência de heróis
– ainda que o tenham sido todos quantos viveram e
combateram em Madina do Boé –, um livro que reflecte
sobre a existência do sacrifício na sua expressão mais
brutal e nos ajuda a reflectir, à distância de 30 anos,
acerca da dimensão de uma das maiores tragédias do nosso
tempo, à escala nacional. Gustavo Pimenta escreve sobre
o império do delírio da guerra com um sentimento que nos
emociona. Está ali uma parte da sua vida, a partida e o
regresso a casa; o relato dos anos perdidos da juventude
num país longe, a mais de quatro mil quilómetros de sua
casa. É dele a seguinte frase. Passo a citar: "Não
desejávamos a morte, nossa ou deles, mas ninguém abdica
do direito à valentia. Cada combate era sempre uma
questão pessoal onde não se prescindia do melhor
desempenho. É por isso que os portugueses serão sempre
bons soldados".
Sinceramente, nunca li, nas dezenas de livros até hoje
publicados em Portugal sobre a guerra colonial, todos ou
quase todos ficcionados, uma reflexão desta natureza.
Gustavo Pimenta odiava a guerra, combatia contra a sua
própria guerra, não queria morrer nem desejava a morte
dos outros, dos que lutavam do lado de lá, mas ainda
assim não deixa de reconhecer que nem ele nem ninguém
abdicaria do direito à vitória de um combate – nem que
para isso fosse preciso pôr em causa a própria vida.
Escrever isto, no registo em que o faz, constitui uma
atitude de coragem digna de louvor. Li o primeiro esboço
do sairòmeM em Julho passado, quando Gustavo Pimenta me
consentiu esse privilégio. É um livro comovente, escrito
num registo elegante e poético. E só um homem como
Gustavo Pimenta, despretensioso, simples, naturalmente
simples, poderia escrever um livro destes.
Não sou crítico literário e por isso não me atreverei a
tecer quaisquer considerações técnicas à boa maneira dos
críticos literários. No entanto, como leitor atento,
permitam-me que aconselhe a leitura desta obra, não
apenas às pessoas particularmente sensíveis ao tema, mas
a todas em geral. Porque além das emoções que se revelam
em cada página, há também a beleza da linguagem que nos
prende e nos seduz. Felicitemos pois o autor e marquemos
desde já com ele um novo encontro para a apresentação do
seu segundo título.
Porto, Cooperativa Árvore,
1999.Dezembro.10
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