
TRABALHOS, TEXTOS
SOBRE OPERAÇÕES MILITARES ou LIVROS
Imagem da capa e restantes
elementos cedidos por
Ilídio
Costa
José Manuel Saraiva
José
Manuel Saraiva nasceu na aldeia de Santo António d’Alva,
é jornalista, colaborou em diversas publicações
nacionais e estrangeiras e pertenceu aos quadros de O
Diário, Diário de Lisboa, Grande Reportagem e Expresso.
É autor de dois documentários para a SIC sobre a Guerra
Colonial: Madina do Boé – a Retirada e De Guilege a
Gadamael – o Corredor da Morte, tendo o primeiro sido
transmitido pelo canal Arte em França e na Alemanha.
Foi também autor da história que deu origem ao telefilme
"A Noiva", de Galvão Teles.
Publicou os romances "As Lágrimas de Aquiles" (2001) e
"Rosa Brava" (2005), também editado em Itália.
in:
http://sic.sapo.pt/online/noticias/cartaz/20080411
"As Lágrimas de Aquiles"
Texto
in: "As Lágrimas de Aquiles"
"...
- Mãe.
- Não me lixes, caralho, por
amor de Deus não morras.
E morreu. Sentei-me sobre os
calcanhares, tirei do bolso um pedaço de pano para
limpar o sangue das mãos trementes, e ali fiquei,
durante alguns segundos, a olhar para ele sem conseguir
articular uma ideia ou pronunciar uma só palavra.
- Um pouco mais ao lado e as
balas tinham acertado em cheio no meu alferes - disse o
inocente Barquinha, com lágrimas no rosto.
- Cala-te, fecha-me essa boca
da merda.
Ergui-me lentamente, dei
instruções a três ou quatro homens que levassem o corpo
para a última viatura, pedi ao furriel mais antigo do
grupo que informasse, por rádio, o comandante da
unidade, e afastei-me alguns metros do local da
tragédia. Minutos mais tarde, o furriel Simões, um dos
militares do grupo com quem eu tinha uma saudável
relação de confiança, foi ter comigo para me informar de
que estava tudo em ordem.
- Não chores, pá.
Depois ofereceu-me o cantil,
que levei à boca, bebi um gole, e entornei o resto da
água sobre a cabeça.
- Não dês parte de fraco, que
o pessoal já está desnorteado.
- Não chores tu, também.
Não podia fraquejar, porque
até isso a guerra impede. Mas poderia eu disfarçar
tamanha dor se até Aquiles chorava os companheiros
caídos pelos dardos.
- Vamos embora - ordenei em
voz alta.
Subimos para as viaturas,
evitei olhar para o rosto dos soldados, e só quando já
nos aproximávamos da ponte de Barqueje reparei que um
primeiro-cabo, sentado à minha direita, soluçava em
contido silêncio.
- Estás a chorar porquê?
Caralho. Não quero paneleiros no pelotão.
..."
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