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Condecorações

José Paulo Valente dos Santos, Coronel Pára-Quedista na situação de reforma

 

"Pouco se fala hoje em dia nestas coisas mas é bom que para preservação do nosso orgulho como Portugueses, elas não se esqueçam"

 

Barata da Silva, Vice-Comodoro

 

HONRA E GLÓRIA

Elementos cedidos pelo PQ Pedro Castanheira  

Com a devida vénia, transcrevemos parte da pág. 323 do livro "A Última Missão", do

Coronel PQ José de Moura Calheiros,

e parte da entrevista concedida pelo Coronel PQ Valente dos Santos

 à Revista "Boina Verde (n.º 246)

 

 

 

José Paulo Valente dos Santos

 

Coronel Pára-Quedista na situação de reforma

 

Angola: Dez1967 a Fev1970

 

Comandante do 1.º Pelotão da

1.ª Companhia de Caçadores Pára-Quedistas do

Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 21 «GENTE OUSADA MAIS QUE QUANTAS»

2.ª Região Militar «FIDELIDADE E GRANDEZA»

 

Guiné: Mar1972 a Dez1973

 

Comandante da

Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 122 «GLORIOSA» do

Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 12 «UNIDADE E LUTA»

Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné «ESFORÇO E VALOR»

 

Guiné: Jan a Set1974

 

Comandante do

 

Bigrupo "Os Vingadores" do Centro de Operações Especiais

 

 

2 Cruzes de Guerra de 1.ª classe

 

Cruz de Guerra de 2.ª classe

 

Prémio Almirante Américo Thomaz

 

 

 

José Paulo Valente dos Santos, Coronel Pára-Quedista na situação de reforma e deficiente das Forças Armadas, nascido no dia 6 de Setembro de 1944, em Mindelo, na Província Ultramarina de Cabo Verde;


Em 1 de Outubro de 1961, Cadete-Aluno na Academia Militar (AM) «DULCE ET DECORUM EST PRO PATRIA MORI»;

 

Posteriormente promovido a Aspirante-a-Oficial e colocado na Escola Prática de Infantaria (EPI - Mafra) «AD UNUM» para tirocínio;


Em Fevereiro de 1967, frequenta no Regimento de Caçadores Pára-Quedistas (RCP – Tancos) «QUE NUNCA POR VENCIDOS SE CONHEÇAM» o 39.º Curso de Pára-Quedismo Militar e obteve o brevet n.º 4508;
 

Em Dezembro de 1967, Alferes Pára-Quedista, nomeado para servir Portugal na Província Ultramarina de Angola, como comandante do 1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Pára-Quedistas (1ªCCP) «IRMÃOS DE MARTE» do Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 21 (BCP21) «GENTE OUSADA MAIS QUE QUANTAS» da 2.ª Região Aérea (2ªRA) «FIDELIDADE E GRANDEZA»;


Durante a primeira missão de combate do seu pelotão, a operação “DE PASSAGEM”, foi ferido com gravidade pelo que foi evacuado para o Hospital Militar de Luanda e, posteriormente, para o Hospital Principal (HP-Estrela, Lisboa);


Em 1968, distinguido com o prémio Almirante Américo Tomaz;


Após a convalescença, regressou à Província Ultramarina de Angola e ao comando do 1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Pára-Quedistas (1ªCCP) «IRMÃOS DE MARTE» do Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 21 (BCP21) «GENTE OUSADA MAIS QUE QUANTAS»;


Em 12 de Março de 1968, foi agraciado com a
Medalha da Cruz de Guerra de 2.ª classe:
 

Alferes Pára-Quedista
JOSÉ PAULO VALENTE DOS SANTOS
 

Medalha da Cruz de Guerra de 2.ª Classe


Por portaria de 12 de Março de 1968


Considerado como dado pelo Secretário de Estado da Aeronáutica o louvor concedido ao Alferes Pára-Quedista José Paulo Valente dos Santos, do Batalhão de Caçadores Para-Quedistas n.º 21, publicado na Ordem de Serviço n.º 3 de 13 de Fevereiro de 1968, do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola, com a seguinte redacção:


“Louvo o alferes Pára-Quedista José Paulo Valente dos Santos, do Batalhão de Caçadores Para-quedistas n.º 21, porque, durante a operação “De passagem”, comandando um pelotão em que todos os soldados e ele próprio efectuavam a primeira missão de combate, procurou sempre dar ânimo aos seus homens, orientando-os da maneira mais eficiente, dirigindo-os como se fora combatente já cheio de experiência.


Entrando em contacto com uma companhia do Exército, à qual um atirador inimigo acabara de fazer um ferido, e sabendo que havia fortes possibilidades da presença daquele atirador na mesma área, colocou-se à frente do seu pelotão, dando-lhe, com o seu exemplo, ânimo e espírito ofensivo. Disto resultou ter sido atingido por uma bala disparada a uns 20 metros por um elemento inimigo, que
lhe motivou ferimento de muita gravidade.


Devido à maneira enérgica e decidida como actuou e à abnegação posta ao serviço dos seus homens e da
missão, o Alferes Pára-Quedista Valente dos Santos deve ser apontado como elemento altamente prestigiante das tropas Pára-Quedistas.”


Em Fevereiro de 1970, regressou à Metrópole;

 
 

 

Em 09 de Março de 1972, Capitão Pára-Quedista ofereceu-se como voluntário para servir Portugal na Província Ultramarina da Guiné, para comandar a Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 122 (CCP122) «GLORIOSA» do Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 12 «UNIDADE E LUTA» da Zona Aérea Cabo Verde e Guiné (ZACVG) «ESFORÇO E VALOR»;

 

 

 

 

 

 

 

O Tenente Coronel Araújo e Sá e o Capitão Valente dos Santos

 

 

Durante a operação “BÚFALO ZANGADO” foi ferido com gravidade, mas recusou ser imediatamente evacuado, enquanto a operação não fosse concluída;


A propósito daquele ferimento, o Coronel Pára-Quedista José de Moura Calheiros, na altura Oficial de Operações do Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas 12 (BCP12), refere no seu livro “A Última Missão”, na página 332 o seguinte:
[…]
Apesar do bombardeamento prévio efectuado pelos Fiat’s, o Grupo de Combate que executou o assalto ONÇA 1 – no qual se integrava o próprio Comandante da CCP122, Capitão Valente dos Santos – foi detido pelo fogo inimigo quase ao atingir o objectivo, sofrendo 5 feridos, um dos quais o próprio Comandante da Companhia. O Grupo de Combate teve de recuar para uma clareira, de onde foram evacuados apenas quatro feridos, pois oo Capitão Valente dos Santos, apesar do seu ferimento ter alguma gravidade, recusou ser evacuado.


Entretanto, o objectivo foi bombardeado pelos Fiat’s uma segunda vez e reforcei ONÇA 1 com mais um Grupo de Combate (ONÇA 4) vindo do Cufar, que foi colocado por helitranporte junto daquele. O agora bigrupo, que tomou o indicativo de ONÇA 0, fez novamente a aproximação do objectivo, conseguindo alcançá-lo. No entanto, logo no início da sua ocupação, quando já estavam na sua orla, ONÇA 0 sofreu fortíssima resistência que lhe provocou mais três feridos, tendo de recuar novamente.


Pela segunda vez fui obrigado a orientar o bigrupo para uma clareira próxima, de onde foi feita a evacuação dos feridos. O Comandante de Companhia, apesar da minha insistência, recusou novamente ser evacuado. Enquanto as evacuações eram efectuadas, foi feito mais um bombardeamento do objectivo pelos Fiat’s. Era o terceiro!
Apenas conseguimos ocupar o quartel à terceira tentativa, e só depois é que o Capitão Valente dos Santos aceitou ser evacuado!
[…]


Proposta para condecoração com a Medalha de Prata de Valor Militar:


Em 14 de Novembro de 1973, foi entregue no Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné o processo de averiguações para Condecoração com a Medalha de Prata de Valor Militar o Capitão Valente dos Santos, no qual estão descritas as conclusões:


“FACTOS PROVADOS:


1.º) - Que o Capitão Pára-Quedista José Paulo Valente dos Santos, durante todo o tempo em que comandou a Companhia de Caçadores Pára-Quedistas número cento e vinte e dois, foi um chefe exemplar demostrando possuir raras qualidades de comando e grandes conhecimentos deste tipo de guerra, que aliados à sua extraordinária coragem, abnegação, serena energia debaixo de fogo e espírito de missão, faziam com que fosse admirado por todos os que ele comandava em operações que nele depositavam a máxima confiança e viam um exemplo a seguir;


2.º) – Que o Capitão Valente dos Santos cumpriu com pleno êxito as missões que lhe foram confiadas, obtendo grandes êxitos, em virtude da sua acção marcadamente agressiva, da sua constante sede de resultados e do seu comando pelo exemplo;


3.º) – Que, na operação “MURALHA QUIMÉRICA” o Capitão Valente dos Santos comandou as forças sob o seu comando de maneira decidida, enérgica e agressiva, sendo a sua acção decisiva para o bom êxito da mesma. Que se dedicou com extrema coragem e espírito de missão à batida das zonas que lhe foram atribuídas, procurando constantemente o contacto com o inimigo e entrando sempre à frente dos seus homens nos objectivos, por vezes debaixo de fogo;


4.º) – Que, na operação “MILHAFRE VERDE” o Capitão Valente dos Santos, comandou o seu agrupamento com agressividade, energia e entusiasmo que lhe são característicos, procurando o contacto com o inimigo e tirando o máximo proveito de modo de actuar deste. Que após um contacto com o inimigo, num acampamento deste, montou uma emboscada no local onde ficara um guerrilheiro morto, tendo esta sortido efeito pois passado algum tempo, um grupo inimigo caiu na emboscada e foi posto em fuga com baixas prováveis;


5.º) – Que na operação “BÚFALO ZANGADO” o Capitão Valente dos Santos, comandando pelo exemplo, com determinação e agressividade conduziu na vanguarda dos seus homens, com rara audácia e desprezo pelo perigo, o seu agrupamento para os objectivos, tendo, na aproximação de um destes, sido ferido, num forte contacto com o inimigo que provocou mais três feridos, um dos quais veio a falecer. Que só deixou que o evacuassem após ter comandado a reacção e obrigado o inimigo a retirar e face à gravidade do seu ferimento;


6.º) – Que, em Cufar, num dia, chegou duma operação com um grupo e saiu imediatamente com outro grupo para a zona de acção sem ter descansado, evidenciando elevado espírito de sacrifício e de missão.


Quartel de Bissalanca, 18 de Outubro de 1973
O Oficial
Joaquim Manuel Trigo Mira Mensurado, Major”
 

 

 

Em 12 de Dezembro de 1973, regressou à Metrópole;


Em Janeiro de 1974, nomeado por escolha para servir Portugal na Província Ultramarina da Guiné, integrado no Centro de Operações Especiais como Capitão de Pára-Quedista e comandante do Bigrupo “VINGADORES”, tendo como adjunto o Alferes ‘Comando’ Marcelino da Mata;


Em Setembro de 1974, regressou à Metrópole;


Em 18 de Novembro de 1976, agraciado com a
Medalha da Cruz de Guerra de 1.ª classe:
 

Capitão Pára-Quedista
JOSÉ PAULO VALENTE DOS SANTOS
 

Medalha da Cruz de Guerra de 1.ª Classe


Ordem de Serviço n.º 14 do Corpo de Tropas Pára-Quedistas, de 18 de Novembro de 1976
Manda o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, com base em proposta do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, louvar o oficial abaixo indicado, da Companhia de Paraquedistas 122/BCP 12, pelas elevadas qualidades militares evidenciadas ao longo da sua comissão de serviço, no Teatro de Operações da Guiné, em que sobressaíram, além de um vincado espírito de missão e invulgar capacidade de comando de tropas em campanha, o exemplo permanente de coragem, serena energia debaixo de fogo e sangue-frio, comportamento este que imprimiu assinalável dinamismo à intervenção dos seus subordinados nas várias acções de combate em que participaram, não obstante as dificuldades emergentes da agressividade e do potencial de fogo do adversário.


Da sua actividade operacional, realizada sempre em ambiente de pesado risco, merece especial relevo a forma decidida e de excelente nível técnico revelada na operação “MURALHA QUIMÉRICA”, ocorrida de MAR a ABR72, em região de particular melindre no Sul da Província, onde procurou, com exaustiva persistência, o contacto com grupos adversos, causando-lhe baixas muito significativas, capturando-lhe apreciável volume de material e criando-lhe a instabilidade que se pretendia; na operação “MILHAFRE VERDE”, levada a efeito em MAI72, deixou assinaladas, mais uma vez, muita energia, espírito agressivo e argúcia em confronto com o adversário, colhendo resultados bem expressivos; no decurso da operação “BÚFALO ZANGADO” em DEZ72, usando da sua habitual e arrojada forma de actuar, entrou em forte contacto com o adversário que o atingiu, o que não o afastou de continuar, com firmeza e serenidade, a comandar a reacção das nossas tropas até ao momento e que se processou a sua evacuação devido à gravidade dos ferimentos.


Possuindo destacadas virtudes militares, o Capitão VALENTE DOS SANTOS devotou-se inteiramente ao cumprimento da sua missão em campanha, com o que muito dignificou as Forças Armadas na Província da Guiné e ganhou jús a pública distinção, o:


001333/CAP/PARA JOSÉ PAULO VALENTE DOS SANTOS


Em 23 de Dezembro de 1976, por despacho do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, agraciado com a
Medalha da Cruz de Guerra de 1.ª classe:


Capitão Para-quedista
JOSÉ PAULO VALENTE DOS SANTOS
 

Medalha da Cruz de Guerra de 1.ª Classe


Despacho do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, de 23 de Dezembro de 1976


Manda o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, com base em proposta do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, louvar o Oficial abaixo indicado, da Base Aérea n.º 12 em serviço no Centro de Operações Especiais do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, pela forma excepcionalmente eficiente como se houve no desempenho das múltiplas, complexas e arriscadas missões operacionais que lhe foram cometidas, ao longo da sua comissão de serviço, no Teatro de Operações da Guiné, conseguindo o seu cumprimento integral, não obstante as circunstâncias acentuadamente desfavoráveis que se lhe deparavam na maioria das vezes, quer emergentes da acção incisiva adversária, quer como consequência do meio físico em que actuava.


Muito embora a sua participação na quase totalidade da actividade operacional tivesse sido francamente proveitosa, merece especial destaque nas Operações “GATO ZANGADO” e “BÉTULA”, caracterizadas por uma situação muito delicada para as nossas guarnições e que tendia para se tornar crítica, em que foram postas em relevo as suas excelentes qualidades de combatente de eleição e de condutor de homens, em campanha, com excepcional aptidão, denotando, frente a numerosos e bem armados grupos adversos, em momentos de maior risco, não só assinalável capacidade de comando como elevada coragem, determinação, rápida decisão nas reacções pelo fogo e pela manobra, extraordinário arrojo, sangue frio e notável senso táctico, galvanizando o pessoal subordinado com o seu exemplo e proporcionando êxitos amplamente significativos, tanto pelos resultados materiais como pela descompressão que se verificava na situação operacional.


O Capitão VALENTE DOS SANTOS, pelas suas excelentes qualidades reveladas em campanha, que o impõem como chefe que os subordinados respeitam e admiram, imbuído de elevada compreensão da grandeza do dever militar, tem jús ao reconhecimento dos seus altos serviços prestados às Forças Armadas da Guiné.


Em 11 de Janeiro de 1979, passou à situação de reforma como Deficiente das Forças Armadas.

 

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Com a devida vénia, transcrevemos excertos da entrevista do Coronel Pára-Quedista José Paulo Valente dos Santos à Revista ‘Boina Verde’ (n.º 246):

 

 

Primeira Operação na Zona Militar Leste de Angola, após destruição

de um Quartel Inimigo

 

Boina Verde:
Terminada a sua formação militar, seria depois projetado para os Teatros de Operações Ultramarinos, onde a guerra decorria desde 1961, e onde o Coronel Valente dos Santos se destacaria, como o comprovam as três Cruzes de Guerra que atualmente ostenta ao peito. Fale-nos um pouco dessas Comissões, e da forma como as encarou, antes de embarcar para África.

Coronel Valente dos Santos:
A participação em acções de combate era o corolário da preparação que tinha iniciado cinco anos antes, quando ingressei na AM, e era aguardado com um misto de medo e desejo, como tudo o que experimentamos pela primeira vez. No fundo, achava que uma coisa era a instrução, e outra era ver como nós realmente nos comportávamos debaixo de fogo e no Comando de homens.


Após o CPQ, fiquei colocado no RCP e dei uma Recruta, um Curso de Combate, a fase da Nomadização e depois tirámos o Curso de Queda Livre. Imediatamente depois e ainda antes de terminar o ano (1967), fui mobilizado para Angola, para o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 21 (BCP21). Assim que cheguei, assumi o Comando de um Pelotão. Tive a honra de ser comandado pelo TCor Rafael Durão, na altura, Comandante desse Batalhão.

 

1.º Pelotão da 1ªCCP/BCP21 - Ninda, Angola, em Agosto de 1969


Boina Verde:
Seria ferido em Combate na primeira vez que saiu com o seu Pelotão para a picada, num acontecimento que quase lhe custou a vida. Como relembra esse malogrado episódio?

Coronel Valente dos Santos:
Tal como é descrito na OS n.º 3, de 13Fev68 do Comando-Chefe das Forças Armadas em Angola, fui louvado porque, "comandando um pelotão em que todos os soldados e ele próprio efectuavam a primeira missão de combate, procurou sempre dar ânimo aos seus homens... dirigindo-os como se fora um combatente cheio de experiência. Entrando em contacto com uma companhia do Exército, à qual um atirador inimigo acabara de fazer um ferido e sabendo que havia fortes possibilidades na presença daquele atirador na mesma área, colocou-se à frente do seu Pelotão dando-lhe com o seu exemplo, ânimo e espírito ofensivo. Disto resultou ter sido atingido por uma bala disparada a uns 20 metros por um elemento inimigo que lhe motivou ferimento de muita gravidade”.


Quando sofri este primeiro ferimento, era Alferes e tinha 23 anos. Destruiu-me parcialmente o pulmão direito. Estive um mês internado no Hospital de Luanda e fui transferido assim que possível para a Metrópole, uma vez que a recuperação tinha de ser feita com temperaturas baixas e, em Angola, isso era impossível – aliás, regra geral, todos os combatentes que eram feridos com gravidade costumavam passar a fase de recuperação na Metrópole.


Depois de restabelecido, no Hospital Militar da Estrela, recuso adquirir o Estatuto de Deficiente das Forças Armadas (DFA) e peço para regressar a Angola porque considerava importante para os Soldados e Sargentos do meu Pelotão saberem que eu estava vivo e pronto para o combate.

Boina Verde:
Decidiu voltar para África, mesmo após ser ferido com gravidade e logo na sua primeira ação de combate?

Coronel Valente dos Santos:
Embora pareça um pouco quixotesco, era realmente aquilo que eu sentia. Sentia genuinamente a necessidade de voltar e dizer-lhes "calma, ainda não morri!”. Para além disso, aquela era a primeira missão de combate daquele Pelotão, e achei que perderem o Comandante logo na primeira saída para a picada teria um efeito devastador nos homens. Iam pensar: “Eh pá, se logo na primeira missão acontece isto, e logo ao Alferes, que é o Comandante, o que não irá acontecer-me a mim, que sou um Soldado?".


Para os médicos, isto fez-lhes muita confusão e perguntaram-me se eu tinha algum problema de família ou quaisquer outras razões que me levassem a querer afastar-me de casa, mas lá os consegui convencer das minhas verdadeiras motivações e regressei a Angola mal concluí a minha recuperação.

Boina Verde:
Após essa Comissão, seria ainda posteriormente mobilizado para a Guiné, por duas vezes. Como descreve esses dois Teatros de Operações, num período que a própria Guerra crescia de intensidade?

Coronel Valente dos Santos:
A Guerra em Angola exigia grande esforço físico, em missões de combate que duravam vários dias, pois a aproximação dos objetivos era geralmente feita a pé, obrigando a abrir caminho através do capim (com altura superior a um homem), podendo levar uma hora a percorrer centenas de metros... e quando havia contacto com o inimigo (IN) resumia-se, muitas vezes, a um tiro, que geralmente provocava um ferido (foi o meu caso). Havia poucos helicópteros, e se a flagelação ocorresse no período da tarde, a evacuação tornava-se impossível devido às distâncias a percorrer pelos Alouettes. Caso eu tivesse sido ferido de tarde, teria morrido na mata, pelo que posso dizer que, no fim de contas, até acabei por ter sorte.


Houve uma situação em que, de tarde, um soldado foi ferido na coxa com um tiro e morreu, porque a perna ganhou gangrena e não foi evacuado, em tempo útil.


Havia inimigos que subiam a palmeiras, amarravam a arma à árvore e aguardavam a passagem das nossas forças. Quando atacavam, caso fossem abatidos, o homem caía mas a arma ficava lá, fora do nosso alcance.


Tínhamos um apoio fundamental que era o Heli Canhão (Alouette III), que apelidávamos de "Lobo Mau". Mas devido à vastidão do território, o "Lobo Mau" acabava por ser subutilizado.


Por outro lado, quem chegasse vivo ao Hospital de Luanda tinha grandes hipóteses de se salvar, pois a competência e prontidão das equipas médicas eram inexcedíveis. No Hospital de Luanda, a partir do momento em que o helicóptero pousava, em menos de 1 minuto já o homem estava a ser socorrido, o que aumentava em muito as suas hipóteses de sobrevivência.


Era uma guerra extremamente esporádica, mas com danos terríveis, quer em termos físicos como psicológicos.


Na Guiné a guerra era mais interativa, exigindo decisões prontas e hábeis para resolver cada situação operacional. O IN estava melhor armado que nós, pelo que adotámos muitas das suas armas, como a metralhadora Degtyarev, a espingarda automática Kalashnikov e os LGF RPG 2 e 7, em substituição do nosso Lança Granadas (que não era fácil de manusear devido às suas grandes dimensões e ao facto do sistema elétrico falhar constantemente). Parte do nosso armamento era constituída por material que conseguíamos apreender ao inimigo, nas operações de combate.


O tempo de duração das operações não era longo pois o poder de fogo IN e os seus efetivos eram, geralmente, superiores aos nossos, além de sermos flagelados com armas pesadas de tiro curvo, como o Morteiro 120, que estavam instaladas no exterior da Guiné-Bissau. Lembro-me que só ouvíamos a granada a sair, e depois só podíamos esperar que não caísse na nossa posição, uma vez que não havia mais nada que pudéssemos fazer - cada projétil criava uma cratera no solo onde talvez coubesse uma viatura!


Em termos gerais, em Angola, saímos para uma Operação e andávamos dias a fio, às vezes, sem um único contacto com o IN e com vários reabastecimentos pelo meio, tal era a vastidão do território. Na Guiné era completamente diferente: sempre que saíamos, sabíamos que ia haver "porrada". Quem procurasse o IN, encontrá-lo-ia de certeza, e bem armado, treinado e preparado psicologicamente para o confronto do qual resultaria esse inevitável encontro. Por estas razões, os meus homens tinham de estar 100 por cento, operacionais.


A Guiné exigia constantemente decisões táticas devido às inúmeras formas de atuação do inimigo.

Boina Verde:
Na Guiné, participou em Operações com o histórico Alferes Comando Marcelino da Mata (atualmente reformado, no posto de Tenente-Coronel). Descreva-nos essa experiência, e de que forma estas Operações diferiam daquelas levadas a cabo por forças essencialmente Paraquedistas.

Coronel Valente dos Santos:
Quando sou proposto por escolha para o Centro de Operações Especiais (COE), para o Grupo do Marcelino da Mata (também conhecido por “Os Vingadores"), informo-me junto do Capitão Paraquedista António Ramos - que fui render por ter terminado a sua Comissão de serviço no COE - quais os parâmetros dessa atividade. ao que este respondeu: É fácil. Aqui, o Marcelino é que manda!".

 

Capitão Valente dos Santos e Alferes Marcelino da Mata


O Marcelino da Mata é um guerrilheiro com inúmeros e homéricos êxitos operacionais, que lhe granjearam um carisma e prestígio lendários. Corria pela Guiné, que se o Marcelino fosse morto em combate, nasceria imediatamente noutro local, e continuaria a sua luta, a d' “Os Vingadores"!


Apenas eram escolhidos para o Comando do COE Oficiais experientes e já “calejados" em Operações de Combate, habituados a comandar homens - a minha situação. No entanto, decidi entrar no COE calmamente, dado o estatuto do Marcelino, e levávamos a cabo as missões em conjunto. Tal como o tinha feito na CCP122, participei em todas as Operações do COE durante o meu Comando, facto que me garantiu o respeito de todos os seus elementos, incluindo o do Marcelino. Agíamos com base em “informações relâmpago", às quais tínhamos de responder com operações imediatas, pelo que a confiança entre os diversos membros deste grupo tinha de ser absoluta e mútua e existia uma enorme cumplicidade entre nós.


Em resultado das conversas com o Capitão António Ramos, resolvi propõe a vinda do 1.º Cabo Paraquedista Carlos Alberto Barata Fernandes, que pertencia à CCP122, para se integrar neste Grupo Operacional, sugestão que foi aceite pelo Comando Chefe. Fui buscá-lo essencialmente para ter um camarada de confiança perto de mim, motivo que levou a algumas pessoas a apelidá-lo de meu "guarda-costas, facto que não tenho qualquer tipo de problema em admitir.

 

Capitão Valente dos Santos e o Paraquedista Barata Fernandes

 

A escolha foi acertada pois o 1.º Cabo Paraquedista Barata Fernandes foi um elemento fundamental para os êxitos operacionais do grupo do Marcelino, nomeadamente, na Operação ”GATO ZANGADO”, onde foi capturado e destruído imenso material IN além de uma viatura foi recuperada (uma ambulância).
 

Capitão Valente dos Santos com o Alferes Marcelino da Mata junto á ambulância capturada na Operação “Gato Zangado”

 

Boina Verde:
Como eram essas Operações?

Coronel Valente dos Santos:
Como em todos os Grupos de Operações Especais, o elemento surpresa era essencial, pelo que eram incursões rápidas, de grande violência e não se restringiam ao território nacional podendo haver contactos com outros grupos armados.


O verdadeiro líder do grupo não era eu, mas o Alferes Marcelino da Mata, pois diferenças culturais impunham esse Comando, não havendo a aceitação de uma hierarquia militar, mas sim de uma hierarquia sociológica e étnica.


Foi desafiante e enriquecedor trabalhar com Marcelino e após alguns meses de partilharmos situações de limite extremo, senti que eu e o Fernandes pertencíamos ao grupo, éramos mais dois elementos d "Os Vingadores".

Boina Verde:
Com a Revolução de Abril de 1974, inicia-se o processo de independência das Províncias Ultramarinas e o cessar do conflito armado entre as Forças Armadas Portuguesas e os diversos Movimentos Independentistas Africanos. Como vive todo este processo de transformação?

Coronel Valente dos Santos:
Quando se da o 25 de Abri encontrava-me numa missão com o Grupo do Marcelino. O meu nome de Guerra/Código era “Asterix". Então, tinha uma emboscada montada e esperávamos por um elemento IN de grande importância, quando recebo uma comunicação, e dizem-me: "Asterix. volta para casa!”. Apesar de comunicar que ainda não teria na manhã posse a “prenda” (nome de código para o IN), insistiram para que abandonasse a missão e regressasse imediatamente. Foi aí que me apercebi que algo importante se tinha passado em Bissau. que implicaria uma grande mudança. Posteriormente, em Bissau, tenho conhecimento que se tinha dado o 25 de Abril!


Em Bissau, estava tudo do avesso. Uma confusão enorme que perduraria até ao meu regresso à metrópole, em Setembro.


O Major Veiga da Fonseca, Comandante do C0E, percebendo o perigo de vida que corria o Marcelino da Mata, manda evacuá-lo para a Metrópole, em Julho, num DC-6 pilotado pelo TCor Vasquez. Assim o Major Veiga da Fonseca evidenciou, como sempre o fez, estar à altura das suas competências e responsabilidades, como Comandante do Centro de Operações Especiais!


Consegui salvar todos os meus homens, à exceção de um, que foi capturado e morto pelo PAIGC, quando foi visitar a família ao mato, não seguindo a minha sugestão de permanecermos todos juntos em Bissau, pois, havendo um vazio de poder, eu só poderia garantir a sua segurança se estivéssemos próximos.

Boina Verde:
Portanto, permanece na Guiné até Setembro de 1974...

Coronel Valente dos Santos:
Sou o último Oficial Paraquedista a sair da Guiné, pois como o Marcelino estava na metrópole evacuado, não queria deixar os meus homens sem qualquer apoio. Assim regresso à Metrópole meses após o 25 de Abril. Talvez meados de Setembro.


No RCP vivia-se uma euforia progressista e foi um período muito conturbada. Após o 11 de Março sou preso e enviado para Caxias, seguindo-se um período de residência fixa, ordenado pelo COPCON.


Depois, fui colocado no Estado-Maior das Tropas Paraquedistas, em Lisboa, local que não me despertava qualquer interesse - eu era um Oficial Operacional, só gostava de guerra e de instrução e não me sentia bem a tratar de papéis - e se tinha recusado o estatuto de DFA enquanto Alferes, aceitei-o nesta fase da minha carreira, por não me sentir bem nas funções que passaria a desempenhar dai em diante. Termino a minha carreira militar em 1979, no posto de Capitão, com estatuto de DFA.


Apesar de tudo, este período está ultrapassado e fiz o luto de todas estas situações.


Levou anos, mas já há algum tempo que me sinto bem comigo mesmo e com os outros. Não há nada que o tempo não resolva.


 

 

 

 

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