Custam-me
a sair as palavras. Era
assim que acontecia
sempre que morria um dos
nossos. Uma coisa sem
sossego no peito e nós
todos calados de os
olhos postos no chão.
Mas se nos calarmos, que
seja por pouco tempo, o
minuto cerimonial e mais
nada, depois falemos,
contemos a toda a gente
quem foi a enfermeira
paraquedista Piedade
Gouveia. Ela merece ser
recordada de cabeça
levantada e em
continência, como só os
verdadeiros heróis
merecem.
Chamei-lhe "A enfermeira
que vinha do céu" e
todos os soldados que um
dia combateram
perceberam logo porquê.
Um dia foi-lhe confiada
a minha vida, e na meia
hora mais dramática que
vivi até hoje, a Piedade
cuidou dela com desvelo.
Eram dias dramáticos,
tinha-se um sentimento
de vida à beira do
abismo, de experiência
limite, e todos nós, os
que combatíamos,
obrigados ou não,
sentíamos, pelo menos
durante algum tempo, que
cumpríamos um dever
inelutável.
Outros momentos
dramáticos se sucederam
neste país limítrofe,
sempre à beira de um
abismo qualquer; mas ser
combatente não é só ter
capacidade para pegar em
armas, e o exemplo das
enfermeiras
paraquedistas, as únicas
mulheres combatentes na
guerra colonial, são
exemplo de como a
coragem para enfrentar o
perigo e o medo, e a
generosidade e a
disponibilidade para com
os outros, podem
salvar-nos a todos do
recorrente abismo. Nós
que as conhecemos, não
deixemos que os
portugueses se esqueçam
disso.
Hoje partiu a enfermeira
que vinha do céu. Vai
só.
O héli que a leva não
regressará com ela para
nos salvar quando
tombarmos de novo.
Ficámos mais sós também.

Faleceu
no dia 
- Final