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Trabalhos - "A Minha Guerra - Angola 1972/1974"

 

 

De: José Lessa, Enfermeiro da Companhia de Caçadores 3513

 

Angola 1972 / 1974

 

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Capítulo 8 - Queimadas II

Capítulo 7 - As queimadas

Capítulo 6 - Os meninos do Quiende

Capítulo 5 - Natal de 1972

Capítulo 4 - O dia a dia da vida

Capítulo 3

Capítulo 2 - A vida no Quiende / Angola começa

Capítulo 1 - 01/04/72 - Dia de Enganos

 

 

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Capítulo 1

01/04/72 - Dia de Enganos

 

A Companhia 3513, chegou a Angola no dia o1 de Abril de 1972.

Saídos de Lisboa (figo maduro) cerca das 0 horas do mesmo dia, fomos uns "privilegiados" porque já fomos de Avião, só estranhei as "Hospedeiras" mas foi o menos.

Chegados a Luanda, logo á saída do Avião, levei um "estalo" que nunca mais esqueço...eram 08 e pico horas e já estava um calor que eu aprendi a suportar ao longo de 27 meses.

O destino foi o "Grafanil" para onde fomos levados como gado para o matadouro e onde passamos 4 longos dias.

Todos os que passaram pelo Grafanil sabem do conforto das camas e das casernas (espaços 10 cms acima do chão onde cabia um colchão e a "caserna" aberta por todos os lados menos o tecto que tinha chapa zincada a cobrir) que nos eram destinadas entre a chegada e a partida para o mato.

Tendo família em Luanda, logo tratei de me "pirar" e fui direitinho á Mutamba onde pedi ao Taxista para me deixar levando comigo o Silva que assim se safou de dormir naquela espelunca uns dias, porque pelo endereço que levava dos meus tios foi fácil encontrá-los não nos deixando mais sair de casa deles, entretanto ao 4º dia era obrigatório apresentarmo-nos até as 23.00 porque esperava-nos a viagem para o Quiende que teve o seu inicio pelas 05.00 da madrugada.

10/12 camaradas em cima das "camionetas de carga do gado" e ai fomos á aventura.

Chegamos ao Quiende 2 dias depois e recordo o "cagaço" com que fiz toda a viagem, alto capim e vegetação, arvoredo como eu nunca tinha sequer imaginado e onde em cada curva, esperava levar um "balázio" logo no primeiro dia.

Recordo também de passar no Caxito, em Ambrizete (onde eu não me importava de ficar o dobro dos meses de comissão, com um Mar imenso e um por de sol que nunca mais esqueço). Ali dormimos e voltamos e partir muito cedo com destino ao Quiende, recordo Tambouco onde encontrei o Pinto que me recebeu "principescamente" com comida feita ao lume e umas "NOCAL" que evitou que tivesse de comer a tradicional ração de combate, passamos por Zau evua e cerca das 4 da tarde, eis que chegamos.

As noticias não foram as melhores, logo ali e depois de dar um salto da viatura, soube que aquela Companhia tinha vindo do leste onde tinha perdido alguns camaradas e estando ali a 6 meses para descansar antes do regresso ao "PUTO" naquele espaço para descanso perderam mais 11 ou 12 camaradas.

Mau de mais para ser verdade mas era a realidade com que dai em diante ia ter de lidar, sendo eu Enfermeiro imaginei o que me estava reservado.

 

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Capítulo 2

A vida no Quiende / Angola começa

Depois de digerirmos as primeiras (más) noticias, iniciamos a descarga e arrumação dos nossos equipamentos.

A Enfermaria era uma desgraça já que tínhamos falta de tudo o mesmo aconteceu com as viaturas, de 6 apenas 2 estavam a circular, os géneros estavam no limite etc etc.

Aos poucos fomos "arrumando a casa" e aprendemos onde ir caçar e conhecemos o guia que nos iria levar aos melhores locais, rapidamente nos apercebemos que só desta maneira podíamos escapar as rações de combate.

A enfermaria demorou uns dias a reorganizar e as viaturas começaram a rolar graças aos condutores que com a ajuda do Ferru. Carreira e sobre as ordens do Capitão Amado, homem de mais trabalho do que palavras como mais tarde se verá.

Este Homem disse um dia uma frase que ficou celebre: NÃO VIM PARA A TROPA PARA FAZER AMIGOS MAS PARA SER AMIGO DE QUEM O MERECE.

Mais tarde se verá que este Grande Homem de seu nome Florentino Amado foi o grande responsável por termos chegado á Metrópole todos os que de cá partimos.

O PRIMEIRO ACIDENTE

"Os velhinhos" já tinham partido para Luanda e saíram para acção de vigilância 3 viaturas, uma avariou e teve que ser rebocada. Condutores "Maçaricos" e aconteceu que a viatura rebocada capotou, originando meia dúzia de feridos sem gravidade é certo mas um dos camaradas ficou sem parte de uma orelha...para começar o indicativo não era famoso, ainda se tentou recuperar a orelha do nosso camarada mas em S. Salvador a Cirurgia Plástica estava de folga (...)e o "Marítimo" com o apoio de todos nós recuperou a moral, apenas a moral.

OS PRIMEIROS 30 DIAS DE MATO

Foram difíceis...acordavamos e víamos mato, mato e mato.

Começamos a comer o pó da picada, surgiram os primeiros casos de paludismo, mas tudo se foi resolvendo.

A primeira ida a S. Salvador foi festejada principalmente pelos que tiveram a sorte de lá ir porque tivemos possibilidade de beber umas "CUCAS" e comer umas moelas ou um churrasco de frango, enfim tiramos a barriga de misérias já que com a falta de mantimentos as primeiras semanas foram difíceis, e quem pode "alambasou-se".

Os dias estavam a passar-se e o medo a diminuir (?)mas a desconfiança era latente em todos nós.

Saída do 3º Grupo 2 noites no mato, o primeiro susto logo na primeira...o sentinela veio dizer que ouviu barulho a uns 30 metros, ordem de silencio absoluto e de ninguém disparar sem ordem superior...o barulho voltou a ouvir-se

3/4 vezes e nem um feijão cabia no C de todos nós. Toda a noite alerta...

De Manhã verificamos a zona com todo o cuidado e verificamos que no local existiam pegadas...de Leão.
Grande susto...

 

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Capítulo 3

Dias, semanas e meses sempre passados da mesma maneira Quando não embirrávamos com nós próprios arranjava-mos um "cristo" para chatear.
Ora por causa do jogo da bola ora por razões comezinhas o que era preciso era chatear o vizinho, discutir uns com os outros, para deixar sair a raiva que existia dentro de nós.
Já para o final da comissão eu e muitos camaradas dizíamos:
Nunca mais quero ver estes gajos a minha frente depois de terminar esta M.
...Mentira.
Muitos de nós nunca deixaram de se encontrar mas só foi possível reunir pela primeira vez, passados mais de 20 anos, cerca de duas dezenas de camaradas, graças ao Barros Luís e a mim próprio.
Queríamos saber como estava a malta, era uma coisa superior a nós que não se explica, sente-se ou não.
Tinha falecido um camarada do Porto e eu acompanhei a sua doença na parte final e isso deixou-me muito mal, o Horácio B. Pereira era também Enfermeiro como eu e fizemos todo o percurso de tropa desde Janeiro de 71 muito juntos, a sua partida foi difícil quer para mim quer para o Luís. que Deus o tenha em descanso.
Esta passagem da nossa vida despoletou em nós, a necessidade de vermos os nossos camaradas. Até hoje e durante os anos que ai vem, que possamos pelo menos uma vez por ano encontrarmo-nos.
Voltando ao Quiende, realço a eficácia e a disciplina de um Homem a quem já me referi, para ti Comandante ("Jach Palance") Florentino Amado o nosso obrigado pela forma "dura" mas eficaz como trataste daqueles meninos que como tu, foram para uma Guerra que não pediram para ir.
Nós é que fomos com a incerteza de voltar, mas quando todos chegamos, graças a ti, encontramos enterrados familiares que muito amávamos, e todos os meus camaradas sabem do que falo...
A despedida da pessoa que mais amava foi uma lápide no Cemitério da Senhora da Hora em Matosinhos e cujas palavras ficaram gravadas para sempre na minha memória.

"PARTISTE,
PARTISTE PARA SEMPRE
SEM QUE PELO MENOS
TE PUDESSE DAR UM SIMPLES
BEIJO DE DESPEDIDA."

Estas sim, foram as balas que atravessaram o meu coração.
Já passaram 34 anos mas a memória dos Homens sendo curta a dos Combatentes do Ultramar é eterna, a minha pelo menos é.
 

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Capítulo 4 - O dia a dia da vida

Homenagem á minha Mãe

 

Não foi por engano…

Na verdade, embarquei para Angola no dia 1 de Abril de 1972, onde cumpri parte do serviço Militar obrigatório durante 27 meses, antes tinha feito na Metrópole e na Madeira mais 15, no total 42 meses.

A ideia que me atormentava desde os meus 15/16 anos, tornou-se na altura uma triste realidade, foi inevitável para a quase totalidade da juventude da minha geração.

Partir e deixar a Mãe, os amigos e os colegas de trabalho foi doloroso. Saltava-nos a ideia de ir e não voltar…chegar e não ver todos os que gostávamos era um tormento que por vezes pensávamos mas não queríamos acreditar e quando pensávamos mais acabávamos com ideias que não quero recordar.

Muitos tiveram a coragem de fugir, eu não tive porque o pensamento seguinte era; e depois, nunca mais posso voltar, era pior a emenda que o soneto.

A minha Mãe vivia só comigo, quis o destino que de três Homens fica-se sem nenhum…

Quando fui para a Madeira, menti-lhe dizendo que ia para Lisboa 3 meses…

Ia, e vinha de 3 em 3 semanas, durante não 3 mas 5 meses e foi fácil convencer-se que afinal eu estaria em Lisboa!...

O pior estava para vir.

Mas quando estava para embarcar para Angola voltei a mentir-lhe dizendo desta vez que ia para a Madeira…e só depois de já estar “no mato” lhe escrevi dizendo que estava em Angola, em Luanda (mais uma mentira piedosa).

Quem cá deixei fez o trabalho mais difícil que foi amparando-a e dizendo palavras de circunstancia, passados 10 meses vim de férias e as coisas ficaram mais esclarecidas já que aparentemente eu estava bem o que a tranquilizou.

Os restantes meses passaram com mais ou menos sobressaltos mas a história só fica completa depois do meu regresso definitivo e por aqui se pode aferir dos meses de terror e sobressalto em que viveu aquela senhora…

…Eu tinha chegado no dia 13 de Junho de 1974. Como acontecia com os militares que vinham em fim de missão, traziam os seus haveres mais leves e enviavam de barco os mais pesados, estes vinham em malas de porão e os meus chegaram a 23 de Agosto de 74, um carro militar chegou a minha casa e disse-lhe que tinham “um caixote” para lhe entregar que era do filho que esteve em Angola.

Era um caixote em madeira, que aos olhos da minha pobre Mãe mais lhe pareceu o meu caixão…valeu-lhe um Alferes que acompanhou a entrega do meu espólio que com algum bom senso lhe transmitiu palavras que a confortaram.

Foram 27 meses que passou sempre a aguardar uma má noticia.

No dia 27 de Agosto D. Maria, minha pobre Mãe teve um AVC que a mandou para uma cama do Hospital, até aos fins da sua vida.

Faleceu em Novembro de 1987.

Que Deus a tenha em descanso.

 

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Capítulo 5 - Natal de 1972

Estava no Quiende mais ou menos á nove meses.

O dia de Natal, aproximava-se e eu prestes a passar um Natal fora do convívio dos meus mais próximos, pior que isso era sentir que nesse dia em minha casa a minha Mãe não teria vontade de festejar essa data pois pela primeira vez não estaria a seu lado.

Escrevi-lhe não um "bate estradas" mas uma carta e recordo de lhe ter enviado um postal alusivo á data, dizendo-lhe que não se preocupa-se comigo, pois não me faltava bacalhau para comer na noite de consoada...

No dia 22 partimos para uma operação no mato de 5 dias...e a nossa ceia de Natal foi a famigerada "ração de combate".

A guerra não parava por ser Natal e todo o cuidado era pouco, dai que tenhamos cumprido o programa definido pelo Batalhão e obedientes cumpridores das ordens lá passamos mais alguns dias no mato e o nosso primeiro Natal.

Sendo mais uma operação, esta revestia-se de um carácter mais complexo...digamos que todos os dias eram difíceis no mato mas aqueles por ser o primeiro Natal fora, todos temiam o pior e este foi o sentimento que mantivemos durante os 27 meses que por lá permanecemos, mas quando se tratava de datas festivas temíamos que o "inimigo" se aproveita-se da nossa fragilidade e nos ataca-se, felizmente nunca tal aconteceu.

Alguns dos meus companheiros eram casados e com filhos, e eu pensava que não tinha o direito de estar triste porque havia quem tivesse mais razões do que eu.

O Alferes Corte Real foi naquele dia como em tantos outros um Homem á altura dos acontecimentos e em permanente contacto com todos, lá ia dando uma palavra de animo e de conforto a toda a gente do grupo.

O Furriel Araújo, era dos mais inconformados, ele já de si bastante calado, passou aqueles dias ainda mais silencioso.

O meu companheiro de "quarto" foi o Cavaco e o Araújo. O Cavaco era sempre o Araújo porque se sentia mais em baixo, juntou-se a nós bem como o Furriel Rodrigues, assim juntamos os panos/tenda de todos e fizemos uma tenda maior onde coubemos os quatro.

Não era conveniente aquele tipo de "tenda" porque em caso de ataque estávamos mais fragilizados mas na altura nem pensamos no perigo.

Para todos estes meus amigos, deixo aqui um abraço fraterno e recordo-os com muita saudade.

Para o Florentino Amado, nosso Comandante de Companhia, também aqui o recordo e lhe envio um grande abraço. Sem ti meu amigo não sei o que teria sido de nós.

 

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Capítulo 6 - Os meninos do Quiende

Sempre que havia movimento de viaturas, fosse a chagada dos grupos do mato, fosse a passagem do MVL ou a passagem de companhias que chegavam ou partiam para o continente, a azafama dos meninos da sanzala era uma constante.

Eles sabiam que sobrava sempre uma lata de conserva, atum ou sumo, pouco importava, aquilo que para nós, já enjoava tantas as refeições que fazíamos de rações de combate, para aqueles meninos era um manjar.

Á maioria dos soldados dava um enorme prazer dar o que nos sobrava, muitos de nós já tínhamos os nossos meninos preferidos, sabíamos o nome deles, tendo ao longo dos mais de 27 meses, ganho a sua confiança, e ele a nossa.

Quando cheguei ao Quiende conheci um deles que já na companhia que fui render se entretinha a varrer o Posto Médico, Cadete era o nome dele e teria os seus 11/12 anos, tinha liberdade de movimento dentro do aquartelamento e sempre foi um bom menino a quem dava muita das sobras das rações e muitas das vezes caixas inteiras que levava para a sua família bem como roupas que deixavam de me servir e que a mãe lhe adaptava ao corpo franzino.

Na Sanzala do Quiende havia muitos meninos e meninas, mais de meia centena, muitos recorriam á Enfermaria para tratamentos vários, não eram crianças desnutridas mas comiam muita fuba e pouca carne ou peixe, dai o desconsolo deles o que fazia que um papo seco e uma lata de atum fosse como lagosta para nós.

Naturalmente que de todos os meninos o que mais me custou deixar foi o Salvador José, que eu ajudei a vir a este Mundo e que ficou ao cuidado de uma tia pois a sua Mãe morreu no pós-parto mas também o Cadete que já deixei bem mais composto do que quando cheguei, cresceu bastante e se fosse possível voltar a Angola, gostava muito de ver como é a vida hoje no Quiende, se é que ainda existe...para voltar a ver aqueles meninos, se é que ainda existem...

Estejam onde estiverem, estarem sempre no meu coração.

O Salvador José tinha 9/10 meses, chorei quando lhe dei um beijo no dia anterior a vir embora, ao Cadete ofereci um Rádio transistor que minorou a nossa separação.

Até sempre, ou quem sabe, até um dia meus meninos.

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Capítulo 7 - As queimadas

Era inimaginável para os jovens soldados ouvir dizer que o capim era um dos principais inimigos que encontraríamos no campo de "batalha".

Quando em contacto com a realidade das picadas verificávamos "in loco" o significado das palavras de quem já por lá tinha passado.

Capim com 2/3 metros de altura...era de facto assustador.

Por isso sempre que o tempo o permitia e quando o mesmo estava que nem "palha" era chegada a hora de sempre que um grupo saia para o mato, ao longo da viagem lá se ia pegando fogo, principalmente no regresso de operações, não fosse o fogo apanhar algum grupo estacionado no mato.

Um belo dia estávamos a caminho de uma operação bastante delicada. 

Ia-mos no encalço de um grupo "inimigo" de cerca de 70 guerrilheiros que a PIDE dizia ir passar em determinado local.

As viaturas, deixaram-nos na picada em local pré estabelecido e a missão era seguir a partir dai no seu encalço. O capim estava altíssimo e o Comandante do 2º Grupo mandou pegar fogo ao capim no sentido oposto ao caminho que seguiríamos, uns momentos depois e com o vento a dar-lhe, o fogo ia devastando tudo á sua frente.

O caminho a percorrer ainda era bastante, cerca de uma hora de progressão, levávamos morteiros, lança granadas e outro material que já não me recordo, certo é que levávamos muito material e respectivas munições.

A poucos metros de chegar ao meio de um morro e olhando para trás para ver o desbravar do fogo, começamos a não gostar do espectáculo...o vento mudou e o fogo estava a vir ao nosso encontro.

A meio do referido morro, existia uma vasta clareira com mais ou menos 500 metros de diâmetro, bem lá no fundo, encostado á parede do morro, colocamos todo o equipamento, o medo era que com a temperatura que se iria sentir, todo ele explodisse, todo o grupo de mais ou menos 25 homens continuaram a ver a progressão do fogo e não havia dúvidas que ele vinha direitinho a nós.

Quando o fogo chegou á clareira sentimos por uns 2/3 segundos uma falta de respiração que mais pareceu uma eternidade...deitados estávamos, deitados nos deixamos ficar por mais uns instantes ... já respirávamos e nenhum explosivo tinha rebentado...ninguém falou por momentos, entreolhamo-nos...e rimos, o perigo tinha passado.

     A nossa estrela, mesmo durante o dia brilhava...

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Capítulo 8 - Queimadas II

Os inimigos na Guerra de África, eram muitos.

O capim alto era um deles. A dois, três metros da picada escondia-se o inimigo a ver-nos passar sem que os nossos olhos o vissem, por isso se tornava num inimigo a abater, mal nos era possível, "matávamo-lo" sem dó nem piedade...

Curiosa foi uma outra situação em que fizemos uma queimada sem querer...

Sabem os ex- Combatentes que a caça era uma das fontes de alimentação que as Companhias principalmente as que estavam estacionadas no mato e eram a grande maioria, para alem do prazer que muitos tinham em fazer o gosto ao dedo a carne da Pacaça ou do Burro do Mato era apreciada por todos nós, e muitas foram as vezes em que fomos obrigados a ir propositadamente á caça para termos comida, já que recordo uma altura em que estivemos uma semana a comer Peixe com massa ao almoço e massa com peixe ao jantar...e para variar tínhamos que fazer pela vida...

A história de hoje sai um pouco do contexto das queimadas mas vão ver que nem tanto.

Estava de saída o 4º Grupo, este chefiado pelo Homem mais caçador da Companhia, o Prieto sempre que podia lá ia dar uns tirinhos...neste dia e já quase no final da tarde preparávamos para arranjar local para acampar quando alguém avistou "caça", dai ao fazer fogo foi um passo.

A ordem do Prieto de apenas ele fazer fogo foi entendida tanto mais que iríamos pernoitar perto e não podíamos correr riscos de localização pelo que seria matar o bicho com o mínimo de disparos.

Assim foi e se a primeira bala falhou a seguinte fez o trabalho, o azar é que a bala falhada era só uma bala incendiária...o que juntando uma altura de capim mais ou menos crescido, fez com que acontecesse o inevitável...FOGO.

Desta vêz não tivemos os cuidados de verificação do vento pois que a ideia era caçar mas fomos colocados numa situação caricata e perigosa.

Alguns segundos de observação e só tínhamos uma saída...fazer contra fogo, e foi o que aconteceu, começamos a pegar fogo junto aos pés e ver o vento fazer o resto.

Com tudo isto, fez-se noite e não tivemos tempo nem para fazer as tendas o que nos obrigou a dormir no chão ainda morno mas isento de bicharada pelo menos...

Acordamos todos pintados de preto, porque as mãos assim se encontravam e só de manhã cada um via a figura em que cada um se encontrava.

Caminhamos para a picada, onde passadas duas horas fomos recolhidos como previsto, mas a pacaça ficou no "local do crime" completamente carbonizada e nesse dia não ouve rancho melhorado para ninguém.

Mais uma vez tudo acabou em bem mas que deu para apanhar um "cagaço" deu.

 

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