
NOTÍCIA - Reencontro de camaradas |
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Fonte:
http://vouguinha2.blogspot.com/2009/10/o-bazuca.html
Aconteceu no XI
Encontro dos ex-combatentes de Muaguide
Branquinho de Almeida
e
Basílio ("O Bazuca")
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Em
1971
Alferes Branquinho de Almeida e Furriel
Basílio |
Em
03Out2009
ex- Alferes Branquinho de Almeida e ex-
Furriel Basílio |
"O BAZUCA" - Não
há amigo que eu não "veja" pela voz!
1971. Vivia-se mais
um ano da guerra. Nas fraldas da Serra Mapé, na povoação
de Muaguide, em Cabo Delgado, estava sediada uma
companhia militar composta, na sua maioria, por naturais
ou incorporados em Moçambique. Era, também, naquele
quartel que o Grupo Especial (G.E.) 201 tinha a sua base
de actuação. Com cerca de sessenta homens escolhidos
entre milícias, recuperados e elementos da população,
esta força era enquadrada por quadros do Exército.
Um dos grupos de combate da Companhia, era integrado
pelo Furriel Basílio, mais conhecido pela alcunha de
Bazuca. Era um dos mais joviais, divertido e de
relacionamento fácil e com um espírito de companheirismo
muito acima da média.
Dele guardei sempre recordações marcantes daquele ano de
brasa em que partilhámos alguns momentos de risco, mas,
também, situações de são convívio e amizade.
Lembro que, nos curtos períodos que, entre operações, o
G. E. por mim comandado regressava à base, ao quartel
comum, para repouso de alguns dias, era sempre recebido
com um convite do Bazuca para um petisco especial que
ele previamente organizara e que, via de regra, constava
duma carilada, dum cabrito ou frango de churrasco (à
cafreal, como dizíamos), regado sempre por um garrafão
de Aveleda, o "cabeça de giz", como era denominado entre
o pessoal.
Todas essa situações, entrecortadas por umas disputadas
sessões de King, foram reforçando os laços de
companheirismo e amizade que se vieram a manter para lá
dos anos de luta.
Uma das picadas mais perigosas da zona de actuação
comum, liga Muaguide ao Meluco(Kuero), uma zona que era,
desgraçadamente, marcada pelo constante "semear" de
minas e emboscadas por parte dos guerrilheiros da
Frelimo.
Tal realidade obrigava a que se procedesse a uma
"picagem" e escolta de viaturas, numa média de duas por
semana, sempre que uma coluna rodava por aquele
itinerário. Essa missão era incumbida a uma força da
companhia, normalmente, por escala.
Em data que não consigo recordar-me, mas que andará por
meados de 1971, estava eu na mata com o G.E., a norte do
aldeamento de Sitate, a zona das minas e emboscadas,
numa acção de detecção de grupos de guerrilha que
utilizavam aquela região para se infiltrarem para sul.
A operação decorria sem algum contacto até que, às
primeiras horas do segundo dia de progressão, fomos
alertados pelo som de prolongada metralha, tiros e
morteiradas, a meia dúzia de quilómetros , a sul do
local onde nos encontrávamos.
Não tivemos dúvidas: tratava-se de mais uma emboscada na
fatídica zona dos cajueiros. E foi em passo de corrida,
em formação de batida, que nos dirigimos para o local,
no intuito de interceptar os atacantes na retirada e
socorrer os emboscados.
Chegados à picada, lá estava o Furriel Bazuca e o
pessoal do seu grupo, ainda pouco refeitos da acção
inimiga.
Dirigi-me a ele e notei-lhe um semblante de sofrimento
que me levou a pensar o pior:
- Bazuca, que tens,
estás ferido?!
- Olha o meu relógio, olha o meu relógio! -
respondeu-me, em tom agitado e nervoso.
Preocupado, imaginei que estivesse ferido no pulso e que
fora uma bala ou estilhaço a desfazer-lhe o relógio.
- Mas estás ferido?
E a resposta chegou-me, com alívio e não menos
espanto:
- Não, pá! Parti-o ao
atirar-me para o chão, mas era um relógio novo!...
O tempo foi passando, esquecido o incidente,
depois de outras emboscadas e minas, outros momentos de
descontracção e convívio no quartel se seguiram.
Decorria o mês de Dezembro do mesmo ano, já eu recebera
a esperada notícia de que nos primeiros meses de 1972,
acabaria a minha "guerra", o Bazuca e a sua Secção saiu
cedo, se me não falha a memória, para abastecer os
homens destacados junto ao Moja para protecção duma
ponte estratégica na estrada de Macomia-Ancuabe.
Sentava-se ao lado do condutor da primeira viatura,
seguido por um Unimog 411, com o restante pessoal.
Ainda não era passada uma hora, encontrava-me na parada
do quartel, quando me apercebo que uma das viaturas se
aproximava em marcha louca, com o condutor, o Cascais,
esbracejando e gritando:
- Emboscada, emboscada!
Interrogado pelo destino da outra viatura e dos
homens, disse não saber. Deduzi que, enquanto a primeira
viatura, onde se deslocava o Bazuca, havia caído na
"zona de morte", a da rectaguarda conseguira recuar
antes de a atingir.
Reunidos alguns homens disponíveis, na viatura do
Cascais e numa Berliet, acelerámos em direcção ao local
do ataque, a menos de quinze minutos da base, entre o
aldeamento de Incocotelo e o do Moja.
No local, nem sinais do Bazuca e dos seus homens, nem,
tão pouco, dos atacantes. Seguimos em direcção ao Moja,
onde já se encontrava o pessoal emboscado. O Único
ferido era o próprio Bazuca, com uma bala alojada no
braço que inchava assustadoramente.
Sem condições de assistência local e porque urgia a sua
rápida evacuação, o capitão que comandava a companhia
decidiu pelo avanço até Ancuabe, onde existia um
aeródromo improvisado. Avançámos e aguardámos a chegada
dum avião civil - penso que pilotado pelo José Quental -
e embarcámos o Bazuca, em profundo sofrimento.
E não esqueço, no momento em que entrava para a
aeronave, o desabafo que lhe saiu titubeante, mas com
ironia:
- Porra, Branquinho,
antes fosse mais um relógio!
Não voltei a encontrar o Basílio, em Moçambique. A
guerra havia acabado ali para ele e, um mês depois, para
mim.
Anos mais tarde, já em Lisboa, quando tive a enorme
alegria de o encontrar, sem mazela de monta no braço
atingido, o Bazuca estava invisual, por problemas
relacionados com diabetes.
Mantinha, e mantém, o mesmo espírito amigo e brincalhão,
dando prova da sua força de encarar a vida e os seus
reveses. E não me surpreendi, quando, em resposta a uma
alusão minha ao seu "azar", me respondeu:
- Não te preocupes, não
há amigo nenhum que eu não "veja" pela voz!
E assim é, de facto. Nos encontros anuais em que
juntamos dezenas de ex-combatentes, não há um que ele
não reconheça,
logo à primeira saudação.
Não se perdeu a sua alma solidária. Nesses
encontros é ele próprio um dos impulsionadores e quem
mais anima os companheiros que, também por isso, o
estimam como a um irmão.
Fonte:
http://vouguinha2.blogspot.com/2009/10/o-bazuca.html
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para visualização das imagens do XI
Encontro dos ex-combatentes de Muaguide - 3 de Outubro
de 2009, em Lisboa
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