
NOTÍCIA |
Enviado por
João Bizarro, editor
do Jornal Aurinegra (Cantanhede) |
Ponto de situação - 19 de Dezembro de 2006
-----Mensagem
original-----
De: joao bizarro [mailto:bizarro.joao@gmail.com]
Enviada: terça-feira, 19 de Dezembro de 2006 10:50
Para: Ultramar Terraweb
Assunto: Re: Ponto de situação: Missão de resgate de 8
corpos abandonados na Guiné
A Campanha "Até ao
Meu Regresso", o movimento de cidadãos que pretende
criar condições para que sejam resgatados os restos
mortais de oito militares "deixados para trás" em
Guidaje, Guiné, recolheu, até ao momento cerca de 1.500
euros, segundo a informação da Associação de Veteranos
de Guerra do Centro (Cantanhede), titular da conta de
solidariedade.
É pouco, pensando
sobretudo que a operação tem um orçamento de 25 mil
euros. Em todo o caso, uma vez que a divulgação da
campanha ainda não ultrapassou o círculo dos antigos
combatentes e um âmbito público ainda restrito (de
Cantanhede, embora tenha também sido divulgada no Jornal
de Notícias), não é surpreendente que não tenha ainda
sido angariada verba significativa.
Conforme estava
previsto, hoje mesmo seguirão para as entidades oficiais
(Presidente da República, Primeiro-Ministro, Presidente
do Governo Regional da Madeira, Presidentes da sete
câmaras municipais cujos cidadãos ficaram sepultados e
abandonados em Guidaje, comunicação sobre o movimento de
cidadania, com o pedido de apoio que se impõe.
Ninguém estará,
obviamente, à espera que a administração pública resolva
tudo, mas é obrigação pedir que assuma a sua obrigação
de respeito para com a memória dos que morreram ao
serviço da Pátria.
Algumas câmaras –
desde logo a de Cantanhede, que já nos informou querer
ter uma participação significativa, e a de Vila do Conde
– irão contribuir financeiramente e ajudar a resolver um
problema logístico importante. O do caso dos cinco
militares do Exército cujas famílias têm ainda que
mandatar a missão para a recolha, transporte e exame de
identificação (ADN) dos restos mortais dos seus
falecidos. Se se tratasse de uma missão oficial essa
prévia autorização poderia ser dispensada...
Quanto à
administração central, esperamos que tome uma posição,
num prazo razoável. Qualquer que ela seja, menos a
indiferença.
O ideal, até por uma
questão de formalidades legais, seria que o Governo
tomasse a operação como acto oficial, acolhendo embora o
movimento de cidadãos, e facilitasse, pelo menos, o
transporte aéreo para a evacuação dos restos mortais.
Depois das notícias
de há cerca de um mês, a Liga dos Combatentes chamou, a
Lisboa, Manuel Rebocho, o sargento-mor pára-quedista e
sociólogo que "despoletou" a questão. A direcção da
instituição declarou nessa reunião todo o apoio à
iniciativa, mas uma contribuição financeira ficou fora
de questão por "impossibilidade de orçamento".
É muito natural que
essa posição – não hostilizar mas não se comprometer –
seja assumida por outros, mas é preciso colocar a
questão e ouvir. Nem que seja apenas o silêncio...
A planificação da
campanha prevê continuar estas acções de informação com
as entidades oficiais e dirigir-se também às empresas.
Até ao final de Janeiro, altura em que deverá já ser
clara a atitude oficial perante a questão e estará
cumprida uma importante etapa da operação.
A 19 de Janeiro,
Manuel Rebocho e o general Bernardes vão à Guiné em
missão exploratória (a suas próprias expensas, deve
dizer-se), verificando todas as condições de terreno e a
logística local necessária à operação. Uma semana depois
regressarão a Portugal com relatório pormenorizado,
essencial para que a campanha possa, nas duas semanas
seguintes, chegar ao círculo nacional (jornais, rádios e
televisões) e angariar os fundos necessários.
A Associação de
Veteranos de Guerra do Centro, através da sua direcção e
do presidente, João Espírito Santo, assumiu o
compromisso de, por todos os meios, cumprir a missão de
cidadania do resgate dos restos mortais do soldados
abandonados em Guidaje, quer facilitando toda a sua
logística para sensibilizar a opinião pública e a
administração, quer recolhendo os contributos, quer
administrando esses contributos com o único fim para que
são angariados. Todas as contas serão públicas e
publicitadas.
O jornal AuriNegra
considera o assunto como "ponto de honra" e dá
quinzenalmente e continuará a acompanhar de muito
perto as informações relevantes que se impõem, assumindo
o encargo de relato das operações e de divulgação
pública dos resultados, incluindo relatório
circunstanciado dos contributos da conta de
solidariedade.
A 16 de Fevereiro
próximo sairá para a Guiné o grupo de resgate,
constituído por três ex-militares (Manuel Rebocho
incluído) e três civis, dois dos quais especialistas em
arqueologia e antropologia com a particular missão de
dirigirem as exumações, efectuarem as análises de
identificação possíveis no local e acondicionarem os
restos mortais que, sendo necessário, poderão depois
voltar a ser estudados, em local com capacidade técnicas
adequadas.
Cumprir o dever de
sangue e de memória é um imperativo de justiça para
todos os que estão neste movimento de cidadania. Os
pára-quedistas que não podem aceitar ter "deixado alguém
para trás"; os outros ex-militares que sentem poder
acertar algumas contas com a Pátria; os civis que
entendem as razões profundas da honra e não podem
acreditar que a terra africana, atirada à pressa por
cima de corpos de jovens baleados numa guerra que nem
sequer entendiam, possa fazer com que todas as dívidas
tenham ficado saldadas.
Ainda que se possa
dizer, com alguma razoabilidade, que não se devem
reabrir feridas antigas e mexer com dores já
adormecidas, não é possível ignorar.
No nosso caso, mais
particular, de Cantanhede, a 23 de Maio de 1973, num
país estranho, numa guerra estúpida como são estúpidas
todas as guerras, um jovem de 19 anos, José Lourenço,
perdeu definitivamente a capacidade de ser feliz. À
força de balas deu o seu próprio sangue por uma causa
que nem sabia saber qual era. E a sua família e a aldeia
onde teve os seus sonhos não puderam fazer o luto,
porque também o corpo ficou para trás.
Aos antigos militares
e a todos os cidadãos que se interessaram por esta
causa, o compromisso de continuar é o único
agradecimento possível.
Bem-hajam
João Bizarro
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