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Os Flechas - Angola

Os Flechas uma das melhores forças antiguerrilha ao serviço de Portugal

 

Elementos cedidos por um colaborador do portal UTW

 

Os Flechas

 

                     

 

                     
«Combati ao lado dos Flechas»

 

de: Armando Magno

 

– «Meritória nos seus esforços de guerra apesar da controvérsia gerada aquém-fronteiras, a PIDE-DGS formou para a guerra colonial de Angola um pelotão de bosquímanos. Eram homens pequeninos, provenientes do deserto do Kalahari – e que comunicavam entre si com estalidos de língua.


José Leitão Baptista [natural do Sabugal, nascido em 1947], furriel [miliciano] de cavalaria [da CCav2498/BCav2870], foi um dos portugueses que trabalharam com esses guerreiros extraordinários, rápidos e resistentes, dotados de uma incrível capacidade de sobrevivência e uma apreciável habilidade no seguimento de pistas e trilhos. Um privilégio, diz Baptista até hoje.


Dava um romance. Uma história de guerreiros misteriosos afastando-se na noite em direcção ao desconhecido. Uma história de heroísmo, de modéstia e de silêncios. Com a diferença de que, neste caso, os heróis não seriam homens altos, fortes, de chapéus indecifráveis. Apenas misteriosos, não mais. Homens de metro e meio de altura, comunicando entre si com estalidos de língua. Bosquímanos – "bushmen", homens dos arbustos. O cinema imortalizou-os em "Os Deuses Devem Estar Loucos". José Leitão Baptista conheceu-os pessoalmente. E combateu ao lado deles, em Angola, onde a PIDE-DGS, encarregada de grande parte dos esforços portugueses de inteligência de guerra, os recrutou para as mais difíceis missões de reconhecimento, seguimento de trilhos e orientação geográfica.


"Os bosquímanos eram muitos perseguidos. Eram pequeninos, fáceis de identificar no meio das restantes etnias e os ganguelas e os quiocos, cujos homens chegavam a atingir dois metros de altura, incendiavam-lhes as casas e as aldeias. De forma que a PIDE os recrutou com alguma facilidade, pois esse recrutamento significava até certo ponto a autonomia deles. E foi de facto uma escolha notável. Os bosquímanos revelaram-se guerreiros extraordinários, extremamente leais, ágeis, resistentes e velozes", recorda José Leitão Baptista. "Eram conhecidos por "kamessequéis", "vassequéis", "kums" ou apenas "bosquímanos". A PIDE, no papel de entidade recrutadora, deu-lhes o nome de Flechas. Conheci-os pela primeira vez no quimbo do Cuito Cuanavale. Levavam uma vida errante, de nómadas, em fuga às perseguições de que eram alvo. Pela sua fisionomia, pareciam "vietcongs". Mas as mulheres eram lindas, de lábios finos. Era um povo diferente em tudo dos restantes africanos."


Sedeado na região de Serpa Pinto, capital do distrito do Cuando Cubango, a que alguns chamavam então "Terras do Fim do Mundo", José Leitão Baptista começara a sua participação na guerra pelo campo do Missombo [13Mai69]. Fizera patrulhas, longas escoltas a colunas de reabastecimento nas quais se demorava mais de um mês nas entranhas do mato – e, inevitavelmente, acabou por conhecer a região tão bem quanto é possível conhecer um território quatro vezes do tamanho de Portugal. Furriel de um pelotão cujo alferes cedo ficou ferido, dividiu o comando com um camarada durante a esmagadora maioria das campanhas. Com um desafio suplementar: o seu pelotão fora escolhido para servir de piloto ao projecto de mescla de tropas negras e brancas – soldados e cabos negros, graduados e oficiais brancos, isto é –, o que o tornava num balão de ensaio para a integração étnica e, ao mesmo tempo, um pequeno barril de pólvora onde cada descuido poderia significar a degradação do ambiente.


Na verdade, não foi uma má experiência, recorda hoje José Baptista. À noite, nas casernas, os brancos dormiam ao lado dos brancos e os negros ao lado dos negros – mas durante o dia, em missão ou simplesmente circulando pelo aquartelamento, o pessoal misturava-se sem agressões e, inclusive, alguma harmonia. E, porém, quando o mato colocava os seus desafios, nem sempre era aos seus soldados autóctones que o furriel recorria. Nem ele nem os respectivos oficiais. Escolha recorrente: os bosquímanos – os Flechas, como hoje os recorda a História. Conheciam o terreno como ninguém, dispensavam a maior parte dos apetrechos logísticos e concluíam o seu trabalho sem uma reclamação. Acima de tudo, respondiam às ordens da PIDE [DGS]. Mesmo que sob comando momentâneo dos militares, cumpriam principalmente a ordem dos seus recrutadores. A PIDE coordenava a espionagem e a contra-espionagem, negociava prisioneiros e geria os interrogatórios – a ela, e a mais ninguém, respondiam os bosquímanos. Se o agente da PIDE lhe dissesse que não deveria beber água, um Flecha não a bebia nunca, mesmo que quase morresse de sede. "Mas o facto é que não morria. Por exemplo, um dia foi preciso deslocarmo-nos numa missão complicada, em que deveríamos ficar a patrulhar um determinado perímetro ao longo de cinco dias, e a primeira coisa que fizemos foi requisitar um Flecha. Ele guiou-nos através do território e, quando ficámos sem água, arranjou tubérculos suculentos que nos mantiveram vivos. Quando finalmente encontrámos água, no entanto, recusou-se a beber, seguindo as ordens da PIDE. Foi à procura de mel silvestre nas copas das árvores e assim sobreviveu", conta Baptista. "Eram uns autênticos guerreiros. Aceitavam as rações de combate, mas iam entregá-las às mulheres, porque as achavam demasiado pesadas para as carregar através do mato. Levavam só uma arma e um pouco de sal. O resto, caçavam ou apanhavam da natureza. E, sobretudo, nunca se deixavam decifrar. Continuavam distantes, misteriosos, românticos."


Memórias deste e de outros tipos, trouxe José Leitão Baptista para Portugal.»¹


¹ (excerto de artigo publicado por Armando Magno, em 30Dez2006 no 'Correio da Manhã')

 

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