Segundo o testemunho do Soldado
Condutor Auto José ‘Alcobaça’ Peça Figueiredo:
Foi no dia 5 de Julho de 1963. Passava pouco do
meio-dia. Era Soldado condutor auto-rodas da CCS do
Batalhão 400.
Pediram nessa altura voluntários para ir ajudar uma
coluna da 392, de M'Baca, que estava a ser atacada
quando vinha a meio caminho em direcção a Bessa
Monteiro.
Saiu uma coluna comandada pelo Capitão Moura Borges para
ir dar uma mão à tropa da 392, ajuda que tinha sido
pedida por rádio.
Por volta das 3 da tarde soube o que tinha acontecido.
A cerca de 12 kms de Bessa Monteiro, num local em que a
picada estreitava devido a uma garganta da montanha, a
segunda viatura da coluna da CCS rebentou uma mina
anti-carro e não tinha conseguido chegar ao local da
emboscada da 392. Tinham-se registado diversos mortos e
feridos.
Lembra-se dos mortos terem chegado feitos aos bocados.
Havia a lamentar 3 mortos da CCS, entre os quais o
Capitão Borges.
E também havia mortos em M'Baca da CArt392.
O “Alcobaça” ajudou no que lhe foi possível e ainda
assarapantado pela confusão do momento lembra-se de,
passado algum tempo ter sido chamado pelo Comandante de
Batalhão, Tenente-Coronel Alberto Ferreira de Freitas
Costa.
- “Alcobaça” vai jantar e depois levas os mortos a
Ambrizete.
- Destino Ambrizete porquê?
Ambrizete ficava a 200 kms mas tinha cemitério e uma
Igreja onde se podiam fazer os funerais.
Teria que fazer o percurso onde tinha ocorrido o
rebentamento da mina e passar por M'Baca para
transportar, para o mesmo destino os outros mortos.
Algum tempo depois apresentou-se com a sua GMC junto ao
Comando e carregaram-lhe em maca os 3 mortos.
O Tenente-Coronel entregou-lhe os galões do Capitão
Borges e disse-lhe em voz baixa, que os voltasse a
colocar no corpo do Oficial quando tivesse chegado ao
seu destino.
- E quem vai comigo, meu Comandante?
- Ninguém. Vais sozinho pois já chega os mortos que
tivemos. Se houver outra mina só teremos mais uma baixa
e não duas.
O Zé Peça, que sabia que o Comandante de Batalhão tinha
estima por si, sentiu um aperto mitral mas nada disse e
subiu para a viatura. Pôs o motor a trabalhar e arrancou
seguido por duas viaturas com duas secções. Lembra-se
que uma das secções era comandada pelo Furriel Tavares.
Eram umas seis da tarde.
Ainda havia luz de dia mas pouco depois começou a
escurecer.
O “Alcobaça” não acendeu os faróis mas ligou os
olhos-de-gato da GMC. Em marcha lenta, pois nalguns
troços da picada os homens do Furriel Tavares seguiam
apeados, chegaram ao local onde tinha rebentado a mina.
Foi muito difícil ultrapassar o buracão, dificuldades
que pouco depois aumentaram quando encontraram duas
árvores abatidas na zona de morte da emboscada que a
malta da 392 tinha sofrido.
Os abatises tiveram que ser serrados e removidos para a
berma, para a pequena coluna continuar o seu caminho.
Foram horas de angústia que se prolongaram pela noite
dentro. Chegaram a M'Baca por volta das 4 da manhã.
Tinham sido precisas cerca de 10 horas para percorrer 22
quilómetros!
Foram carregados os mortos da 392 e a coluna funerária
seguiu a caminho de Ambrizete.
Só, na sua cabine, nem uma vez o Zé Peça olhou para
trás, para a sua carga. Sentia um cheiro a morte e um
zumbido de moscas… Foram horas e mais horas até
Ambrizete. Só, com os seus pensamentos, o Zé Peça olhava
para a picada atento a qualquer coisa… As sombras da
noite foram clareando e quando o amanhecer chegou o seu
ânimo melhorou um pouco…
Eram 5 da tarde quando chegaram a Ambrizete.
Tinham passado cerca de 23 horas desde que tinham saído
de Bessa Monteiro.
Os corpos começaram a ser descarregados e o “Alcobaça”
apressou-se a pôr os galões no cadáver que lhe pareceu
ser o do Capitão Borges. Os corpos estavam inchados,
cobertos de pó, de moscas e… irreconhecíveis. O Zé Peça
teve dúvidas mas… não conseguia olhar mais tempo os
mortos.
Tinha que sair dali bem depressa e foi para a Pensão do
Moço. Caiu na cama mas não conseguiu dormir nada de
jeito. Teve pesadelos e viu, vezes sem conta, os seus
mortos numa noite longa… que parecia não ter fim.
No dia seguinte atestaram-lhe a sua GMC com géneros.
Carregou sacos de arroz, feijão, grão, batatas,
conservas e barris de vinho.
Carregava a tonelagem máxima e se encontrasse uma mina
anti-carro talvez não saltasse muito!
Não houve problemas no regresso a Bessa Monteiro.
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