José
Freire Antunes
«A
Guerra de África, 1961-1974»
Fonte:
http://www.dinheirodigital.com/news.asp?section_id=188&id_news=495464
Círculo dos Leitores reedita «A
Guerra de África, 1961-1974»
Texto: Pedro Justino Alves
Em
Janeiro passado comemorou-se o cinquentenário do início
da guerra em Angola. Uma das obras obrigatórias da
Guerra Colonial foi no entanto editada há 15 anos.
Falamos de «A Guerra de África, 1961-1974», de José
Freire Antunes, agora reeditada pelo Círculo de
Leitores. No total, quatro volumes com centenas de
depoimentos de pessoas que viveram o conflito, dos mais
variados quadrantes. Uma obra obrigatória para entender
a nossa história recente.
No
preâmbulo ao livro, José Freire Antunes confessa que o
objectivo principal de «A Guerra de África, 1961-1974»
«foi dar a palavra, registar, enquadrar o percurso de
dezenas de personalidades que tiveram uma acção
relevante nas várias áreas, em Portugal e em África».
Inclusive, os depoimentos de Pieter W. Botha, Ian Smith
e Kenneth Kaunda, «que revelam facetas do quadro
político da África Austral» até então desconhecidas por
muitos.
Nos quatro volumes Antunes admite no
entanto que deu maior relevo «às versões e experiências
dos militares, os protagonistas por excelência da
guerra, os homens e as mulheres que nas selvas de África
cumpriram o seu dever e arriscaram a sua vida». Mas
também há dezenas de testemunhos de «ministros dos
governos de Salazar e Caetano, dirigentes da oposição ao
Estado Novo, chefes de grupos nacionalistas, (…)
mulheres da sociedade civil e das Forças Armadas,
dirigentes do Partido Comunista e outros grupos da
esquerda, (…) deputados, jornalistas, deficientes de
guerra, etc.». Tudo com o intuito «imprescindível» de
«obter e congregar testemunhos fundamentais, sob o risco
de se perderem para sempre».
No primeiro volume de «A Guerra de
África, 1961-1974» surge antes dos depoimentos de
António Champalimaud, Jonas Savimbi, Costa Gomes, Artur
Agostinho, John Kennedy e Pieter W. Botha, entre outros,
uma resenha em forma de diário do que foram os 13 anos
da Guerra Colonial, oferecendo ao leitor um
impressionante fresco das linhas internas e externas da
política nacional. No total são cerca de 60 páginas que
fornecem uma visão global deste período que ainda hoje é
uma mancha na história nacional. Nota também para a
presença de documentos, cartas dos protagonistas da
contenda, oferecendo um maior realismo ao texto.
Outro dado a assinalar nesta obra que
ainda hoje mantém a sua actualidade, servindo desde 1995
como base imprescindível para qualquer trabalho mais
específico sobre o tema, é a revelação das principais
operações militares das Forças Armadas, como por exemplo
a «Operação Viriato, retoma de Nambuangongo», levando o
leitor para o terreno africano. A palavra é dada ao
coronel Armando Maçanita, que comandou o Batalhão de
Caçadores 96. «Diziam que eu não tinha medo. Bem,
fartava-me de ter medo, mas tinha que dar o exemplo. Não
acredito em indivíduos que não têm medo, só se forem
inconscientes. Eu tive sempre a preocupação, desde o
princípio, de estabelecer entre mim e os meus soldados
um laço de amizade muito forte. O que mais contava eram
as pessoas. Ali não havia valores, havia as pessoas. Eu
tinha 44 anos, eles tinham 20 e 21, a não ser os
capitães e os alferes, que andavam nos 24. E
estabeleceu-se um contacto e uma amizade de tal forma
que tornou este batalhão invencível.»
Mas evidentemente que os depoimentos
recolhidos pelo grupo de trabalho de José Freire Antunes
são a alma de «A Guerra de África, 1961-1974». Devido
aos inúmeros testemunhos, é possível termos uma ideia
geral, e substancial, do que aconteceu no continente
africano, as incongruências, os receios, os erros, os
temores, as razões, com cada um a contar a sua Verdade.
«Até o Dr. Salazar ter caído da cadeira estive para aí
uma meia dúzia de vezes com ele, e as causas que lhe
submeti e que eu considerava de interesse nacional,
vieram sempre a conhecer um desfecho favorável para mim,
apesar das fricções havidas. Mas já Marcelo Caetano quis
prejudicar-me e contrariar as minhas iniciativas
empresariais, boicotando a minha expansão», revela
António Chapalimaud.
Evidentemente que os relatos dos
militares são os que têm mais força na obra, já que
viveram no campo o terror da guerra, como fica claro no
depoimento do general Ricardo Durão. «Foi em Carmona e
nas terras ali perto, Songo, etc., que foram mortos mais
pessoas nos massacres de Março. Era a capital do café,
tinha muitas fazendas, que foram assaltadas e
massacradas. Carmona era a capital da zona do Uíje. Era
uma vila civilizada. Houve resistência e muitos mortos à
volta de Carmona. Não propriamente na cidade. É evidente
que na cidade vivia-se com a espingarda à espera do que
podia acontecer, mas em Carmona, antes dos massacres, já
havia um batalhão, que actuou. Foi este batalhão que,
entre Aldeia Formosa e Cpbué, foi levantar os cadáveres
do capitão Castelo da Silva, que foi esquartejado –
cortaram-lhe o sexo, espetaram-lhe paus – e dos seus
acompanhantes, que tinha ido fazer uma patrulha na área
do Dange.»
Destaque também para as centenas de
fotografias, que dão uma imagem real do que foi a Guerra
Colonial. «A Guerra de África, 1961-1974» é por isso
também um testemunho visual do que foi o período mais
traumático da colonização. Antes da sua leitura é
impossível não ficarmos horas e horas perdidos nas suas
imagens.
O grande mérito da reedição da obra de
José Freire Antunes é possibilitar a leitura de uma obra
que marcou milhares de pessoas há 15 anos, chegando
deste modo a uma nova geração que cada vez mais
desconhece o que foi «A Guerra de África».