NOTÍCIA - Carta para DN sobre Stress de Guerra
JUL2007, do Cor. Manuel Bernardo
Distúrbio Pós-traumático do Stress
Termino
este capítulo com uma carta remetida ao Diário de
Notícias. (1)
Num artigo
incluído na “Notícias Magazine” (DN) de 15-7-2007, com o
título “Guerra Sem Fim”, a jornalista Helena Mendonça
veio destacar numa nota de abertura que “Ângela
Maia (…) conclui que, no mínimo, trezentos mil homens
poderão estar profundamente doentes e abandonados à sua
sorte”. Estes números não correspondem
minimamente à realidade existente. À frente explicarei
porquê.
É muito estranho
que técnicos e professores universitários, considerados
na revista em questão como “cérebros portugueses
de que temos orgulho” – “os nossos neurónios”,
venham prestar-se a apresentar publicamente estudos sem
credibilidade, onde indicam números inacreditáveis.
Esta equipa de
investigação não terá feito a análise dos estudos
efectuados em Portugal, já que neste tipo de trabalhos
será fundamental fazer comparações com os efectuados a
nível nacional e internacional.
Num trabalho
anterior, Afonso Albuquerque e Fani Lopes indicavam ser
o quantitativo de vítimas do PTSD (Post Traumatic Stress
Disorder), em Portugal, de 140.000, apenas por
extrapolação do sucedido com os americanos no Vietnam.
Mas a guerra, neste território, não é comparável com o
sucedido no ex-Ultramar português, facto que tentei
elucidar num capítulo do meu livro “Combater
em Moçambique; 1964-1975” (2003).
Curiosamente num
artigo da minha autoria publicado no “Combatente”, da
Liga dos Combatentes, em Março de 1992,
referia o seguinte em relação ao Exército (afirmações
que mantenho depois das polémicas ocorridas):
“O
psiquiatra Afonso Albuquerque não terá razão quando
exagera nos números apresentados com base em estudos
sobre o Vietname – será talvez inferior a 40.000 (18 %
dos 240.000 combatentes por ele indicados), nem quando
faz afirmações controversas na RTP acerca da
mentalização das forças especiais, com base em
referências de diminuídos psíquicos.
Mas tem, com
certeza, força moral e técnica em confrontar o Estado
com a obrigação de ser lançado um programa de
reabilitação desses milhares de homens, que cumpriram o
seu dever e se tornaram, muitos deles, em autênticos
farrapos humanos. (…)”
Muito elucidativa
seria a alteração da opinião de Afonso Albuquerque na
revista “Visão”, de 2-12-1999, quando veio afirmar serem
40.000 os afectados pelo PTSD – o mesmo número que eu
avançara sete anos antes. E em relação às percentagens
dos combatentes, em vez do exagero anterior, na SIC, em
10-1-2002, indicará uma percentagem aceitável: 15 %. Com
este valor em relação aos 276.276 ex-combatentes do
Exército, o número seria de 41.546 (Manuel Amaro
Bernardo, ob. cit..). Se juntarmos, a estes, os
fuzileiros e os pára-quedistas, poderemos afirmar
tratar-se de cerca de 50.000 homens, que devem merecer
todos os cuidados médicos, numa rede prevista na Lei e
ainda vergonhosamente não implementada.
Recordo ainda a
opinião de João Paulo Guerra (cit. em Luís Quintais, “As
Guerras Coloniais Portuguesas e a Invenção da História”
/ 2000) nos dados indicados pelo Serviço de Psicoterapia
Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “o número
de combatentes que sofrem de stress de guerra, situa-se
entre os 30.000 e os 100.000 homens”.
Depois de tudo o
que aqui ficou descrito, a equipa de investigadores de
Braga ainda poderá afirmar que estão profundamente
doentes e abandonados à sua sorte, no mínimo 300 mil
homens?
Não conhecendo o
estudo em questão limito-me a fazer apenas este reparo.
Da amostra de 350 ex-combatentes indicada não pode ser
feita a extrapolação referida (38 % de afectados) para a
generalidade dos que estiveram em combate e que não
foram um milhão, mas apenas cerca de 300 mil. Os
restantes 700.000 foram para o Ultramar, mas não
entraram em acções de combate. Saliento também que, de
acordo com outros especialistas, a percentagem dos
ex-combatentes sofrendo desta doença situar-se-á entre
os 12 e os 15 %.
Esperemos
que, apesar das divergências em relação aos
quantitativos dos doentes, os investigadores, os médicos
e os jornalistas se empenhem e forcem o Governo a
cumprir a Lei n.º 46 de 16-6-1999, que previa a “criação
de uma rede nacional de apoio, que desse resposta
clínica e económica aos afectados”. É que,
apesar de um despacho conjunto de 31-8-2001 do MDN
e do Ministério da Saúde, aprovar o regulamento dos
protocolos entre estes ministérios e as ONG, com vista
“à criação da rede nacional de apoio aos militares e
ex-militares portugueses portadores de perturbação
psicológica crónica, resultante da exposição a factores
traumáticos de stress durante a vida militar, instituída
pela Lei 46/1999”, segundo a jornalista Helena Mendonça,
seis anos depois, “a tão
propalada medida continua a não chegar aos que precisam”
Em
27-7-2007
Manuel Amaro
Bernardo
Coronel reformado e
escritor
Nota :
(1) Foi publicada resumidamente no “DN” de
9-9-2007, sem qualquer indicação dos cortes feitos e sem
os habituais (...). Os parágrafos cortados foram agora
sublinhados, para apreciação dos leitores.