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ANGOLA
- IMAGENS - Cedidas por ex-Combatentes ou em
sites próprios
Elementos cedidos por um Veterano,
e pelo
ex- Alferes Mil.º de Cavalaria
(AML - Panhard) Marques
Pinto


Custódio Pouseiro
Companhia de
Caçadores 2356
Batalhão de Caçadores 2841
Angola: 06Abr1968 a
08Mai1970
Diálogo de Surdos
“UM
DEPOIMENTO NA PRIMEIRA PESSOA, QUE POUCOS LÊEM E QUE MESMO LENDO, SÃO
POUCOS OS QUE NELE ACREDITAM…”
O meu depoimento
é uma narrativa de um dia como tantos outros, vividos pelo escriba para
dar a conhecer um pouco da guerra de África vivida na primeira pessoa e
ao mesmo tempo, fazer jus de uma justa homenagem ao meu amigo Herói de
guerra, que trava neste momento uma dura batalha com o seu inimigo
Cancro no HUC de Coimbra.
Que Deus lhe dê a
recompensa que os homens sempre lhe negaram, tal como a muitos milhares
de outros.
Estava-mos em
Dezembro de 1968, eram pouco mais das 10 horas da manhã, um dia de sol
radioso como tantos, vivia-se uma calmaria sufocante, a humidade de
Cabinda só por si, criava em nós, continentais, um estado de espírito
doentio.
De um momento
para o outro, tudo se alterou; da densa e quase intransponível floresta
do Maiombe, soavam sons de rajadas de metralhadoras, tiros, muitos
tiros, rebentavam granadas e bazucadas, que nos provocavam suores. Em
breves instantes os nossos lábios ficaram secos e frios, trocávamos
olhares de espanto de entre os camaradas, de incerteza pelo que se
estaria a passar e de imediato assalta-nos o medo. Seguiram-se momentos
gélidos pela incerteza do que se estaria a passar na mata. Em poucos
segundos, talvez minutos, o rádio telegrafista, dava-nos conta de um
ataque a caminho do SANGAMONGO, (destacamento que se situa a poucos Kms.,
do local onde a Selecção de Futebol do TOGO, caiu numa emboscada, quando
no ano de 2009, se deslocava para o Campeonato das Nações Africanas que
se realizou em Luanda).
Quase
desordenadamente corremos em busca das espingardas, subimos para as
viaturas e aí fomos nós o 3º. e 4º. Pelotão em ajuda dos nossos
camaradas. Estaríamos a cerca de 12 Kms., e à chegada assistimos a um
cenário de guerra arrepiante. Rebentamentos, gritos de dor dos que não
morreram, viaturas em chamas e desfeitas…, cada um de nós, como pôde,
procurava dar conforto aos feridos, como se de familiares se tratasse.
Veio a ordem para
abrirmos fogo de defesa, e após segundos de puro silêncio, os mortos em
número de 5 e os muitos feridos, foram encaminhados para as viaturas e
conduzidos ao nosso aquartelamento no Chimbete. “Desta
emboscada resultou da parte deles, um morto confirmado, que supomos,
seria um comando “mercenário” de nome Margot Cruz, que sepultamos no
nosso aquartelamento com uma lápide, onde se podia ler: Que a terra lhe
seja leve e o cimento também. “Tchimbete 22.12.1968”.
(sublinhado nosso)
A imagem que se segue foi cedida por um
Veterano à equipa do UTW

Organizada a retirada
daquele inferno, iniciamos o regresso ao
quartel em coluna que se estendia ao
longo da picada. Sem darmos por isso,
eu, o soldado que carregava a bazuca e o
meu amigo Furriel que luta hoje contra o
inimigo Cancro, vimo-nos na frente da
coluna e porque entretanto as viaturas
que nos protegiam seguiram com outra
velocidade em socorro dos feridos, eu
implorava a todos os Santos e a Nossa
Senhora de Fátima e o meu Amigo à Rainha
Santa, (por ser de Coimbra) e lá nos
amparamos um ao outro.
Já no
aquartelamento, foi o transporte dos feridos para o helicóptero enquanto
foi dia, rumo à cidade.
Restavam os
mortos!
Chega-nos
entretanto a ordem de que os mortos deverão seguir naquela noite de 22
de Dezembro para Cabinda cidade. “Aceitamos voluntários para os
acompanhar”, disseram. Entre ficar no aquartelamento, onde reinava o
terror e uma tristeza profunda, onde o murmúrio e choro pelos mortos nos
invadia a todos, ou acompanhar os mortos, aceitei ser voluntário.
Partimos ao cair da noite, foram 230 Kms de picada até Cabinda em
Berlliet improvisada de Carro Funerário em que de tudo nos aconteceu…
Chegamos pelas 5
horas da manhã à morgue de Cabinda, descansamos cerca de 2 horas sem
apoio de quem quer que fosse e quando a morgue abriu, entregamos os
corpos…, ou parte deles.
Dia e meio
depois, foi o regresso ao Inferno do Chimbete, onde estava o nosso
aquartelamento. Pelas 22 horas da véspera de Natal de 1968, fomos
recebidos com uma anormalidade, que ainda hoje, passados 41 anos me
causa arrepios. Não é que de Luanda, nos tinham enviado o “Conjunto João
Paulo” para nos confortar?
Como é possível
sermos tão frios e insensíveis à morte dos outros!
Aos seus
familiares, deixo uma certeza de que nunca os esquecerei, tal como o meu
Herói Pêra nunca os esquecerá, como me confidenciou ao longo dos anos e
ainda há poucos dias no leito de uma cama de uma enfermaria do Hospital
da Universidade de Coimbra “HUC”. Claro que faleceu nos primeiros dias
de Fevereiro de 2011.
De um ex-militar
da Companhia de Caçadores 2356, que se assina por CP.
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